Sabe a pista na qual Usain Bolt vai decolar nos 100m e 200m rasos e no revezamento 4×100? Pisei nela. Caminhei com meu flamante tênis de corrida amarelo da largada até a chegada na reta que vai de um lado ao outro diante das cabinas do Engenhão – ou o Estádio Olímpico Nilton Santos. Não satisfeito, me esbaldei no quintal do homem mais rápido do mundo. Tirei os tênis e caminhei de meias. O piso é macio, mas cheio de ranhuras. Essa pista será o centro da atenção do mundo a partir de sábado, quando começam as preliminares dos 100m masculino. A grande final será domingo, às 22h25min.

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Não foi privilégio meu pisar no templo de Bolt. É bom que se diga. O estádio passava por todo o tipo de ajustes para receber a partir desta sexta-feira, às 9h30min, as provas de atletismo. Esse primeiro dia está reservado para qualificatórias e classificatórias de cardápio variado: lançamento de disco, heptatlo, 400m e 800m rasos masculino, 100m rasos e 1.500m feminino. Medalha mesmo só para arremesso de peso e 10.000m delas e marcha atlética de 20km deles.

O começo do atletismo marca nesta Olimpiada espécie de troca da guarda. Os holofotes saem da piscina e do papa-medalhas Michael Phelps e se voltam para o Engenhão e Bolt. Sem contar de que se trata da mais nobre modalidade dos Jogos Olímpicos, onde homens e mulheres testam os limites do físico e da física. Ou você acha normal alguém saltar 2m45cm (dois centímetros a mais do que uma trave de futebol), como fez Javier Sotomayor em 1993? Ou ainda correr os 100m em inverossímeis 9s58, como conseguiu Bolt em 2009?

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Para preparar a festa, árbitros e equipes de cronometragem e TV fizeram do gramado do Engenhão uma linha de montagem. Técnicos da Omega testavam sensores e cronômetros na pista atlética. No local onde costuma estar uma goleira, árbitros mediam e faziam a marcação precisa com fita métrica para o arremesso de peso e lançamento de disco. No lado oposto, um grupo de voluntários carregavam na cabeça os colchões que acolherão os saltadores com vara e em altura.

— O Correios entrega, mas não monta – brincou um deles.

Na lateral oposta à pista ade atletismo, árbitros da CBAt instalavam as placas do salto triplo e em distância. Um trabalho de precisão obsessiva. A placa é o último ponto em que o atleta pode pisar antes de decolar. Com uma chave sextavada na mão, a gaúcha de Novo Hamburgo Luciana Monteiro buscava a perfeição. Apertava, desapertava e colocava um nível para conferir a exatidão do ajuste:

— Um milímetro a mais pode atrapalhar o salto – explicou ela depois de apertar um parafuso e fazer o convite:

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— Testa, pode pisar forte?

Pisei, mas pelo jeito não tão forte assim:

— Na hora, os atletas vão pisar bem mais firme – sorriu Luciana.

A 24 horas da abertura, o Engenhão ainda recebia o envelopamento para os Jogos. No corredor de saída e entrada dos vestiários, marceneiros montavam uma espécie de túnel com arcos decorados pelo motivo dos Jogos. Aos cronômetros e placares de última geração, juntavam suas serras e martelos.

Nem mesmo a bagunça no estádio tirou o brilho do olhar do ex-velocista canadense Donovan Bailey. Ouro em Atlanta nos 100m com 9s84, Donovan ficou admirado com o Engenhão.

— O estádio está lindo, fantástico – disse antes de ser arrastado por um produtor da CBC, canal canadense para o qual comentará as provas.

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Alheios à movimentação do entorno, o técnico jamaicano Lennox Graham e as corredoras Shelly-Ann Frasier-Pryce e Kendra Clark faziam selfies na pista. Shelly-Ann correrá nesta sexta os 100m rasos e o 4x100m na quinta-feira com a equipe jamaicana. Kendra, os 400m pelo Canadá. Aos 19 anos, ela curte sua primeira Olimpíada. Pisar na pista a emocionou:

— Eu chorei aqui no estádio – sorriu Kendra.

A conversa com Lennox e Shelly só estancou quando perguntei sobre Bolt. Os dois dimiuíram o sorriso e foram virando de costas. Os jamaicanos não alongam a conversa sobre a estrela da companhia. Bolt chegou ao Rio no dia 27 de julho. São mais de duas semanas quase nas sombras. Nem mesmo na Vila Olímpica é visto com frequência. Quando trocou o hotel próximo do Galeão pelo endereço dos atletas, sua chegada provocou alvoroço.

O velocista faz de tudo para evitar o assédio. Seu Instagram tinha apenas cinco fotos no Rio até a última quinta-feira – uma delas em ação social na Vila da Penha e outra com soldados da Força Nacional. Antes dos Jogos, Bolt tem feito como os técnicos do Inter: só treinos fechados. Entra e sai do Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan), na Avenida Brasil, no ônibus da delegação. Sem contato com os fãs. O astro jamaicano está guardando toda sua energia para brilhar na pista. Ali é o seu quintal. Até esta quinta-feira, qualquer um poderia pisar nele. Até eu.

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