Vidas foram interrompidas e recursos econômicos desperdiçados ao longo dos anos com a falta de planejamento e investimento nas nove rodovias federais que cortam Santa Catarina.

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O descaso do governo federal freia importantes obras de duplicação enquanto pelo menos 1,6 mil pessoas perderam a vida nestas estradas nos últimos três anos. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal pelo menos 150 mil veículos circulam diariamente nas BRs-470, 101, 282 e 280 – consideradas as mais importantes do Estado.

Obras inacabadas avançam a passos lentos ao mesmo tempo em que os prejuízos crescem em ritmo acelerado. Um estudo da Universidade Regional de Blumenau (Furb) aponta que só o atraso das obras de duplicação da BR-470 – uma das mais emergentes para Santa Catarina – deixou de gerar um PIB de R$ 5 bilhões para a região nos últimos cinco anos. A execução dos trabalhos se arrasta há pelo menos 20 anos.

A Polícia Rodoviária Federal soma 538 pessoas mortas em 18.111 acidentes em 2014 nas nove rodovias federais de SC. A BR-101 – a mais importante do Estado – pela primeira vez na história não foi a recordista em mortes. A BR-282, que corta SC de oeste a leste, ocupou a posição da mais perigosa. Em 2014, quando a BR-101 estava prestes a completar a duplicação, 145 pessoas morreram em acidentes na rodovia. A BR-282, a mais extensa do Estado, registrou 147 mortes no mesmo período.

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Evidência da importância da duplicação está na diferença do número de óbitos na BR-101: em 2013 foram registradas 176 mortes. No período, a rodovia estava com mais trechos não duplicados e ocupava a posição histórica de maior número acidentes com vítimas fatais.

– A duplicação quase completa da BR-101 diminuiu a gravidade dos acidentes, ao contrário do que aconteceu com a BR-282. Na sequência das rodovias mais perigosas, temos a BR-470 que tem quase a metade da extensão da BR-282 mas, devido à grande urbanização no entorno e por sua importância econômica, tem uma necessidade urgente de duplicação – defende Luiz Graziano, inspetor da Polícia Rodoviária Federal em SC.

BR-470 é a mais urgente

A rodovia que liga o médio e alto Vale do Itajaí ao litoral catarinense é citada pela maioria dos empresários como a mais emergencial. Na avaliação do inspetor da PRF, Luiz Graziano, ela é de fundamental importância para o Estado e um dos gargalos mais difíceis de ser resolvido.

A falta de planejamento prejudica o andamento das obras. O presidente da Federação das Empresas de Transporte de Carga e Logística de Santa Catarina (Fetrancesc), Pedro Lopes, observa que a duplicação da BR-470 é um projeto da década 1970 e que envolve entraves como as desapropriações, que são morosas na Justiça. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT/SC) no total são necessários 1.442 processos de desapropriação na área.

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– Temos obras da BR-470 e da BR-280 que deveriam estar na metade da sua execução e não temos nem 20% do total concluídos. E a BR-470 é a rodovia do futuro sob o aspecto econômico. Se as futuras ferrovias Leste-Oeste e a que vai passar por SC para o porto de Rio Grande (RS) tiverem a duplicação da BR-470 prontas, com circulação mais eficiente, a intermodalidade e a logística serão muito facilitadas – destaca Lopes.

Para o vice-presidente da Fiesc e presidente da Câmara de Transporte e Logística da Federação, Mario Cezar Aguiar, a solução para a duplicação da BR-470 é a concessão. Aguiar lembra que a rodovia é fundamental para o desenvolvimento econômico de SC, que escoa boa parte da produção industrial do Estado e serve de acesso a boa parte da população ao litoral catarinense.

De acordo com o secretário executivo da Câmara Transporte Logística da Fiesc, Egídio Antônio Martorano, 76% da produção catarinense do Estado é escoada via rodoviária. Ele observa ainda que custo logístico para indústria catarinenses é de R$ 0,14 para cada R$ 1 enquanto que em países como EUA o custo do transporte é de R$ 0,9 para cada real faturado.

– A BR-470 é um problema sério, uma rodovia que demanda investimentos urgentíssimos. Estivemos lá com o Ministérios dos Transportes e segundo palavras do ministro não tem recursos para atender estas obras. Mesmo com essa obra em duplicação, deve partir para concessão já que não se tem expectativas para atender o cronograma de conclusão.

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Por que este tema é importante?

As nove rodovias federais de Santa Catarina carecem de manutenção, planejamento e execução de obras. Entre 2012 e 2014, a BR-282, que corta o Estado com trechos sinuosos, teve 383 pessoas mortas no local do acidente. Enquanto a BR-101, a mais importante do Estado, registrou 514 mortes. No período, as nove estradas registraram 55.571 acidentes deixando 7.020 feridos graves. Além das perdas, um prejuízo para o sistema de saúde. Pelo menos 1.603 pessoas perderam a vida nas rodovias federais de SC nestes anos.

A BR-101 é uma rodovia importante por ser um corredor de integração entre o centro país com o Estado, o Rio Grande do Sul e os países do Mercosul. E é a principal via para a economia catarinense e de outros Estados para o escoamento da produção pelos cinco portos instalados ao longo do seu traçado.

A BR-282, que depende de importantes reparos e da duplicação, traz do Oeste para a Capital e aos portos a produção do Oeste e do Meio-oeste e Serra. A BR-280, apesar de ser um traçado menor dentro de um polo econômico, envolve o Planalto e o Norte catarinense para chegar ao Porto de São Francisco tem gargalos, principalmente entre Jaraguá do Sul e o Porto de São Francisco. Na região há uma promessa de duplicação, mas esbarra em questões indígenas que atrasa a continuidade da obra e trava a qualidade do transporte e da Logística para o porto de São Francisco do Sul.

A BR-470 é considerada vital para o Estado. Atualmente são explícitas as situações de urgência para o trecho do início da rodovia em Navegantes até Rio do Sul.

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ENTREVISTA

Vice-presidente da Fiesc e presidente da Câmara de Transporte e Logística da Federação.

“Temos que achar mecanismo para termos uma indústria competitiva e uma sociedade que trafegue com segurança”, avalia Mario Aguiar

Como a Fiesc avalia as questões de infraestrutura das rodovias federais de SC?

Mario Cezar de Aguiar – Analisamos todo esse problema sobre três matrizes: planejamento, investimento e política e gestão. Na nossa visão falta um planejamento sistêmico em Santa Catarina de todos os modais de transportes para priorizar os investimentos necessários.

Como a Fiesc avalia a situação de cada uma das quatro importantes rodovias do Estado?

Aguiar – A BR-101 norte está concessionada até o ano 2032, mas em vários trechos está com a sua capacidade superada. Existe uma classificação americana que classifica a rodovia de A a S em termos de produtividade. Em vários trechos a parte concessionada está em S, ou seja, a pior possível. Se em 2015 já estamos em uma situação ruim, imagina em 2032. A BR-101 precisa ser triplicada, com uma rodovia paralela. O crescimento da população e o interesse turístico da região crescem exponencialmente e nós não temos nada planejado. As travessias de Balneário Camboriú, Joinville e Itajaí, não têm previsão de contorno como há em Florianópolis mas que também está a passo de tartaruga. Não existe nenhum estudo alternativo que venha atender esta demanda crescente no tráfego da rodovia. Com relação a BR 101 sul vários trechos que necessitam manutenção e não estão sendo feitos. As BRs 282, 280, 470,163 e 153 precisam de manutenção preventiva e de planejamento para verificar as obras necessárias para melhorar a trafegabilidade e a segurança do usuário.

A BR-280 liga o porto de São Francisco do Sul ao setor industrial importante da região norte catarinense também está demandando uma duplicação que está em processo, mas também a passos lentos e não se sabe quando que sai.

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A BR-470 é um problema sério, uma rodovia que demanda investimentos urgentíssimos. Estivemos lá com o Ministérios dos Transportes e segundo palavras do ministro não tem recursos para atender estas obras. Mesmo com essa obra em duplicação, deve partir para concessão já que não se tem expectativas para atender o cronograma de conclusão.

BR-282 é uma precariedade. Uma rodovia sem sinalização, com a qualidade da pavimentação deteriorada, e um traçado sinuoso o que a torna muito insegura e não atende ao crescente desenvolvimento econômico da região. Precisa ser duplicada, retificada, demanda um trabalho bastante importante nesta região.

Em relação aos investimentos previstos sabemos que vários cortes tem ocorrido, assim como a duplicação das rodovias não foram previstas no planejamento plurianual dos próximos anos. Está questão pode ser contornada?

Aguiar – Santa Catarina tem recebido em média 30% do que estava previsto no orçamento geral da União e também nos recursos do PAC. Os últimos anos ainda recebemos um pouco mais mas a grande maioria foram aplicados na duplicação da BR-101 Sul. Não estamos vendo perspectivas de melhoria no curto e médio prazo. Possivelmente a solução seria a concessão de algumas rodovias que deveriam ser previstas no planejamento sistêmico. É preferível pagar pedágio do que ficar sujeito a acidentes em rodovias e levar várias horas para chegar ao destino. Tem que fazer um planejamento para priorizar os investimentos.

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O que mais falta para que as obras em andamento fiquem prontas dentro do prazo contratual?

Aguiar – É o que falamos no início: Política e gestão. É preciso responsabilizar as pessoas que fazem os projetos, as empresas que executam as obras e quem fiscaliza estas obras. Várias obras executadas apresentam deficiência por falta de qualidade e por falta de fiscalização adequada.

Na sua avaliação qual das rodovias encontra-se no estado mais crítico em relação a urgência na conclusão das obras?

Aguiar – Todas, mas a BR-470 está um caos, um atraso para Santa Catarina sendo que a duplicação ocorre a passos lentos. Era para estar concluída, enquanto isso a sociedade está pagando o preço. Esta BR é fundamental para o desenvolvimento econômico de SC. Por ali escoa boa parte da produção industrial de SC e parte da população tem acesso ao litoral catarinense. A rodovia liga cidades importantes do baixo, médio e alto Vale do Itajaí. Uma rodovia fundamental para o desenvolvimento sócioeconômico de SC.

Como a Fiesc avalia a situação da BR-282, onde seria concessionada apenas parte dela, além do fato de ter ainda obras a fazer, isso não iria tornar o pedágio caro?

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Aguiar – A BR 282 está prevista para ser concessionada apenas parte dela, o que não resolve o problema, mas minimiza. Custa mais caro para o setor produtivo e para a população trafegar por uma rodovia insegura do que pagar um preço justo para trafegar numa rodovia sinalizada e com segurança. Os ganhos são na questão econômica, social e também ambiental. O que precisamos fazer é um planejamento e em cima deste estudo priorizar os investimentos. Sabemos a situação que o governo se encontra e temos que ser bem pragmáticos. Se não tem recursos temos que buscar outra solução. A concessão não é a melhor solução, mas é a possível. Nos temos que achar algum mecanismo que para que temos que ter condições de ter uma indústria competitiva, uma sociedade que possa trafegar com segurança em nossas rodovias. Se ficarmos aguardando por investimentos do Governo Federal vamos ter que aguardar muito tempo e até lá o Estado vai perder competividade e muitas pessoas vão perder a vida nestas rodovias.

O que Santa Catarina perde com a falta de investimento nas rodovias?

Aguiar – Perde qualidade de vida, dinheiro porque gera um custo que onera a produção e inibe outras empresas de se instalarem no Estado. A perda é grande e difícil de mensurar. Só o número de acidentes que ocorre, causam prejuízos para as pessoas e para os cofres públicos em termos de tratamentos aos acidentados. A infraestrutura é um dos fatores determinantes para uma empresa decidir onde se instalar. SC tem uma topografia que não favorece também, mas isso não é motivo para não se fazer investimentos e não atender uma necessidade tão importante para o Estado.