Quando falamos em educação de crianças e adolescentes, é importante destacar as duas instituições de maior importância nesse processo: família e escola. De forma igualmente significativa, devemos ressaltar a importância da colaboração entre essas instituições.

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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional afirma, em seu artigo segundo, que “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Esse texto legal comprova o quanto é essencial o trabalho conjunto da escola e da família e, nesse trabalho, o papel de cada uma precisa ficar claro.

A presença da família na escola cria condições para um diálogo fundamental no sentido de alinhar aspectos dos processos educacionais a serem desenvolvidos com as crianças e os jovens. Esse alinhamento é necessário para que a escola seja a continuidade e a complementação da educação iniciada pela família.

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Escola e família: que educação cabe a cada uma?

É preciso compreender o real papel social da escola e da família enquanto instituições educadoras. Segundo a Constituição Brasileira, a família tem o dever de assegurar a dignidade da pessoa humana, ou melhor, é instrumento de estruturação e desenvolvimento da personalidade de cada um de seus integrantes. Trata-se de uma instituição de caráter particular e individual, ou seja, desenvolve valores e atitudes oriundos de crenças e culturas específicas dentro de um contexto individual ou, no máximo, em pequenos grupos.

A escola, por sua vez, é responsável pela promoção do desenvolvimento do cidadão, no sentido pleno da palavra. Cabe-lhe definir as mudanças que julgar necessárias fazer nessa sociedade, por meio das mãos do cidadão que irá formar. A escola atua dentro de um contexto coletivo, a partir de atividades grupais que facilitem a aprendizagem da vida em grupo.

Em síntese, a família educa no âmbito privado, individual e a escola educa no âmbito público, coletivo. É equivocada a ideia tão difundida hoje em dia de que cabe à escola apenas ensinar conteúdos e à família, educar para a aquisição de posturas e atitudes. Tanto escola quanto família educam. Cada uma no seu contexto específico.

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Diferenças entre a educação na escola e em casa

O foco da família é o ser individual, com suas características particulares no desenvolvimento de seus valores e atitudes. O foco da escola é o ser em processo coletivo no desenvolvimento de suas características de interação, responsabilidade e participação.

A criança e o adolescente precisam ter claras essas diferenças. Em casa, ele pode escolher o lugar onde sentar ou a hora em que fará as atividades. A escola, por ser um ensaio para a vida em sociedade, determina horários, critérios e procedimentos. 

Não podemos esquecer, porém, que a educação da família deve possibilitar a educação da escola. Espera-se, minimamente, que a criança chegue à escola em condições de ser educada. A escola possui limitações para desenvolver o seu papel de educadora e precisa contar com a família quando esbarra em situações que extrapolam suas possibilidades. Logo, se escola e família precisam de sintonia para que o “produto” comprado pela família tenha qualidade.

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Menino sentado escrevendo com mulher ao seu lado olhando e sorrindo
A escola deve deixar claro sua proposta pedagógica e os valores que a norteiam (Imagem: Yaroslav Astakhov | Shutterstock)

Relação família-escola no processo educacional

Uma escola que não se preocupa com o alinhamento de percepções com relação às famílias é séria candidata a ter que gerir conflitos frequentes. Essa relação começa no processo de escolha da escola. É nesse momento que as famílias devem avaliar a convergência entre suas expectativas e valores com as expectativas e valores da escola.

A escola, por sua vez, deve deixar o mais claro possível sua proposta pedagógica e os valores que a norteiam. É a partir daí que se torna possível a construção de uma parceria que tem a criança ou jovem como principal foco. Fortalecer essa parceria, criando e gerindo uma agenda que facilite o diálogo é responsabilidade da escola.

Interferência da família no processo de aprendizagem

A principal interferência da família no processo escolar se dá na ação de apoiar as atividades que o aluno leva para casa e, nesse sentido, o seu papel precisa ficar muito claro. O dever de casa é tarefa do aluno, sob orientações da escola, que ele faz em casa.

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Diante desse contexto, o papel dos pais é proporcionar condições para que o aluno execute a tarefa da melhor forma possível. Cabe ajudar a desenvolver uma rotina, providenciar um local tranquilo, arejado e iluminado e até mesmo supervisionar se a tarefa foi cumprida, pedindo para ver a atividade pronta ao final.

Ensinar o dever de casa não faz sentido, além de que não é tarefa dos pais. Caso a criança ou adolescente sinta dificuldade e erre ao fazê-lo, é sinal que não aprendeu como deveria e a escola precisa ficar sabendo disso para tomar uma providência.

Caso os pais ensinem ou (por incrível que pareça) façam pelo aluno, o papel do dever de casa será distorcido e, infelizmente, essa é uma das formas mais comuns de interferência dos pais no processo de aprendizagem da criança.

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Alguns pais fazem as tarefas pelos filhos porque se sentem fracassados, caso o filho erre ou leve a atividade sem fazer. Ao agirem assim, além de tirar da escola a possibilidade de avaliar se o aluno aprendeu, não desenvolvem em seus filhos a autorregulação, que é a capacidade de se autoadministrar para cumprir seus deveres e aprender com os erros.

Cenas bastante frequentes nas escolas são mães chegando esbaforidas trazendo o caderno que o filho esqueceu em casa. Verificar os livros e cadernos que devem levar todos os dias entra nesse mesmo contexto. Ao esquecer um livro, a criança precisa vivenciar as consequências para que não esqueça outras vezes.

O limite da ação da escola e da família no processo educacional

A escola hoje precisa incorporar um novo papel: o de chamar a família para o diálogo e estabelecer claramente os limites de ação de cada uma. É papel da escola o desenvolvimento de valores e atitudes que viabilizem o trabalho coletivo. A escola é o “útero da sociedade” e, como tal, não pode prescindir dessa tarefa.

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Os professores não podem esperar alunos dóceis e prontos para receber o conteúdo que consta no currículo. Educá-los com relação aos valores e atitudes que viabilizam o convívio em grupo é, sim, tarefa da escola e, por tabela, é tarefa dos professores.

É na escola que muitas crianças, pela primeira vez, se deparam com situações coletivas, como esperar a vez numa fila ou esperar sua vez para falar. Precisamos assumir, com bom senso, o compromisso que deve caracterizar o ato de educar para identificar qual é o limite da educação escolar, sob pena da escola “lavar as mãos” diante da mínima dificuldade que surgir ou de a família querer ditar as regras do processo educacional escolar. Mais uma vez, recaímos na importância da gestão de uma boa relação escola-família.

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Pai ajudando filha a fazer lição de casa
É importante que a família colabore com o processo educacional da escola (Imagem: Stock 4you | Shutterstock)

Diferenças na rede pública e na particular de ensino

Na essência, a relação na rede pública e na particular é a mesma. A família precisa colaborar com o processo educacional da escola e a escola precisa convocar a família para levá-la crescentemente a compreender o seu papel enquanto instituição educadora e abrir espaço para o exercício cada vez mais conjunto de uma educação alinhada.

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O que acontece e que faz parecer que essa relação é diferente é a ideia de que, na escola particular, existe um contrato de prestação de serviço que autoriza a família a acompanhar e “intervir” no processo educacional proposto pela escola; e, na escola pública, pela suposta ausência desse contrato, essa participação deve ser “autorizada” e formatada pela escola. A questão é que existe uma relação de “pagamento” na escola pública que não é explícita e que, para a maioria das pessoas, nem mesmo é percebida.

A escola pública aumentou essa falsa sensação quando assumiu uma postura assistencialista com o fornecimento de uniformes, material e livros didáticos, alimentação e transporte escolar. Não estamos, de forma alguma, deixando de reconhecer a importância de tal postura numa sociedade desigual e injusta.

Estamos, apenas, ressaltando que a população em geral não vê a escola pública de qualidade como um direito a ser exigido e que o processo assistencialista (mais uma vez, aqui, reconhecendo sua importância) aumenta e alimenta a sensação de gratidão por tantas “benesses” por parte da população. Isso, somado à falta de condições intelectuais de grande parte dos indivíduos, faz com que a relação escola-família na escola pública seja politicamente manipulada.

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O papel da escola diante de famílias sem recursos educativos

Já sabemos que a família não vem cumprindo bem o seu papel. Esse discurso já é antigo e batido. Com relação a essa questão, podemos fazer algumas reflexões importantes. Se a escola cruzar os braços diante da inabilidade da família em cumprir o seu papel, podemos fechar todas as escolas e pensar num novo modelo de educação socializadora.

Penso que a escola precisa se reinventar nesse sentido. Oferecer espaços de discussão e formação da família é um dos caminhos que tenho visto dar bons resultados. Toda escola precisa ter um ou mais profissionais voltados para a gestão da relação escola-família.

Nessa perspectiva, o orientador educacional, figura rara, hoje, em equipes escolares, faz muita falta. No caso específico de famílias disfuncionais, cabe à escola o encaminhamento ao Conselho Tutelar no sentido de garantir o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Como a escola pode intervir diante das diferentes visões de rigidez e liberdade na educação familiar?

A integração família-escola se faz essencial para o processo educacional porque não há unanimidade entre as pessoas (nem mesmo na grande maioria) com relação ao que é uma educação de qualidade. Algumas famílias podem achar que rigidez é ingrediente essencial numa educação de qualidade, enquanto outras elegem a liberdade de escolha como tal. Surge, nesse momento, a necessidade de a escola esclarecer detalhadamente às famílias sobre esse conceito. Eis a grande especificidade do “produto” educação.

Quem compra muitas vezes não sabe o que significa um produto de qualidade, ao contrário do que acontece com uma geladeira ou com uma peça de picanha. Além disso, muitas vezes o “cliente” precisa ser desagradado para que o processo tenha qualidade (repreensões, castigos, notas baixas etc.). Coloque tudo isso numa balança e pense sobre a real importância de uma boa parceria escola-família.

Por Júlio Furtado

Pedagogo, mestre em Educação, doutor em Ciências da Educação, Consultor educacional e Orientador Educacional do Colégio Professor Anselmo (RJ).

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