Uma empresa de terraplanagem é investigada em Santo Amaro da Imperatriz, na Grande Florianópolis, suspeita de descartar entulhos da enchente que atingiu a cidade em dezembro do ano passado de forma irregular. A prefeitura contratou o estabelecimento em caráter de urgência em fevereiro, o que dispensou licitação, para que pegasse as quase 1500 toneladas de lixo e descartasse no aterro sanitário. Os entulhos, porém, teriam sido depositados em um terreno particular. Uma CPI, chamada de “CPI da Enchente” foi instaurada na Câmara de Vereadores local para apurar o caso e um possível crime ambiental.

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Em dezembro de 2022, o município registrou uma grande enchente com as chuvas que atingiram Santa Catarina no fim do ano. Na época, casas foram arrastadas, postes caíram, ruas da cidade cederam e Santo Amaro da Imperatriz chegou a decretar situação de calamidade pública. Os entulhos gerados pela catástrofe foram recolhidos pela prefeitura, ainda em dezembro, e armazenados em um pátio do próprio órgão até o início de fevereiro, quando deveriam ser destinados a um aterro sanitário pela empresa contratada.

Em vídeos em que a NSC TV teve acesso, e que gerou a primeira denúncia do caso, é possível ver uma intensa movimentação de caminhões caçamba no bairro Pagará. Os veículos, conforme relatam os moradores, estavam cheios de entulhos e entravam e saíam de um terreno em obras. Uma moradora que não quis se identificar afirmou que caçambas passaram pelo local diversas vezes por dois dias seguidos. 

— O dia inteiro assim. Até pra gente sair aqui estava bem complicado, várias caçambas indo e voltando. [Os caminhões com] entulhos e lixos estavam depositando em terreno daqui do bairro. A gente espera que tomem uma providência, porque é um absurdo. A comunidade aqui é de gente tranquila e acaba prejudicando o nosso solo, a nossa vegetação.

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A contratação da empresa que faria o serviço de descarte, e que dispensou licitação, teve o valor de R$ 916.096,80 aprovado pela prefeitura do município. O dono do terreno, segundo o que relatou a CPI, é o mesmo homem colocado como “contato principal da empresa” no site oficial do empreendimento de terraplanagem. À produção da NSC TV, ele afirmou ser apenas funcionário da empresa, e não quis se manifestar sobre as acusações. 

— Todo esse entulho oriundo da enchente, ele contava com eletrodomésticos, contava com colchões, mobílias, tinha de tudo ali, até lixo mesmo, animal morto… sendo que já estava há dois meses. Era um lixo podre que estava nesse antigo terreno da prefeitura. Então, obviamente, você colocar num terreno que não é destinado pra esse fim, obviamente que pode ser um grave crime ambiental — diz o relator da CPI, vereador Marcus Abreu Martins. 

Entulhos causados pela enchente e recolhidos pela prefeitura de Santo Amaro da Imperatriz em dezembro (Foto: CPI da Enchente/Santo Amaro da Imperatriz)
Entulhos causados pela enchente e recolhidos pela prefeitura de Santo Amaro da Imperatriz em dezembro (Foto: CPI da Enchente/Santo Amaro da Imperatriz)
Entulhos causados pela enchente e recolhidos pela prefeitura de Santo Amaro da Imperatriz em dezembro (Foto: CPI da Enchente/Santo Amaro da Imperatriz)

Após a primeira denúncia, a Secretaria municipal do Meio Ambiente esteve no local para avaliar a situação e recomendou uma avaliação da Vigilância Sanitária para que analisasse a possibilidade de um crime ambiental devido a “probabilidade de contaminação do subsolo”. A denúncia foi recebida e assinada pelo mesmo homem dono do terreno e que a CPI aponta como dono da empresa.

A investigação declara ainda que mesmo depois da avaliação da secretaria, a prefeitura pagou o valor de R$ 487.515,86, mais da metade do contrato, à empresa. O Ministério Público de SC afirmou em nota estar investigando o “aterro sanitário clandestino” e diz que solicitou a instauração de um inquérito policial para apurar a existência de crime ambiental no local. 

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À pedido da Justiça, a Polícia Científica esteve no terreno e emitiu um lado onde revelou o depósito de aterro “contendo resíduos sólidos perigosos e não perigosos, além de recobrimento com solo argiloso”. No local foram localizados, conforme o relatório, restos de colchão, motor elétrico, cerâmica, fragmentos de alvenaria, madeiras, roupas usadas, plásticos, vergalhão de ferro de construção, isopor, telhas, materiais escolares, recipiente plástico, tomadas e cabos elétricos, placa de circuito de TV, dentre outros. O que, segundo a Polícia Científica, pode vir a contaminar o solo e a água subterrânea.

— Eu gostaria de dizer que a prefeitura está fornecendo todos os documentos que estão sendo pedidos pela Câmara Municipal. Eles estão ouvindo alguns funcionários da prefeitura também, para esclarecimentos. E a gente espera que isso, logo em breve, esa CPI seja finalizada, tirando qualquer dúvida da Câmara Municipal. Caso haja qualquer irregularidade, nós não vamos admitir, no governo atual, irregularidades —  manifestou o prefeitura da cidade, Ricardo Costa. 

O prazo para os vereadores concluírem a CPI é de mais 90 dias. O relatório final será entregue aos órgãos competentes para auxiliar nas investigações.

Situação é prejudicial ao solo

Para o biólogo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Paulo Horta, o descarte do entulho em um terreno não preparado pode gerar grandes danos ao solo do local. 

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—  Nós temos danos que são: danos ambientais imediatos, danos pro solo, pra biodiversidade que tem no solo, biodiversidade que tem na água dos rios, córregos, lagos e adjacentes; toda a fauna e flora que vivem daquele espaço, daquele território, sofrem com a exposição a substâncias tóxicas que variam desde hidrocarbonetos até metais pesados; e, claro, nós temos que esperar que ali nós também tenhamos patógenos, vírus e bactérias causadoras de doenças não só pra nós humanos mas também para animais e plantas. Então, tudo isso pode ser esperada praquela região imediatamente impactada pelos dejetos, pelos rejeitos — afirma. 

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