Na semana passada, o governo federal anunciou que alunos que ingressarem nos cursos de Medicina a partir de 2015 terão de cumprir dois anos de estágio obrigatório na saúde pública. A medida que amplia o período de formação de seis para oito anos gerou polêmica entre profissionais e estudantes de Medicina e provocou questionamentos entre vestibulandos.
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As dúvidas mais frequentes nos corredores de cursinhos pré-universitários dizem respeito ao novo currículo e às responsabilidades que os estudantes terão de assumir nos dois últimos anos da graduação.
Nesta edição, o Vestibular traz respostas para algumas das perguntas dessa turma de estudantes e apresenta exemplos de países que têm modelos de formação semelhantes ao proposto pelo governo. A mudança está prevista no programa Mais Médicos e deverá ser avaliada e regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação nos próximos seis meses.
Especialistas e diretores de faculdades acreditam que o novo modelo de formação não deve alterar o currículo nos anos iniciais do curso de Medicina, período que abrange o conhecimento teórico que a profissão exige. A vice-diretora do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Isabela de Carlos Back Giuliano, afirma que ainda é cedo para avaliar o impacto da medida nos cursos e frisa que as instituições de ensino ainda não foram consultadas ou incluídas na discussão.
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– Seria muito interessante que os estudantes se dedicassem nesses dois anos a trabalhar em regiões onde há carência de médicos, mas tudo depende das condições em que essa medida será implantada – comenta a professora, que integra a Comissão de Acompanhamento e Monitoramento do Processo de Expansão dos cursos de Medicina nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do MEC.
O governo afirma que a proposta tem por objetivo ampliar a experiência prática na formação e driblar a especialização precoce – no formato atual, a partir do quarto ano o aluno já foca na sua área de interesse. De tal forma, o estágio no SUS não extinguirá o internato, realizado no quinto e no sexto anos, período no qual o estudante atua em diversas áreas da rede de saúde.
A diferença é que, durante o ciclo do treinamento em serviço, o estudante de Medicina terá de assumir gradativamente a responsabilidade de profissional, exercendo de fato procedimentos médicos em Unidades Básicas de Saúde e urgência e emergência.
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De acordo com o Ministério da Saúde, para o estágio obrigatório, haverá a contratação de preceptores totalmente custeados pelo governo e estes dois últimos anos do curso poderão ser aproveitados como uma das etapas da residência ou pós-graduação, caso o profissional opte por uma opção de especialização do ramo da atenção básica.
As mudanças
O aluno irá contar com supervisão?
Sim. Além de ser supervisionado por um médico com pós-graduação, o aluno deverá ser acompanhado por um tutor acadêmico (um docente médico), indicado pela universidade, que deverá planejar e orientar as atividades do aluno e do supervisor. No entanto, de acordo com a portaria, como o aluno receberá uma autorização provisória para o exercício da medicina, ele terá de responder caso cometa uma infração ética ou erro no atendimento.
O aluno será remunerado por esse estágio?
Sim. O aluno receberá uma bolsa-formação. Além disso, municípios poderão oferecer auxílios-moradia e alimentação, e o Ministério da Saúde poderá conceder ajuda de custo para despesas de instalação e deslocamento conforme faixas estabelecidas na portaria. Os estudantes de instituições particulares não pagarão mensalidade no período de estágio. O supervisor e o tutor acadêmico também terão bolsa. O custeio vem de orçamento dos ministérios da Saúde e da Educação.
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Para onde vão os estudantes?
A portaria estabelece como regiões prioritárias áreas de difícil acesso ou que tenham populações em situação de vulnerabilidade. No último sábado, porém, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, informou que os alunos farão o estágio na mesma cidade em que cursam a faculdade e que o objetivo é melhorar a formação dos médicos.
O que muda no currículo?
Após os seis anos do curso, o aluno deverá cumprir dois anos de estágio obrigatório na rede pública de saúde. Há a possibilidade de reduzir a formação básica para cinco anos, mas isso dependerá da avaliação do Conselho Nacional de Educação. O aluno recebe o diploma depois de aprovado no estágio.
Como é cursar medicina em outros países
De acordo com o Ministério da Saúde, o modelo da nova grade curricular é inspirado em países como Inglaterra e Suécia, onde os alunos precisam passar por um período de treinamento em serviço, com um registro provisório, para depois exercer a profissão com o registro definitivo.
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Para entender como é a formação de um médico em países que adotam modelos parecidos com o proposto pelo governo, o Vestibular convidou três médicos com alguma experiência em cursos de Medicina em outros países.
Peru
Duração do curso: sete anos
Currículo: após seis anos de aulas do curso regular de Medicina, o aluno ingressa em um ano de estágio, que pode ocorrer tanto na rede pública quanto na particular. Somente após essa experiência prática, o aluno receberá o diploma de médico. Assim que formado, o profissional pode prestar um ano de serviço ao Estado e acumular pontos para provas de qualificação para residência.
Experiência: o peruano Renato Matta, 31 anos, residente em Cirurgia da Mão no Hospital São Lucas, em Porto Alegre, prestou um ano de atendimento médico a serviço do Estado. Do ponto de vista profissional, o médico acredita que a obrigatoriedade do estágio é válida, uma vez que a prática complementa o conhecimento do estudantes. No entanto, defende que os profissionais deslocados para o Interior devem estar formados, para que possam ser responsabilizados de forma justa caso cometam algum erro.
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Colômbia
Duração do curso: seis anos
Currículo: após cinco anos de aulas do curso regular de Medicina, o aluno ingressa no internato, que dura um ano. Após esses período, o estudante recebe o diploma de médico, mas o registro profissional só será disponibilizado se ele prestar um ano de serviço ao Estado. Neste período, o profissional é encaminhado para áreas carentes de médicos – geralmente no interior do país – e recebe um salário que pode variar entre R$ 1,5 mil e R$ 4 mil.
Experiência: o colombiano Alan Rodriguez, 27 anos, residente em Cirurgia Plástica no Hospital São Lucas, em Porto Alegre, acredita que a experiência de trabalhar em cidades pequenas a serviço do Estado é válida tanto para o profissional recém-formado, quanto para a população. Segundo ele, o período é proveitoso porque permite o envolvimento diário com pacientes. Para ele, é na prática que se aprende. A contribuição para a saúde pública do país também é encarada pelo colombiano como um dos pontos fortes do plano do governo. Ainda que o local não ofereça a estrutura necessária, Alan acredita que o médico sempre terá algo a fazer pelos pacientes. A única crítica em relação ao modelo proposto está em relação ao período do estágio, que deveria ser de apenas um ano.
Inglaterra
Duração do curso: cinco anos
Currículo: os cursos de medicina variam de cinco a seis anos. Após esse período, os estudantes inscrevem-se para um período de dois anos no Foundation Programme, implementado em 2005 para dar experiência geral aos recém-formados, antes de eles escolherem a área na qual pretendem obter a especialização.
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Experiência: a gaúcha Marta Ribeiro Hentschke, 29 anos, passou um ano de seu doutorado na Inglaterra e teve contato com alunos da graduação de Medicina da universidade. Segundo ela, o modelo de formação aplicado na Inglaterra funciona bem, pois, ainda que os médicos saiam da universidade sem tanta prática, eles têm todo o suporte necessário e tutores que acompanham o seu trabalho durante os dois anos de treinamento obrigatório.
E você, qual é a sua opinião?
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