Interferir no diálogo entre controladores de voo e pilotos, como aconteceu sábado (7) com o avião que levava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de São Paulo para o Paraná, é possível porque a frequência utilizada para organização do fluxo aéreo é aberta e compartilhada. Isso ocorre, conforme a Força Aérea Brasileira (FAB), para que as pessoas na escuta “tenham conhecimento do que está ocorrendo, condição importante para manutenção da segurança operacional”.

Continua depois da publicidade

— Esse é o problema. Qualquer um pode comprar um rádio com receptor e transmissor e entrar na conversa. Isso, logicamente, é proibido. Mas não tem como identificar de onde vem a fala — explica o professor do curso de Ciências Aeronáuticas da PUCRS Eleones Ribeiro.

Jorge Leal Medeiros, engenheiro aeronáutico e professor de transportes aéreos e aeroportos da Universidade de São Paulo, acrescenta que é comum as rádios clandestinas instaladas próximas aos aeroportos atrapalharem a comunicação. Mas salienta que o uso da frequência aberta é procedimento padrão na aviação mundial.

—Todos que estão volta tem que saber o que está sendo dito. Não pode ser como um telefonema — diz.

Duas falas foram gravadas durante o trajeto, uma quando o avião decolava de São Paulo e outra quando se aproximava de Curitiba. Na primeira interferência, alguém entra na conversa entre piloto e a torre de Congonhas para dizer “leva e não traz nunca mais”, referindo-se ao petista. No segundo, outro usuário interrompe a comunicação entre o monomotor e a Torre Bacacheri, em Curitiba, com a fala “manda esse lixo janela abaixo”.

Continua depois da publicidade

Ouça:

A torre de controle acompanha, orienta e monitora o percurso dos aviões no ar e no solo, para garantir a segurança do fluxo. Além disso, as autorizações e as indicações de pousos e decolagens são feitas pelos controladores, por isso, a frequência é aberta e compartilhada com qualquer piloto que sintonizá-la. Isso permite, inclusive, que as conversas sejam captadas por rádios amadores.

Controlador de voo aposentado e ex-piloto, Ribeiro conta que essas interferências, embora ilegais, não são raras, principalmente vindas de outros pilotos que ignoram a fraseologia. Inclusive, na conversa vazada com a torre de Curitiba, alguém adverte o usuário que faz uso indevido do rádio transmissor:

— Pessoal, a frequência é gravada e pode ser usada contra a gente, então mantenham a fraseologia padrão na frequência, por gentileza — alerta.

A fraseologia é um procedimento que assegura a uniformidade dos diálogos, a transmissão concisa e clara de cada frase para diminuir o tempo de transmissão da mensagem e evitar interpretações equivocadas. Ignorá-la é considerada infração de tráfego aéreo.

Continua depois da publicidade

— A torre fala com vários pilotos ao mesmo tempo, então não tem como saber quem falou, a não ser que a pessoa se identifique. Pode ser um piloto em solo, no ar ou até alguém que entrou na frequência com um rádio transmissor qualquer — comenta Ribeiro.

O ex-controlador de voo chegou a presenciar discussões entre pilotos e até xingamentos direcionados a controladores. Ainda assim, considera mínima a possibilidade de alguém mal intencionado influenciar nas decisões tomadas nas cabines dos aviões.

— Se alguém passar alguma informação diferente do que está previsto no plano de voo, o piloto vai consultar a torre e confirmar. O próprio controlador vai estar ouvindo e poderá corrigir imediatamente a informação — esclarece o ex-controlador.

A Força Aérea Brasileira (FAB) confirmou a veracidade dos áudios e disse que as falas não foram feitas por controladores de tráfego aéreo.

Continua depois da publicidade

Leia a nota da FAB:

“A comunicação apresentada é verdadeira e ocorreu instantes antes da decolagem da aeronave PR-AAC do aeroporto de Congonhas na noite de sábado (07/04). Entretanto, podemos assegurar que a observação ao final do áudio em questão não foi feita pelo controlador de tráfego aéreo. Ressalva-se que a frequência utilizada para essas comunicações aeronáuticas é aberta, por isso quem estiver conectado pode ouvir e falar. Porém, as regras de tráfego aéreo orientam que os usuários se identifiquem, o que evidentemente não ocorreu neste caso.”