A escola Mater Dolorum, de Capinzal, no Oeste catarinense, já soma 70 alunos inscritos em duas turmas do 1º ano do ensino médio em tempo integral. Com a segunda fase de matrículas iniciando nesta quarta-feira, 1º, e seguindo até 6 de fevereiro, a unidade estadual de educação básica espera preencher três turmas, totalizando 100 estudantes. Eles farão parte de um projeto-piloto de ampliação da carga horária nessa etapa escolar, que está em implantação em Santa Catarina em 16 escolas e deve contemplar pelo menos 2,8 mil jovens a partir da articulação entre Secretaria Estadual de Educação (SED), Instituto Ayrton Senna e Instituto Natura. Esse é o primeiro passo para a reforma do ensino médio no Brasil, prevista em medida provisória.
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Apesar de no interior catarinense ser comum os filhos trabalharem desde adolescentes para ajudar a pagar as contas da casa, a diretora da escola de Capinzal, Giana Martins, garante que a aceitação do modelo de educação em dois turnos nos últimos anos de ensino está sendo grande.
— Achávamos que não teríamos nem 40 alunos matriculados, mas no final do ano passado aproximamos a escola das famílias, que conseguiram entender que hoje não se pode mais pensar em um currículo tradicional para os filhos. A entrada na universidade continua sendo importante, mas um currículo mais pessoal, menos formal, que garanta protagonismo juvenil, autonomia, capacidade de se comunicar, por exemplo, é de suma importância — explica.
Para manter os alunos do ensino médio integral interessados, diminuir índices de evasão escolar e alavancar indicadores como o índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb), a matriz curricular do novo ensino médio prevê matérias mais vinculadas ao cotidiano. Além das disciplinas obrigatórias, os novos alunos terão aulas de línguas estrangeiras (duas) — uma moderna e outra optativa —; projetos de vida (planejamento da própria carreira, inclusive no momento posterior à escola, com a entrada em uma universidade, por exemplo); projetos de intervenção e pesquisa (resolução de problemas existentes na comunidade onde vivem ou na própria escola); e estudos orientados (uma espécie de grupo de estudos).
A proposta é mesclar os conhecimentos em todas as aulas em contraponto ao formato “fragmentado, conteudista e pouco atento ao desenvolvimento e interesses dos jovens”, de acordo com o gerente de projetos na área de educação do Instituto Ayrton Senna, Helton Lima.
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— O aluno vai ter a experiência de um currículo totalmente integrado, em que os professores trabalham uma perspectiva de desenvolvimento de competências cognitivas [matérias tradicionais] e socioemocionais [“novas” matérias] em todas as aulas. Quando eles podem escolher problemas que querem resolver na escola ou onde vivem, como um projeto de leitura na comunidade, eles estão sendo protagonistas, colaborativos, exercitam o pensamento crítico e ainda aprendem, porque terão a orientação dos professores — explica.
Modelo de escola do RJ é referência
O gerente de projetos na área de educação do Instituto Ayrton Senna, Helton Lima, diz que o processo de convencimento é mais difícil em relação aos pais do que com os alunos. Mas, para comprovar que o modelo traz resultados, ele cita o Colégio Estadual Chico Anysio, no Rio de Janeiro _ referência nacional e um dos pioneiros no modelo de educação integral no ensino médio, há quatro anos. A escola destacou-se entre as melhores na esfera pública no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2016 e, em 2015, nenhum estudante abandonou a sala de aula.
— Os pais muitas vezes tiveram uma experiência escolar diferente e acham que a escola tem que ser mais rígida, disciplinadora. Convencê-los acerca dos benefícios é o nosso maior desafio. Criando esse espaço, os alunos geralmente ocupam. Há uma abertura muito grande para esse tipo de proposta, porque eles percebem a possibilidade de uma experiência diferenciada — completa.
A coach em educação Jamile Coelho explica que a decisão por um modelo de ensino integral cabe a cada família, que deve escolher a escola com base nos objetivos do aluno, como o vestibular, por exemplo.
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— Também deve ser levado em consideração o perfil do aluno: ele está disposto a abrir mão de um tempo livre? Tem que estar a fim de se dedicar. No entanto, a escola para muitos também representa a vida social. Quem tem de trabalhar para ajudar em casa, que é a maioria da população carente, pode não se adequar à proposta. Mas um trabalho como o Programa Jovem Aprendiz dá maturidade, experiência de vida e orientação que o estudo não dá — pondera a especialista.
Preparação do corpo docente é um dos desafios
O pesquisador da história e historiografia da educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Norberto Dallabrida, aprova a integração no currículo do ensino médio. Contudo, faz uma ressalva sobre a necessidade de preparo dos professores. No novo modelo, o corpo docente terá uma tarde por semana para planejar aulas, abordagens e metodologia, período que o especialista considera insuficiente.
— O trabalho em equipe é tão antigo como o aprendizado por meio da resolução de problemas, mas essa ferramenta didática deve ser muito bem planejada e executada sob a liderança dos professores. Caso isso não seja feito, o resultado é desastroso porque gera dispersão e desmotivação no trabalho educativo — alerta o professor, que ainda destaca a necessidade de um espaço que estimule o aprendizado.
No final de 2016, os mestres foram previamente capacitados para o ensino médio integral. A formação deve continuar em 9 e 10 de fevereiro, data limite para que os professores temporários sejam contratados em cada escola do Estado. A promessa é de que a capacitação seja continuada ao longo do ano.
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Para mensurar a aplicação do projeto, a SED pretende avaliar os estudantes de toda a rede estadual no início e fim do ano letivo, conforme explica o secretário Eduardo Deschamps.
— A ideia é identificar a evolução do conhecimento por parte dos alunos das 16 escolas com ensino médio integral e comparar a efetividade com o modelo regular.
Identificado um cenário positivo, Deschamps acrescenta a possibilidade de expansão do modelo de jornada ampliada. O representante da pasta cita, inclusive, o lançamento de novo edital do Ministério da Educação sobre ensino médio integral ainda no primeiro semestre deste ano.
ESCOLAS QUE TERÃO ENSINO MÉDIO INTEGRAL EM 2017:
EEM Elfrida Cristiano da Silva, Itajaí
EEB Dom Jaime de Barros Câmara, Florianópolis
EEB Governador Ivo Silveira, São José
EEB Nereu Ramos, Santo Amaro de Imperatriz
EEB Eng. Annes Gualberto, Joinville
EEB Senador Rodrigo Lobo, Joinville
EEB Presidente Médice, Joinville
EEB Prof. Heleodoro Borgel, Jaraguá do Sul
EEB Mater Dolotum, Capinzal
EEB Almirante Barroso, Canoinhas
EEB São Vicente, Itapiranga
EEB Prof. Padre Schuller, Cocal do Sul
EEB Caetano Bez Batt, Urussanga
EEB Cordilheira Alta, Cordilheira Alta
EEB Leonor Lopes Gonzaga, Guatambu
EEB Coronel Ernesto Bertaso, Chapecó
Como será a educação integral para o ensino médio
Dentro das 45 horas de programação semanal, os alunos terão 11 aulas por dia, das 7h30min às 17h15min, com intervalos de 15 minutos para lanche de manhã e à tarde, além de pausa para almoço por uma hora. Nas quintas-feiras, o horário é reduzido: das 7h30min às 12h15min. Nesse dia, os professores vão fazer reuniões e focar na parte pedagógica no período da tarde.
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As disciplinas tradicionais serão integradas em quatro áreas de conhecimento: matemática, linguagens, ciências humanas e ciências da natureza. Haverá um núcleo de projetos responsável por articular as disciplinas tradicionais aos projetos de vida dos alunos, relação com a comunidade e desenvolvimento das habilidades socioemocionais.
Serviço das matrículas
Desta quarta-feira, 1, até 6 de fevereiro, jovens de Santa Catarina que quiserem cursar o primeiro ano do ensino médio em uma nova proposta de educação em tempo integral poderão fazer suas matrículas em 16 escolas da rede pública de ensino espalhadas pelo Estado. O aluno deve ir até a escola onde deseja estudar até 6 de fevereiro com RG ou certidão de nascimento, CPF e histórico escolar. No ensino médio, não é trabalhada a questão de zoneamento, portanto o estudante pode morar em um bairro e estudar em outro.