A proposta de mudança na jornada de trabalho, com o fim da escala 6×1 e a adoção de uma carga horária semanal menor, ganhou força nas redes sociais nos últimos dias e provocou reações de entidades e especialistas. A medida é alvo de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). O texto precisava receber a assinatura de pelo menos 171 parlamentares para ser apresentado à Câmara. O número foi alcançado na manhã desta quarta-feira (13), quando a PEC atingiu 194 assinaturas no sistema interno da Câmara dos Deputados. Agora, a proposta deve começar a ser discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara.
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A proposta pretende pôr fim à escala 6×1, com seis dias de trabalho e apenas um de folga por semana, e reduzir a jornada de trabalho das atuais 44 para 36 horas semanais. A mudança também permitiria a implantação de uma escala de quatro dias de trabalho e três de descanso, com jornadas de trabalho de segunda a quinta-feira e folgas de sexta a domingo, por exemplo.
A PEC da deputada paulista surgiu em apoio a um movimento iniciado por Rick Azevedo (PSOL-RJ), ex-balconista de farmácia que viralizou após compartilhar um vídeo no TikTok criticando o esgotamento causado pela jornada 6×1. No mês passado, ele foi eleito vereador do Rio de Janeiro como o mais votado do partido, após lançar o movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que defende a adoção de uma jornada com quatro dias de trabalho semanal.
Entidades empresariais criticam proposta
A Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) emitiu nota sobre o tema afirmando que a reforma trabalhista, aprovada em 2017, já permite que empregadores e empregados alinhem jornadas nos contratos de trabalho. A entidade defende que os ajustes de escala deveriam considerar a realidade de cada setor, e que impor jornadas menores por lei teria “expressivo impacto sobre os empregos no setor industrial, que já compete em condições desiguais com empresas de todo o mundo, em função da carga tributária, da infraestrutura precária, da burocracia e das condições de crédito”.
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O texto da Fiesc também classifica o momento para a discussão como “inoportuno”, em razão do “aquecimento do mercado de trabalho” e da dificuldade das empresas para preencher as vagas abertas.
A Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Santa Catarina (FCDL) definiu como uma “temeridade” a proposta de fim da escala 6×1 apontando que ela poderia prejudicar empresas que “a duras penas tentam sobreviver e manter empregos em meio a um cenário econômico adverso”.
Para a entidade, a medida poderia afetar a sustentabilidade financeira e operacional das empresas, que já enfrentam problemas com escassez de mão de obra, altos encargos, concorrência e judicialização das relações de trabalho.
“É suprema ingenuidade supor que o empresário conseguirá manter a remuneração do trabalhador com uma carga horária reduzida no canetaço e, ao mesmo tempo, manter a produção e enfrentar todos os dilemas acima exemplificados, entre tantos outros que o afligem dia sim, dia também”, defende a entidade, em um trecho da nota.
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Além da 6×1, conheça outros tipos de escalas de trabalho
Outras entidades empresariais, como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), também se manifestaram afirmando que a proposta poderia trazer retrocessos, com impactos negativos para consumidores e empreendedores.
Instituições que representam os trabalhadores, em contrapartida, reagiram a favor da proposta de fim da escala 6×1 e redução de jornada. A Central Única dos Trabalhadores de Santa Catarina (CUT-SC) divulgou nota em apoio à proposta considerando-a “um passo crucial” na luta por uma jornada de trabalho “mais justa e humana, que garanta o bem-estar e a saúde do trabalhador sem redução salarial”.
Na avaliação da entidade, a escala 6×1 impõe um ritmo exaustivo, com impactos diretos na saúde física e mental dos colaboradores. A instituição também cita experiências internacionais, como a do Reino Unido e de Portugal, como referências de êxito da proposta. “As longas jornadas de trabalho, combinadas com o insuficiente tempo de descanso, levam ao esgotamento físico e ao aumento do estresse, resultando em queda de produtividade e no crescimento dos casos de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho”, sustenta a nota da CUT-SC.
Especialistas apontam riscos a empregos e salários
Especialistas de Direito do Trabalho apontam que a medida pode ter viés populista e causar consequências, como aumento de preços, informalidade e até desemprego, com risco de redução salarial futura.
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O advogado trabalhista Thiago Sevegnani Baehr, presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB de Blumenau, afirma que, embora tenha um tom de valorização dos trabalhadores, a proposta pode desvalorizá-los futuramente. Ele alega que, na prática, a medida iria representar um aumento para os trabalhadores, que receberiam o mesmo salário para jornadas semanais de 36 horas, em vez das 44 horas atuais. A consequência seria a necessidade de contratações das empresas para manter os serviços, o que faz simpatizantes da proposta argumentarem que a medida poderia gerar novos empregos. No entanto, segundo o especialista também representaria mais custos às empresas.
— Isso vai onerar onde? No primeiro aspecto, a empresa. A empresa vai ter que pagar a mais para você trabalhar menos. O que a empresa em tese vai fazer? Passar esse custo extra para os seus clientes, e isso vai ser refletido na cadeia de consumo. Quem vai pagar essa conta toda no final? Os trabalhadores que foram agraciados com essa medida. Será que a qualidade de vida que tanto se fala vai valer a pena? O impacto direto dos preços no mercado, no posto de gasolina, na feira, nos transportes. Tudo vai aumentar para fins de suportar essa carga — avalia.
Na avaliação dele, a medida poderia gerar uma explosão de desempregos, e uma fase de recolocação profissional ocorreria com redução dos salários, para equilibrar o mercado, já que a nova carga horária seria menor. Baehr acrescenta que a maior parte dos empregadores no país é formada por micro e pequenas empresas, que teriam mais dificuldade para se adequar às jornadas.
O especialista afirma que uma solução que as empresas poderão adotar caso a proposta seja aprovada seria a contratação de trabalhadores intermitentes ou até de autônomos ou freelancers para suprir a demanda de horários que não for coberta pelos empregados CLT, como jornadas de sábados ou domingos. Embora os autônomos possam emitir recibos e recolher contribuição previdenciária sobre os valores recebidos pelo trabalho, muitos não fazem esses procedimentos e acabam ficando descobertos, o que poderia agravar a situação de informalidade.
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O advogado trabalhista Felipe Falcão, presidente da Associação Catarinense dos Advogados Trabalhistas (ACAT) e da Comissão de Direito do Trabalho da OAB de Santa Catarina, considera que a proposta ainda é bastante embrionária e precisa de uma maior discussão.
Segundo ele, ela traz mais reflexos econômicos do que jurídicos. No texto atual, o advogado avalia que o ponto central é reduzir o tempo de trabalho para 36 horas semanais sem reduzir o salário.
— Esse custo vai precisar ser pago por alguém. Sempre é benéfico melhores condições para o trabalhador. O problema é que se vai haver nesses segmentos, como comércio, hotéis, bares e restaurantes, que utilizam mais essa escala [6×1], dificuldades de preencher lacunas que vão se criar — alerta.
O advogado também avalia que, na prática, será um aumento salarial e que exigiria recursos ou medidas de compensação do governo para dar suporte às empresas. Ele também visualiza o risco de inflação por conta do aumento nos produtos e serviços, que seria resultado do repasse do aumento de custos com mão de obra.
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— Sem incentivo do governo, com uma contrapartida, a tendência é aumentar os preços ou então haver uma retração, com o empregador optando por abrir os negócios somente em determinados dias da semana. Envolve uma série de questões — alerta.
O advogado também vê um possível aumento da informalidade e diz que para ser implantada a proposta precisaria ser discutida de forma mais aprofundada.
— O efeito prático da proposta vai ser encarecer (o custo com mão de obra) e gerar dificuldade para manutenção de negócios. É preciso trazer o governo e ver de que forma seria viabilizado. Para o bem-estar do trabalhador seria bom, a dificuldade é como acomodar isso à realidade atual — pontua.
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