Apontado nas investigações da Operação Alcatraz como um dos líderes de uma organização criminosa que praticava delitos contra a administração pública, o deputado estadual e presidente da Alesc (Assembleia Legislativa de SC), Julio Garcia (PSD), é acusado pela polícia e pelo Ministério Público Federal (MPF) de ter recebido mais de R$ 7 milhões de forma indevida entre 2012 e 2017.
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> Prisão de Julio Garcia deve ser submetida à votação dos deputados, segundo juíza da Alcatraz
O valor consta nas justificativas dadas pela juíza Janaína Cassol para determinar a prisão preventiva de Garcia, efetuada na terça-feira (19). Nas mais de 600 páginas do despacho, a juíza traz informações da primeira e da segunda fase da Operação Alcatraz, denominada de “hemorragia” e deflagrada esta semana, para justificar os 20 mandados de prisão expedidos – entre eles o do presidente da Alesc, que também deverá ser afastado do cargo.
Conforme o documento, Julio Garcia teria recebido repasses de R$ 7,7 milhões através de empresas de tecnologia ligadas aos operadores financeiros do esquema ilícito. O dinheiro, segundo investigação, teria como origem desvios feitos dos contratos de administração do SC Saúde – o plano de saúde dos servidores públicos estaduais de Santa Catarina.
Segundo a Polícia Federal, o volume de recursos públicos pagos pelo Governo de Santa Catarina às principais empresas da área de tecnologia identificadas na investigação já teria ultrapassado a quantia de R$ 500 milhões, sendo grande parte oriunda da verba destinada à Secretaria de Saúde do Estado.
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No período da investigação, segundo a PF, estima-se que ao menos R$ 50 milhões foram repassados mediante contratos simulados a empresas pertencentes a operadores financeiros que seriam integrantes da organização criminosa.
Contas pessoais pagas por empresas
Além dos R$ 7,7 milhões desviados que a investigação aponta que Julio Garcia teria recebido, o despacho que determinou a prisão também cita contas pessoais do deputado pagas por empresas ligadas ao esquema.
Segundo a investigação, teriam sido identificadas “inúmeras despesas pessoais” relacionadas ao deputado que foram quitadas por uma das empresas envolvidas. Os valores totalizam R$ 2,7 milhões entre julho de 2013 e março de 2019. Depois dessa data, a investigação ainda cita que outras despesas informais de Garcia continuaram a ser pagas por um dos operadores financeiros da organização e sócio de uma das empresas.
O despacho da juíza ressalta que os supostos pagamentos para Julio Garcia são originários de contratos firmados na época em que ele era conselheiro e presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC), e não deputado estadual – cargo que assumiu em 2019.
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“Os atos investigados praticados em tese pelo agora Deputado Estadual Julio Garcia decorrem de condutas SEM relação com o cargo atual, já que se prolongam no tempo conforme a duração do contrato, seus aditivos ou prorrogações, os quais mesmo que ocorrendo alguns deles em 2019 tem como origem o contrato originário de 2017”, diz o despacho da juíza.
No despacho que autorizou a prisão de Garcia e dos outros citados, a força-tarefa da operação Alcatraz apresenta como provas e-mails, planilhas, anotações e documentos apreendidos junto ao deputado e outros suspeitos. Para justificar o pedido de prisão, o despacho judicial aponta que as investigações demonstraram que Garcia exerce forte liderança no meio político estadual e indícios da prática de crimes permanentes.
A juíza Janaína Cassol aponta a necessidade de afastá-lo dos cargos públicos em razão de sua influência política, o que, segundo ela, permite ao deputado a continuidade de supostos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Contraponto
A defesa do deputado Julio Garcia emitiu uma nota com esclarecimentos sobre as acusações. Confira o texto completo:
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Surpreendido pela decisão judicial de afastamento do mandato eletivo e de recolhimento domiciliar, a envolver fatos passados, que já estão sob tutela jurisdicional, em ações penais instauradas, sem fatos novos, o Deputado Júlio Garcia, por sua defesa, numa postura republicana e democrática, vem reiterar a sua confiança nos desígnios da “justiça”, que haverá de se restaurar, tão logo compreenda e admita a sua absoluta ausência de responsabilidade por qualquer ilícito que se esteja a investigar. Reafirma a sua total inocência e isenção em quaisquer dos episódios que são tratados na operação Alcatraz e seus desdobramentos, como não vê, por conta disso, como da ausência dos pressupostos legais e constitucionais, qualquer mínima possibilidade de se manter as medidas de exceção adotadas, de alijamento de mandato e de recolhimento pessoal.
Como noticiam os jornais, não há acusação nova, o que, por si, deveria afastar qualquer manifestação judicial de impacto na vida civil, política e pública do Deputado Júlio Garcia. Aliás, alvo das investigações policiais desde 2017, submetido a interceptações telefônicas, telemáticas e a toda uma devassa legalmente autorizada, não se aponta um único fato real que o coloque, ou as suas digitais, no epicentro de qualquer ato ilegal ou imoral.
Embora limitada essa manifestação pelo sigilo judicial estabelecido, que não ocorre no interesse da defesa, mas das investigações, diga-se e afirme-se, não há deixar de esclarecer ao público em geral, simpatizantes ou não do Deputado, que não há, sob o ponto de vista legal, na interpretação humilde da defesa, a presença de quaisquer dos pressupostos legais para uma prisão em flagrante ou preventiva, muito menos lugar para a quebra da imunidade parlamentar, uma garantia no equilíbrio e independência dos Poderes da República.
A “prisão em flagrante” exige que a pessoa seja flagrada cometendo crime, acabe de cometê-lo ou seja encontrado logo depois com instrumentos que façam presumir ser ele o autor. A “prisão preventiva” é instituto reservado para a garantia da ordem pública, para a conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova do crime e indícios suficientes de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. Basta essa ausência de perigo gerado pela liberdade do imputado para afastar essa punição antecipada, não fosse suficiente a ausência de indícios seguros da autoria.
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Que não se queira justificar a prisão, outrossim, com a existência de crimes de caráter permanente, porque aí a competência para o exame e eventual decreto de prisão cautelar seria do Tribunal e não do juízo de primeiro grau. Ademais, sendo ínsito ao “flagrante” a necessidade da verificação dos pressupostos para a “preventiva”, ausente a ocorrência de ilícito penal atual, que traduza “flagrante”, o que temos é a aplicação da regra geral, tratada pela Constituição Federal (art. 53) e repetida pela Constituição Estadual (art. 42), que cuida da imunidade parlamentar e desautoriza, em nome da independência dos Poderes, qualquer decreto de prisão, o que caberia ser reconhecido pelo próprio juízo, a dispensar a provocação da Assembleia Legislativa, para restaurar a legalidade perdida.
Sobre a imunidade parlamentar, é bom que se esclareça, não dizem respeito à figura do parlamentar, mas às funções por ele exercidas, com o fim de preservar o Poder Legislativo de qualquer excesso de outro Poder, como garantia de independência e da representação popular.
Portanto, sob o ponto de vista da defesa, não se justifica a prisão em flagrante ou a preventiva do Deputado Júlio Garcia, não apenas por ausência de autoria, coautoria ou participação que lhe possa ser imputada, por inocorrência de qualquer perigo que decorra de sua liberdade, ou mesmo pela ausência dos demais pressupostos da prisão cautelar, além de o decreto de prisão constituir desatenção à regra constitucional de imunidade formal (CF, art. 53), que tem por fundamento preservar o Poder Legislativo de atos que possam comprometer a sua independência, como é próprio a todas as instituiçõesrepublicanas.