Era a noite do dia três de julho e uma fila de aço americano chegava a essa cidade a uma hora a noroeste de Estocolmo.

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Ela era formada por Pontiacs, Fords, Plymouths, Cadillacs, Chevrolets – praticamente todas as marcas de carro que já foram fabricadas em sono norte-americano. A maioria estava sem arranhões, com o cromo e a pintura brilhando, alguns eram hot rods customizados com cores escalafobéticas, além de outros que estavam tão detonados, que pareciam ter saído do fundo do mar.

Todos se dirigiam ao Power Big Meet 2014, que os organizadores afirmam ser o maior encontro mundial de carros clássicos. Esse foi a 30ª edição do encontro – o primeiro foi realizado em 1978 e se mudou para cá em 1984 – e até 15 mil veículos deverão participar do festival. Discípulos da engenharia de Detroit vieram de toda a Europa para olhar os carros uns dos outros.

É difícil saber o quanto os suecos amam os velhos carros americanos. Entusiastas suecos adoram dizer que há mais carros clássicos de Detroit na Suécia do que nos EUA. A fascinação dos suecos por Detroit se transformou em obsessão há muito tempo.

Milhares de carros antigos são importados para o país todos os anos, afirmam os participantes, em parte para satisfazer a subcultura dos colecionadores suecos, que combinaram o gosto e o estilo de John Travolta em “Grease” com os hábitos de bebedeira de quem vai aos shows do Lynyrd Skynyrd. Basta observar o público para perceber que os motores são uma parte tão importante da alma sueca quanto a Ikea e o Abba.

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– Kjell, como você vai enfiar esse negócio aí dentro? – gritou Oskar Antonson para Kjell Svenningsson, um amigo que estava tentando de todas as formas colocar um gerador volvo sob o capô de seu Pontiac Bonneville de 1957. O carro havia atolado no terreno barrento do local onde o encontro estava sendo realizado.

O Power Big Meet é oficialmente realizado em duas localidades. Uma delas possui gramados perfeitos, chuveiros, banheiros e – o que é mais importante – não costuma se transformar em uma verdadeiro pântano ao primeiro sinal de garoa; o outro, o Campo dos Suínos, que é muito mais popular, certamente recebeu esse nome por conta do estado em que ficam as pessoas que escolhem ir para lá.

– Você precisa de um parafuso mais comprido, Kjell. E precisa de arruelas também – afirmou Antonson.

Ignorando o conselho, Svenningsson pegou uma serra e amputou alguns centímetros de aço do gerador. Ele colocou a peça modificada no lugar e virou a ignição. O gerador resmungou, mas obedeceu. Kjell bateu o capô.

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– O carro está vivendo na Europa agora, então é melhor ele se acostumar com peças europeias – completou.

Os encontros refletem perfeitamente as duas culturas do cenário sueco dos carros norte-americanos. O mais bem ajeitado conta com carros brilhantes e lindamente restaurados. O Campo dos Suínos, por outro lado, é o domínio de uma subespécie completamente sueca dos automóveis americanos: os carros pilsner.

São carros que parecem ter sofrido décadas de abuso cruel. Eles estão enferrujados, cobertos de adesivos e fuligem, com o teto, o capô e o porta-malas tão batidos que ficam quase irreconhecíveis. E se ele for um autêntico pilsner, a traseira arranha o chão, porque o chassi foi quebrado atrás do eixo traseiro.

Entretanto, é nas entranhas do pilsner que as coisas mais estranhas acontecem. Sob o capô de um verdadeiro exemplar, há um motor novinho ou reformado, de preferência um Ford V8 de 351 polegadas cúbicas. Os eixos carregam freios novos e é muito raro ver ferrugem além da superfície, além disso, o chassi quebrado quase sempre é soldado para permanecer nesse estado.

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Os pilsner são carros potentes disfarçados de latas velhas.

– O foco é ter a capacidade de não ligar a mínima – afirmou Henrik Hjalmarsson, sentado no capô de seu Chevy. Hjalmarsson é dono de um pilsner especialmente detonado: um Impala 1968 com a frente de um modelo 1967 e chassis quebrados. O carro está coberto de adesivos, incluindo muitas bandeiras confederadas. A cultura dos colecionadores suecos tem uma verdadeira fascinação pelo sul dos EUA.

– Eu posso derrubar quanta cerveja e apagar quantos cigarros quiser nos bancos do carro, mas debaixo do capô ele parece novo – afirmou.

A cidade é tranquila durante a maior parte do ano, mas vira uma bagunça durante o Power Big Meet. Algumas empresas aproveitam a oportunidade para aumentar o preço de alimentos e bebidas, enquanto a maioria dos moradores aproveita para curtir a vista sentados em seus jardins.

Cerca de 10 mil carros foram inscritos – um pouco menos do que os organizadores esperavam, mas o suficiente para encher os acampamentos – e muitos participantes passaram as primeiras horas do dia dormindo na grama ao lado de seus carros. Ambulantes na beira da estrada vendiam enfeites de capô, placas e várias bugigangas cujo único valor era o fato de terem vindo dos EUA. Arquibancadas foram instaladas e os carros organizados em diversas categorias passavam em fila.

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Steven Gjaerud, de 19 anos, tinha um Dodge Coronet 1968 montado no chassi de um Charger 2007. Mika Droddy passou a maior parte do ano colocando o corpo de um Plymouth 1959 no chassi de um Ford Bronco 1979.

Mas, em sua maioria, os carros não eram quimeras. Para qualquer direção que você olhasse, poderia ver algum carro lindo, como um Pontiac Bonneville 1966, um Ford Deluxe 1938, um Sting Ray 1965 ou um dos mais de 200 Mustangs espalhados pelo local.

Cherielynn Westrich, famosa por sua participação no programa “Overhaulin'”, da Discovery, onde restaura carros ao lado de Chip Foose, finalmente havia sido convencida a participar do Power Big Meet, depois de ouvir seus amigos comentando sobre o evento.

– A Suécia é o 53º estado dos EUA. E o Power Big Meet é a reunião de carros mais incrível do mundo – afirmou Westrich.

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No dia seguinte, o festival começava a acabar. Alguns participantes voltavam para casa, mas a maioria se preparava para a última noite de festas do Big Meet.

– Esse lugar não tem igual – afirmou Al Young, ex-campeão de corridas de Drags, depois de receber um prêmio pela maior distância percorrida, tendo enviado seu Plymouth Road Runner 1973 de Seattle até a Holanda.

– Os suecos são malucos por seus carros e eu adoro os pilsners. Nos EUA os carros clássicos são coisas de homens mais velhos que podem bancar uma restauração, mas essas latas velhas permitem que os mais novos também participem da festa – afirmou.

Mais tarde, em frente ao posto de gasolina que serviu de palco para a festa daquela noite, o maior encontro de carros do mundo havia se transformado na maior festa do planeta. A polícia só abordava os beberrões menos conscientes.

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No Campo dos Suínos as condições eram ainda piores. Três dias seguidos de bebedeiras e sol escaldante haviam deixado muitas pessoas incapacitadas de falar ou de pensar, com os corpos queimados de sol e grudentos de cerveja derramada.

Uma família bêbada relaxava ao lado de um Pontiac Catalina Safari, decorado como uma bandeira dos EUA. O dono do carro estava sentado no banco de trás, vestindo apenas um chapéu de palha e uma dentadura falsa que havia sido cuidadosamente colocada em suas partes íntimas.

Ele saiu de seu sono alcoólico e exigiu que todo mundo se divertisse ainda mais. O carro voltou a se mover lentamente, indicando o caminho para os zumbis que vagavam pelo acampamento e se dirigiam à cidade para a viagem final. Música country podia ser ouvida nos alto-falantes.

– Sou mais fã dos Georgia Satellites. Mas todo mundo prefere country por aqui – afirmou a motorista, Frida Sofie Abelsnes, de 19 anos, se referindo à banda de Atlanta.

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Ela se juntou à fila e o carro temático se reuniu com outra fila de pilsners e carros restaurados em seu caminho para a última noite do Power Big Meet.