Está nas livrarias brasileiras Pureza, novo romance de Jonathan Franzen, publicado originalmente nos Estados Unidos em setembro do ano passado. Uma tradução assim rápida para os padrões do mercado editorial tem uma explicação simples: Franzen está na condição incomum de ter vendido alguns milhões de livros, ganhado prêmios importantes (como um National Book Award, por As Correções), receber muita atenção da mídia mundial e ser exaltado por inúmeros críticos.

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Para este jornalista aqui, em todo caso, o maior elogio a Franzen foi uma história pessoal do impacto de As Correções: uma amiga de Balneário Camboriú que leu o livro gostou muito e convenceu uma amiga a lê-lo. Essa, por sua vez, se apegou tanto à narrativa que começou a discuti-la com o psicólogo.

Claro que Franzen também apanha. Muita gente repete a arenga de que se trata um homem branco de classe média que legitima o mainstream etc. No site da Amazon, onde os romances do autor acumulam mais de 3,5 mil resenhas e comentários dos leitores, uma decepção comum é a de quem comprou um livro de Franzen pela fama e então se viu com algo mais complicado que um best-seller convencional em mãos.

Para os que tentam desclassificar Franzen como arauto da classe média (esse tipo de crítica que parece baseado em renda por domicílio dos protagonistas, e que neste caso específico ignora a preocupação social de Franzen em todos seus romances), Pureza veio complicar um pouco mais as coisas. Uma das protagonistas, Pip Tyler, é assolada pela dívida contraída para fazer faculdade, é atendente em um café, vive na penúria e mora com anarquistas. Outro protagonista, o alemão Andreas Wolf lidera um projeto ao estilo WikiLeaks. Também se destacam na história dois jornalistas investigativos engajados.

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A vida contemporânea aparece de diversas formas – na ambição das plataformas da internet de “definir cada termo da nossa existência”, no conflito entre nossa persona privada e online, na oposição entre organizações hackers e jornalismo investigativo tradicional, nas discussões feministas. Mas os dias atuais também desaparecem por muitas páginas, especialmente para narrar a juventude de alguns personagens na Alemanha Oriental pré e pós-queda do Muro de Berlim. A tudo isso ainda se somam um homicídio e a saga de Pip para descobrir quem é seu pai.

Como nos outros romances de Franzen, cada capítulo ressalta um personagem e acontecimentos dispersos vão sendo entrelaçados com habilidade. Mesmo assim, são tantas reviravoltas que é difícil escapar da impressão de o romance “nunca ter uma identidade muito clara”, como escreveu um crítico em uma revista de Harvard.

Seja como for, ler Franzen continua compensando de sobra, no mínimo pela atualidade dos seus temas e sua capacidade descritiva. Isso para um sem-fim de leitores, e não só para este suspeito jornalista, que estudou o autor na sua dissertação de mestrado.

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Pureza, de Jonathan Franzen: Companhia das Letras, 616 páginas, R$ 69,90

(Foto: Companhia das Letras, divulgação)

Trecho*

Tudo que nós sempre discutimos foi sobre nada. Como se multiplicando zero de conteúdo por conversa infinita pudéssemos fazer com que parasse de dar zero. Para transar de novo teríamos que nos separar, e para um sexo frenético e compulsivo teríamos que nos divorciar. Era uma maneira de se revoltar com o nada gigante que discutir tinha feito para nos salvar. Sexo era a única discussão que cada um podia perder com honra. Mas, quando acabava, lá estava o nada de novo.

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* Tradução de Purity feita pelo jornalista