*Por Stacy Cowley, Emily Flitter e David Enrich

Quando um empréstimo de US$ 192 mil do programa de ajuda às pequenas empresas do governo federal dos EUA caiu em sua conta bancária, George Evageliou, o fundador de uma empresa de marcenaria personalizada, se considerou um sujeito de sorte.

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De acordo com as regras do programa, Evageliou tem oito semanas a partir de 14 de abril, o dia em que recebeu o dinheiro, para gastá-lo. Mas não usou um centavo sequer.

Seu dilema? Se Evageliou quer que seu empréstimo seja perdoado, ele deve gastar 3/4 dele pagando os 16 funcionários que demitiu da Urban Homecraft, seu negócio no Brooklyn, em Nova York, no fim de março. Mas trazê-los de volta agora, quando não podem trabalhar em sua loja de fabricação ou instalar encomendas na casa dos clientes, não vai ajudar seu negócio. E, se Nova York permanecer fechada quando suas oito semanas terminarem em meados de junho, Evageliou terá de demitir os funcionários novamente – algo do qual ele quer poupá-los.

"O governo dificultou muito o uso disso. Começa a parecer uma situação em que todos perdem", afirmou ele.

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O Programa de Proteção de Contracheques de US$ 660 bilhões foi destinado a ajudar as pequenas empresas que sofrem com a pandemia, permitindo que mantenham os funcionários na folha de pagamento. Mas está cheio de problemas. Incontáveis pequenas empresas não conseguiram o dinheiro, e, em vez disso, centenas de milhões de dólares acabaram nas mãos de empresas de capital aberto.

Agora, muitas das pequenas empresas que conseguiram empréstimos estão com o dinheiro parado, inseguras sobre se e como gastá-lo. Isso está comprometendo a eficácia de um programa destinado a ajudar a estabilizar a economia cambaleante do país.

Alguns proprietários não veem sentido em recontratar trabalhadores quando os negócios estão quase parados. Outros se irritam por ter de usar o dinheiro em oito semanas, quando de fato gostariam de mantê-lo como segurança financeira por mais tempo. E muitos dos proprietários estão confusos, sem saber se têm alguma flexibilidade. Eles preferem usar o dinheiro para reequipar suas operações em um mundo alterado ou comprar equipamentos de proteção para os trabalhadores, mas as regras exigem que o gastem em despesas específicas, como a folha de pagamento.

Os empresários também dizem que têm medo de infringir as regras do programa, que são complicadas, ambíguas e ainda em evolução. Contadores, advogados e credores estão lutando para entender as nuances e oferecendo orientações incertas aos clientes.

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"É um caos. É impossível que as empresas sigam regras que ainda estão sendo escritas", disse Howard Berkower, advogado de Nova York que assessora clientes corporativos.

A Lei CARES, que criou o programa de US$ 2 trilhões, especifica que as pequenas empresas – geralmente aquelas com menos de 500 funcionários – podem usar o dinheiro do empréstimo para pagar trabalhadores, mas também para aluguel, serviços públicos ou pagamento de juros. Os empréstimos serão perdoados se forem gastos nessas despesas dentro de oito semanas e se a empresa continuar pagando o mesmo número de funcionários, com os mesmos salários, como fazia antes da pandemia.

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(Foto: Christopher Capozziello / The New York Times)

O Departamento do Tesouro e a Administração de Pequenas Empresas (SBA, na sigla em inglês), que é a responsável pelo programa, acrescentaram uma restrição: para que um empréstimo seja perdoado, as empresas têm de gastar pelo menos 75 por cento dele em folha de pagamento. Caso contrário, dizem as regras, o tomador pagará juros de um por cento sobre qualquer parcela do empréstimo que não seja perdoada.

Mas o que não está claro é o que acontece se os empresários mantiverem todo o dinheiro como um empréstimo para ser usado mais tarde ou se tiverem de gastar toda a quantia dentro de oito semanas, com uma retomada econômica ainda a meses de distância.

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Tomemos como exemplo Jodi Burns, dona da Blazing Fresh Donuts, em Guilford, Connecticut. Burns poderia usar o empréstimo que recebeu – uma quantia inferior a US$ 50 mil – para recontratar seus oito funcionários, mas ela estaria pagando a maioria deles para ficar em casa, já que a loja fica aberta apenas 12 horas por semana atualmente. Ela preferiria segurar o dinheiro além de oito semanas; sua esperança é que se torne um empréstimo de juros baixos que possa usar na folha de pagamento e no aluguel quando sua loja estiver aberta por mais tempo.

Burns não sabe se pode fazer isso. Ela ligou para o escritório local da SBA, para organizações de consultoria de pequenas empresas, para um escritório de advocacia e para seu credor para pedir orientação, mas ninguém lhe deu nenhuma garantia. Além disso, tendo assinado documentos que a obrigam a usar os fundos para os fins permitidos sob as regras do programa de pagamento, Burns tem medo de usá-los indevidamente. "Não quero cometer fraude bancária acidentalmente", afirmou.

Muitos advogados estão dizendo aos proprietários de pequenas empresas que acham que os empréstimos podem ser usados amplamente, embora ninguém tenha certeza. "Enquanto estiverem usando o financiamento para as despesas operacionais do negócio, nossa interpretação – e achamos que está clara – é: sim, você pode efetivamente usá-lo como um empréstimo de capital de giro", declarou John Asbury, executivo-chefe da Atlantic Union Bankshares, que faz empréstimos comunitários em Richmond, na Virgínia.

Mas funcionários do Tesouro e da SBA não confirmam essa interpretação. Quando perguntados repetidamente se as empresas podem simplesmente segurar o dinheiro por enquanto, porque pagar funcionários não faz sentido para elas, um porta-voz da SBA disse apenas que os fundos devem ser usados para fins "consistentes com o Programa de Proteção de Contracheques".

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Ryan Hurst, sócio da empresa de contabilidade e consultoria RKL, observou que o programa foi montado às pressas e permanece obscuro em questões críticas. "Todos os dias fico no meu computador atualizando a página várias vezes, esperando obter mais orientação do Tesouro e da SBA", disse ele.

Como a SBA não forneceu formulários de inscrição personalizados aos credores, muitos bancos estão usando um documento genérico com disposições que não se aplicam ao programa de contracheque.

Dutchess Maye, dona da eduConsulting Firm, uma prestadora de serviços educacionais em Raleigh, na Carolina do Norte, recebeu um contrato de seu banco que não fazia nenhuma menção ao perdão de seu empréstimo de US$ 20 mil.

Maye, que planeja usar o dinheiro na folha de pagamento, se recusou a assinar um documento legal que não parecia descrever o empréstimo perdoável que ela pensava estar recebendo. Seu negócio não tem dívidas, e a ideia de contraí-las – especialmente como a crise na economia – a assustou. "Senti que era predatório", afirmou.

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Ela ligou para o credor, que lhe garantiu que o empréstimo seria elegível para perdão, mas o representante com quem falou lhe disse que o banco ainda não tinha ideia de qual seria o processo. Por fim, não querendo perder a ajuda necessária, ela assinou. Mas Maye planeja reservar US$ 20 mil de suas economias por alguns meses como reserva. "Eu precisava ter um plano B para pegar o dinheiro, caso eu tivesse de devolvê-lo", disse ela.

Mesmo aqueles que estão felizes com o empréstimo o veem como uma solução temporária.

Erik Anderson é coproprietário de uma rede de salões de beleza para homens, a Scissors and Scotch, com endereços em várias cidades do Centro-Oeste. Ele e seus sócios, juntamente com seus franqueados, receberam dinheiro de ajuda e o usaram para pagar funcionários, aluguel e contas de consumo em suas lojas enquanto estas permaneceram fechadas.

Agora, alguns dos estados com filiais do Scissors and Scotch vão reabrindo lentamente. Mas menos funcionários podem trabalhar nos salões de uma vez, e menos clientes terão permissão para entrar. Todo mundo tem de usar máscara. O dinheiro recebido pelos salões ajudará a complementar os ganhos de seus funcionários, já que poucos poderão trabalhar 35 horas semanais.

A interpretação de Anderson é que ele não tem permissão para usar dinheiro do programa de pequenas empresas para reformar seus espaços. Ele espera que venha mais ajuda, caso seja preciso – ou sua empresa pode não sobreviver.

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Quando os empréstimos se esgotarem, perguntou Anderson, "o que devemos fazer então?".

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