Existe uma experiência a ser compartilhada quando o assunto é o convívio com pessoas com Alzheimer. Aquela vivenciada pelo jovem Fernando Aguzzoli, 22 anos, que abriu mão da vida que levava para cuidar da matriarca da família. Com vovó Nilva, e sem perder o humor, o rapaz deixou de ser o neto para se transformar em um “pai” (como ela o reconhecia) dedicado.

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– Passei a dar banho nela, a cantar para a vó dormir e a levá-la ao banheiro. Às vezes, durante a noite, tinha que acalmá-la e explicar que não havia nenhum monstro embaixo do travesseiro – conta o estudante de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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Alzheimer

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Alzheimer

Dona Nilva teve o diagnóstico da doença aos 73 anos. Os oito meses em que cuidou da avó foram compartilhados com milhares de seguidores no Facebook – Vovó Nilva -, fazendo multiplicar a experiência. Foi o período mais duro, o encaminhamento para a morte. A história também está contada no livro Quem, Eu?, da Editora Belas-Letras, e nas Livrarias Catarinense.

– Cuidar de um parente que tem Alzheimer é muito difícil, mas decidi que não queria me tornar um jovem amargurado com a vida, nem deixar toda a família adoecer junto com a vó. Tentamos sempre, eu e ela, encarar as situações com alegria e carinho – diz.

No espaço digital, diálogos dele e da avó narraram as aventuras de viver no universo de uma doença incurável – sem (quase) nunca perder o bom humor. Milhares de seguidores no Brasil e em outros países o acompanharam, solidarizando-se e compartilhando a experiência de como lidar com o Alzheimer. Fernando e sua família se mostraram cientes da realidade, mas sem sucumbir à tristeza.

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Entrevista

Fernando Aguzzoli

Diário Catarinense – Muita gente considera que Vó Nilva teve a sorte de ter um “neto de ouro”, “um menino iluminado”, mas que essa não é a realidade da maioria das pessoas com Alzheimer, tantas vezes isolada do convívio familiar.

Fernando Aguzzoli – Acho que metade da população não reconhece o idoso e tem vergonha de envelhecer. A outra metade coloca o idoso em uma patamar acima de qualquer ser existente, endeusando o idoso como forma divina dentro da família. Esse exagero de formalização acaba distanciando as gerações ainda mais.

DC – Você acredita que dá para desconstruir esse pensamento?

Aguzzoli – Um neto e uma avó tem interesses diferentes, histórias diferentes e passaram por coisas diferentes. É importante que haja um estreitamento nessa relação formal para que, além da relação entre avó e neto, surja uma grande amizade como minha avó e eu tivemos, gerando no futuro decisões como a minha, de largar tudo para retribuir o amor de uma avó coruja.

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A geração do meio (minha mãe) também é muito importante nesse trabalho de desconstrução do “idoso” como conceito, sempre lembrando que isso não implica a quebra do respeito como forma de tratamento!

DC – Você acha que o seu exemplo pode ajudar as pessoas a pensar o quanto o convívio familiar pode ajudar o paciente?

Aguzzoli – É o que eu espero! O trabalho é justamente com este foco: mostrar que enquanto existe vida há sensibilidade, medo, anseios e prazeres, há sentimento! O médico Patch Adams já dizia, o humor é um belíssimo remédio para alma. Acho que juntando bom humor, humanidade e sensibilidade podemos cuidar de qualquer pessoa aumentando ainda mais a qualidade de vida dessa pessoa, no meu caso minha avó. A gargalhada e o bom humor impedem que a depressão se instale, dificultando a progressividade de muitas doenças, bem como a possibilidade de outras surgirem.

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DC – Na página 45 do livro Quem, Eu? tem um diálogo cheio de humor, quando Vó Nilva questiona sobre o fato de você estar lembrando a ela coisas que ela esqueceu (morte dos irmãos delas). Aliás, essa veia humorística está impressa. Mas como ter humor diante de um quadro tão difícil, no qual a perda da memória parece apagar os laços afetivos da família?

Aguzzoli – Esquecer uma perda é algo tão difícil em nossas vidas. Acho que não podemos negar que uma doença que pode nos proporcionar a superação automática dessas perdas – pois não as “computamos” – pode ter sim um lado mais positivo. Se eu não posso investir em um processo curativo (pois no Alzheimer não existe), tenho que valorizar o estilo de vida que vivemos.

Não posso dar brecha pra depressão ou outras condições negativas, e que outro remédio pra isso se não a risada?! É difícil sim rir de uma situação onde há uma carga tão negativa, mas é necessário e temos que aprender a fazer uma limonada dessa situação, será bom pra todos!

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DC – Você escreve que, ao decidir fazer determinados programas com Vó Nilva (o passeio nas Cataratas do Iguaçu, por exemplo), havia quem dissesse que era perda de tempo, pois ela não iria lembrar no dia seguinte. Pensando assim: qual a lógica de fazer alguma coisa com um paciente com Alzheimer se ele não vai lembrar?

Aguzzoli – Bom, eu não penso assim, por isso não tenho como desenvolver esse pensamento. Meu foco é o prazer do momento, meu combustível era proporcionar muitas gargalhadas por dia, me empurrando para as dificuldades do dia seguinte, quando daríamos um jeito de rir de tudo e dormir cansados de tanto que nos divertíamos. Ela não ia ficar jogada em um canto, “já que esqueceria”, tenho pavor desse pensamento! São seres humanos com muita sensibilidade, é gratificante proporcionar essas atividades prazerosas e ver o quanto eles se divertem, assim como quando levamos a vó pra realizar um dos grande sonhos de sua vida: Iguaçu!

DC – A pessoa com Alzheimer, com o tempo, perde a capacidade de se alimentar sozinha, andar, fica totalmente dependente do outro. Isso mexe com os que a rodeiam e a tinham como uma pessoa autônoma. Mas parece ser a perda da memória que mais castiga. Seria por que nessa diluição das lembranças a pessoa se sente também apagada da vida e dos laços com a pessoa doente?

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Aguzzoli – Com certeza! Com a progressividade da doença vem também a aceitação da doença. O esquecimento é o primeiro contato que temos com um futuro que não vamos mudar. Negamos, nos revoltamos e questionamos tudo! Depois passamos a perceber que com isso não mudaremos nada e nos irritamos em permanecer no mesmo lugar. É muito importante que o familiar se informe e saiba o que é o Alzheimer e como ele vai progredir, estando preparado pra todos os estágios. Um auxílio psicológico pra família é muito importante, ajuda muito!