Fuxico aqui, fuxico ali. Não, não é fofoca, garantem as simpáticas senhoras que participaram do 1º Encontro de Fuxiqueiras de Florianópolis no Mercado Público. O verbo tão associado ao mexerico e à bisbilhotice é, na verdade, o nome da tradicional arte de fazer flores com tecidos franzidos e confeccionar colchas, toalhas de mesa, tapetes e enfeites.
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Parte da programação do mês da Consciência Negra na Capital catarinense, o encontro levou ao Centro da Capital dezenas de fuxiqueiras ávidas para mostrar seus trabalhos e difundir um pouco mais da cultura afro em Santa Catarina, como explica a superintendente da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes, Roseli Pereira.
— Florianópolis é uma cidade cosmopolita, mas temos que trabalhar nossa identidade local. Principalmente ali no Maciço do Morro da Cruz, temos muitas mulheres fuxiqueiras. Trouxemos elas para trabalhar essa questão da política afirmativa, no sentido da autonomia financeira delas, do protagonismo e do empreendedorismo, além do foco no simbolismo desse artesanato que é tão importante para a referência cultural negra.
A arte do fuxico teve sua origem nas senzalas. As escravas negras utilizavam sobras de pano das sinhás para costurar o fuxico e aproveitavam esse momento para fazer fofocas, por isso o nome. Ao passar do tempo, as pequenas trouxinhas de pano costurado foram ganhando espaço e viraram moda, colorindo tolhas de mesa, almofadas, bolsas, e o que a imaginação permitir.
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— Nas escolas, essa história não é contada. Por isso é importante esse tipo de encontro, porque quando a gente está trabalhando, não é propriamente fuxicada, fofoca. Nas conversas, entram a matemática, a história, a arte, a religiosidade… Quando se faz fuxico, além de acalmar, a gente ainda adquire conhecimento — conta Valdemira Silva dos Anjos, de 82 anos, presidente da Companhia do Fuxico de Florianópolis.
Quem passou pelo Mercado Público se encantou com o que viu. As cores vivas do fuxico em contraste com o amarelo das paredes e a pele negra das artistas deram outros ares ao Largo da Alfândega. Esta foi a impressão da paraense Alacir Barros, de 69 anos, que veio de Belém para um congresso de cirurgia plástica e aproveitou o dia para fazer compras no Centro.
— Aproveitei a manhã livre para vir conhecer o artesanato. Achei maravilhoso, é uma arte que deve ser prestigiada. É um trabalho manual de encanto, como aquela toalha esplendorosa. Merece um carinho todo especial.
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Quem disse que não tem fofoca?
Se algumas das fuxiqueiras fazem questão de dizer que as conversas durante o ofício não são mexericos ou bisbilhotice, outras assumem que aproveitam o encontro para fofocar com as amigas.
— Tem um pouco de fofoca também. Imagina se onde tem um monte de mulher reunida não vai ter fofoca? Mas o mais importante é que foi legal vir aqui apresentar nosso trabalho. Isso mostra que o fuxico não é só conversa, é trabalho também — comenta Adélia Domingues, de 82 anos.
Ao lado da mesa de Adélia, estavam Ondina Rosa Nascimento, de 60 anos, autointitulada “fuxiqueira e bonequeira”, e Enilda Conrad Pires, de 71 anos, dona de casa que encontrou no fuxico uma forma de se distrair. Para as duas, a arte é mais do que um passatempo, é um resgate da autoestima.
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— Encontros como esse nos fazem voltar a se animar, encontrar as pessoas e trocar experiências — afirma Enilda, que aproveitou a chegada do final do ano para fazer árvores de Natal com os fuxicos.
— Sou fuxiqueira e bonequeira. A vó já fazia, a gente foi aprendendo, praticando aos pouquinhos. Depois de perder um neto, entrei em profunda em depressão, mas o fuxico me ajudou muito com a autoestima, a resgatar a alegria de viver — conta Ondina.
Exposição de cultura negra
O Mercado Público também recebe uma mostra de arte e cultura negra. Entre os dias 16 de novembro e 9 de dezembro, a galeria superior do mercado é palco da exposição “O-DO Para o Mundo”, que reúne pinturas, fotografias e esculturas, entre outros trabalhos artísticos.
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— Essa exposição foi idealizada para mostrar as várias vertentes da cultura negra através da arte. Aqui a gente encontra artesanato, fotografias de personalidades da Ilha, pintura em acrílico, óleo sobre tela… Também tem um trabalho bem interessante, que usa excremento de cupim. Cada obra tem sua representatividade, sua especificidade, o que é muito legal — conta João Batista Costa, um dos organizadores.
Emocionado com o lançamento da mostra, nesta quinta-feira, às 19h30, Batista apenas lamenta o fato de que o o Dia da Consciência Negra não está no calendário oficial do Estado de Santa Catarina.
— É muito triste, dá impressão que não existe negro aqui. Mas, sim, existem negros que contribuíram muito para a construção desse Estado. É muito triste ver que não se abraça a própria cultura, uma cultura que faz parte desse mosaico chamado Santa Catarina.
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A visitação à exposição é gratuita e pode ser feita de segunda a sexta-feira, das 13h às 19h, e aos finais de semana, das 10h às 14h.