Cólicas que impedem mulheres de trabalhar durante o período menstrual, dores pélvicas que levam pacientes ao hospital e incômodos que prejudicam a vida social e os relacionamentos. Nenhuma dessas realidades é considerada normal perante o mundo médico, apesar de ainda ser naturalizada na sociedade quando é relatada por pessoas do gênero feminino. Essas são dificuldades de quem vive com endometriose, doença que afeta uma em cada 10 mulheres, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Neste domingo (7), as autoridades de saúde chamam a atenção para o Dia Internacional de Luta contra a Endometriose, já que ainda há uma necessidade de conscientização sobre o diagnóstico.

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Durante anos, as dores enfrentadas por Bruna Raimundo de Sousa, de 32 anos, eram acompanhadas de descrença das equipes de saúde. A assistente contábil relata que teve fortes cólicas desde a primeira menstruação e que o ciclo desregulado e intenso, com sangramento em dois períodos ao mês, também foi avaliado como “normal” quando ela consultou uma ginecologista pela primeira vez aos 13 anos. Dois anos depois, começou a bloquear a menstruação com o uso da pílula anticoncepcional, mas isso também não foi suficiente.

— Quando tinha sangramento sentia muita dor, não conseguia ir para escola, trabalhar e até fui parar no pronto-socorro. Os médicos sempre diziam que isso era normal, que cólica era assim mesmo… Faziam exames normais, e não específicos, e o resultado era normal, tudo perfeito. Mas as coisas mais fáceis da vida eram difíceis quando você está desesperada para melhorar — relata Bruna.

Em 2021, quando contraiu a Covid-19, foi orientada a parar com o anticoncepcional por conta de possíveis efeitos colaterais, como trombose. Em menos de dois meses, ela conta que a vida “virou de cabeça para baixo”.

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— Comecei a passar muito mal, fui parar no hospital, tive que fazer uma tomografia de urgência que identificou algo no ovário. Fui encaminhada para o posto de saúde, se dependesse deles eu estava esperando até hoje porque ainda não saiu a minha consulta com especialista pelo SUS, e comecei a tirar dinheiro de onde eu não tinha para pagar por médicos e exames particulares.

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Depois de uma ressonância magnética, Bruna foi diagnosticada com endometriose, uma doença caracterizada pela presença do endométrio, tecido que recobre a parte interna do útero, em outros órgãos. A doença acomete uma a cada 10 mulheres do mundo, conforme a OMS, e pode ser desencadeada pela aparição do tecido nas trompas uterinas, no ovário, nos ligamentos, no intestino próximo ao útero e na bexiga.

Sintomas e consequências da endometriose

Segundo o médico Róger Berçot, cirurgião com mais de 10 anos de experiência em doenças ginecológicas, dores durante as relações sexuais e cólicas incapacitantes que impedem a rotina da mulher não são normais, apesar de muitas se acostumarem com essa realidade.

Ele ainda indica que quando há sinais de infecção urinária, mas não há agente causal como uma bactéria, a endometriose pode ser uma suspeita. Além disso, alterações no hábito intestinal durante o período menstrual e dificuldade de engravidar também são sinais da doença.

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— Como elas experenciam isso há muitos anos, se tornou normal, mas não é. Sem dúvida é uma alteração ou um sintoma muito exacerbado. A paciente tem que levar isso em consideração. Se o médico disse que isso é normal, vá em um especialista para ter certeza — afirma Berçot.

O cirurgião reforça que viver com endometriose e os sintomas causados por ela traz muitas consequências negativas para a pessoa. Ele ainda cita situações vividas por pacientes que demoraram até 15 anos para buscar o diagnóstico das dores sentidas.

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— As consequências são diversas, desde reclusão social, até perda de emprego, dificuldade de manter um relacionamento. As pessoas que não vivem essa doença não conseguem imaginar o tamanho do problema que essas mulheres precisam enfrentar — enfatiza o médico.

A situação é mais complexa ainda para as mulheres que querem gestar, e não conseguem. O especialista afirma que cerca de 30 a 40% das mulheres com endometriose possuem infertilidade. Porém, outras pacientes podem conseguir engravidar dependendo do tratamento.

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Tratamentos e expectativa para qualidade de vida

Nos últimos dois anos, Bruna viveu dores intensas e conta que até perdeu as contas das vezes que foi para o hospital por conta da doença. Ela conta que já estava até se acostumando com a montanha-russa do próprio corpo, mas decidiu passar por um tratamento cirúrgico em março.

— Apesar de ter sido uma cirurgia bem complexa pois estava com endometriose profunda, a qualidade de vida já é outra. E eu me sinto outra pessoa! Queria de todo o meu coração que as pessoas que sofrem com isso tivessem recursos para pode ver que existe vida além da doença — relata a assistente contábil.

Segundo Berçot, a cirurgia por vídeo, chamada de laparoscopia, é uma solução para alguns casos de mulheres que tem intenção de gestar. Já pacientes que não pretendem engravidar no momento, é possível fazer uso de medicação mais forte.

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Em outro estágio do tratamento, Bruna afirma que acha necessário falar sobre o que passou para conscientizar outras mulheres. Durante o processo difícil, ela contou com apoio do marido e da família, mas teve dificuldade de conversar com as amigas por conta do tabu e a cobrança com relação a gravidez.

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— Existe uma cobrança muito grande sobre a gravidez. Mas não é só sobre ter filho ou não, é se preocupar com o bem-estar da pessoa. Foi uma jornada bem difícil, ainda tive que fazer acompanhamento com fisioterapeuta pélvico porque sentia dor durante a relação. Tive que pagar tudo, os remédios caros, o tratamento deveria ter uma atenção maior pelo SUS. Eu me apertei, me endividei e consegui pagar, mas e quem não consegue? — reflete Bruna.

A orientação que ela e o médico cirurgião deixam para as mulheres com histórias semelhantes às relatas para a reportagem é que busquem atendimento especializado e façam os exames específicos, pois ser impedida de viver por dores não é uma condição natural.

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