Há pouco mais de dois anos, Raquel Baldo, 34, trabalhava em uma empresa na zona Norte de Joinville quando a bolsa estourou. Era a hora de ir para a maternidade e ter seu primeiro filho, Pedro. Calmamente, a engenheira terminou de enviar os e-mails, deixou o espaço de trabalho organizado e foi até o hospital. Havia se preparado a vida toda para ser uma boa profissional, desenvolvido habilidades de gestão e conquistado uma trajetória de sucesso, mas não abriria mão de outros planos e sonhos: aos 30 anos, decidiu com o marido que era hora de formar uma família e planejou a gravidez.

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Mesmo trabalhando em uma empresa onde a gestação de uma profissional não era vista nem tratada como um problema, ao fim dos quatro meses de licença-maternidade, Raquel decidiu que não voltaria ao trabalho. Uma semana antes do fim da licença, pediu desligamento da empresa para dedicar-se integralmente ao bebê.

— Pode ter parecido intempestiva mas a decisão não foi fácil e não aconteceu sem olhar muitas planilhas no Excel antes. Eu tinha a vontade de ficar com ele, mas pensava que ficar sem um salário é muito difícil. Também me preocupava com a forma com a qual as empresas iam me olhar depois se desse essa pausa na carreira — conta ela.

Há um ano e meio, Raquel retornou ao mercado com outra formatação e tem ouvido histórias que assemelham-se aos seus anseios de ser mãe sem deixar de lado a carreira para a qual investiu tantos anos de estudo e esforços, mas também casos de mulheres que passaram por injustiças no trabalho apenas por decidirem ter filhos. Ao lado da amiga Cristiane Gevaerd, 34 anos, abriu uma consultoria especializada em assessorar as carreiras de mulheres que querem voltar para o mundo corporativo ou tornarem-se empreendedoras após serem mães.

Cristiane tem uma trajetória semelhante à de Raquel: formada em Engenharia de Alimentos, não colocou limites na hora de iniciar a vida profissional e chegou a mudar de Florianópolis para Cuiabá para fazer um estágio. Em menos de três anos, já era gerente de área em uma multinacional. Há um ano e meio, morando novamente em Joinville e coordenando a área de gestão de pessoas de uma empresa, viu o fim da licença-maternidade da primeira filha, Beatriz, coincidir com a demissão.

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– Me ligaram para avisar que a empresa passava por uma reestruturação e o meu cargo deixaria de existir. Por mais que a demissão não tenha sido por causa da gravidez e eu até desejasse parar por um tempo, uma demissão é sempre um baque. Depois de um tempo, você sente falta do convívio, de sair para trabalhar. Eu sentia falta de ter “conversas de adulto”, de ler sobre o trabalho, de continuar me desenvolvendo profissionalmente.

Raquel e Cristiane encontraram, no empreendedorismo, a resposta para conciliar a vida profissional e a maternidade. Ser “a própria chefe” e, com isso, definir horários e o tempo de dedicação para cada atividade, garante a flexibilização que elas sonhavam para que pudessem acompanhar de perto a primeira infância dos filhos.

– Eu não abria mão de cuidar da alimentação dele, de cozinhar receitas saudáveis. Claro que nem sempre é perfeito e tem dias em que é preciso apelar para a comida pronta. Mas, se estivesse trabalhando em uma empresa, não conseguiria fazer nem o que tenho feito – diz Raquel.

Pela experiência dela e de Cristiane, a maioria das mulheres que tornam-se mães vivem essa mesma angústia e, principalmente, o sentimento de culpa. Ao mesmo tempo em que desejam continuar trabalhando –tanto pela realização profissional quanto pela necessidade financeira –, encontram dificuldades para equilibrar todas as tarefas.

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O que acontece é a pressão que as mulheres sofrem. Você precisa ser uma mãe perfeita, mas, se para de trabalhar, as pessoas questionam. E, se tenta ser uma profissional perfeita, também é criticada – avalia Cristiane.

Raquel, com o filho Pedro, e Cristiane com a pequena Beatriz em um momento de trabalho das mamães
Raquel, com o filho Pedro, e Cristiane com a pequena Beatriz em um momento de trabalho das mamães (Foto: Salmo Duarte, A Notícia)

Horários flexíveis facilitam a rotina de Juliana

Entre os principais motivos para as mulheres estarem em desvantagem no mercado tradicional está o entendimento de que as obrigações com os filhos são tarefas femininas e que isso atrapalhará o desempenho delas no trabalho já que, em caso de doença ou outros imprevistos com as crianças, o homem dificilmente precisaria deixar o trabalho para assumir a responsabilidade de tomar conta do filho.

Natural de São Paulo, Juliana Fegies, 34 anos, costumava trabalhar no que ela mesma chama de “ritmo alucinante”. Sócia de uma agência de turismo, ela não tinha horário para fazer os atendimentos e viajava muito a trabalho. Há três anos, quando mudou para Joinville para acompanhar o marido, Ricardo, em um novo emprego, decidiu que era hora de engravidar e, possivelmente, parar de trabalhar por pelo menos um ano.

Mas, quando Micaela tinha apenas dois meses, Ricardo foi desligado da empresa — e Juliana voltou às atividades da agência antes mesmo de concluir as 16 semanas da licença-maternidade.

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— Quando ela (Micaela) tinha sete meses, a colocamos na escolinha para que eu tivesse aquele meio período para trabalhar. Aí eu decidi que não fazia mais sentido continuar trabalhando para a agência em São Paulo e abri a minha agência. Hoje, eu trabalho em coworking e em casa, e tenho horários mais flexíveis para atender e também para cuidar dela — conta.

Com o marido também trabalhando em home-office, eles conseguem dividir as tarefas para que as obrigações não sejam apenas da mãe. Ricardo, por exemplo, é o responsável por levar e buscar a filha na escola e fazer o contato com os professores.

— Eu não voltaria para um trabalho formal. Eu não cogito essa hipótese nem para o futuro porque já virou um estilo de vida e o mercado está pedindo isso. Em São Paulo, é muito mais comum as pessoas terem horários mais flexíveis nas empresas e acho que é um caminho que não tem volta — avalia ela.

Juliana com a filha Micaela: “empreendedorismo é um caminho sem volta. Virou um estilo de vida”
Juliana com a filha Micaela: “empreendedorismo é um caminho sem volta. Virou um estilo de vida” (Foto: Salmo Duarte, A Notícia)

Legislação trabalhista garante estabilidade

No Brasil, as leis trabalhistas garantem que a mulher grávida tenha direito a, pelo menos, seis saídas para consultas no período de gestação e de, pelo menos, 120 dias de licença remunerada após o nascimento do filhos. O desligamento da funcionária só pode ocorrer 150 dias após o parto – do momento em que informa o empregador sobre a gravidez até o fim deste prazo, é proibida a demissão, a não ser sob pagamento de todo o período em que deveria ter estabilidade ou por justa causa.

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Além disso, os empregadores devem garantir outros direitos, como dois descansos para amamentação (até o filho completar seis meses) e creche na empresa (ou auxílio-creche, se não houver o espaço no local de trabalho) também até a criança completar seis meses.

A advogada Ana Paula Nunes Chaves, que tem escritório em Joinville focado no atendimento às questões de gênero e aos direitos das mulheres, explica que muitas mulheres não têm acesso a estes direitos, principalmente por medo de perder o emprego se começar a solicitá-los. Além disso, ainda é muito comum que as mulheres sejam demitidas após o fim da estabilidade da licença-maternidade.

— A gente tem uma cultura, ainda presente, de que a mulher que é mãe torna-se incapaz do trabalho. É uma interpretação que muitos empregadores ainda tem e, em entrevistas de emprego, têm questionado se a mulher tem filhos ou se pretende ter. Há pouco tempo, ficamos sabendo que, em uma entrevista para uma empresa de Joinville, perguntaram à candidata qual era o método contraceptivo que ela usava — avalia.

Ela explica que não há legislação específica que impeça o questionamento, no momento da entrevista, sobre as intenções da mulher em engravidar ou se tem filhos pequenos.

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No entanto, já há jurisdição sobre estes casos, a partir da lei nº 9029/95, que proíbe “a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, idade, entre outros”.

Raquel e Cristiane montaram uma agência para mulheres que desejam se realocar no mercado de trabalho
Raquel e Cristiane montaram uma agência para mulheres que desejam se realocar no mercado de trabalho (Foto: Salmo Duarte, A Notícia)

Empreendedorismo ajuda a driblar o preconceito

Em uma pesquisa realizada em 2017 pela Rede Mulher Empreendedora – criada por uma pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o empreendedorismo feminino a partir de entrevistas com mulheres que atuavam como microempreendedoras ou eram proprietárias de empresas de pequeno porte – foi verificado que 55% destas mulheres tinham filhos e que, destas, 75% começaram a empreender após a maternidade. No mesmo ano, outra pesquisa da FGV, com 247 mil mulheres de 25 a 35 anos, mostrou que metade das mulheres que tornaram-se mães perderam o emprego até dois anos depois da licença-maternidade.

— Existe uma pressão sobre a mulher quando ela volta para a empresa e dizem que “ela não é mais a mesma”. Claro que não é mais a mesma, agora ela tem outras tarefas. Antes, ficar até as dez da noite fazendo hora extra talvez não fizesse diferença na vida dela, mas, hoje, deu seis horas ela quer ir ver o filho. Acho que esse entendimento, por parte da empresa, ainda é meio duro — analisa Cristiane.

Ela conta que, para a maioria das mulheres que as procuram com vontade de empreender, o maior medo é o de reduzir a renda familiar no momento em que mais precisam de estabilidade financeira. Em muitos casos, o que acontece é o contrário: os ganhos aumentam, ainda que a carga de trabalho também.

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– Você define seus horários mas, às vezes, passa muito mais tempo trabalhando. O que acontece é que adaptamos as reuniões para locais e momentos mais adequados às necessidades dos nossos filhos – afirma Raquel.

Uma pesquisa feita pela empresa de recrutamento Catho no ano passado concluiu que 28% das mulheres deixaram o emprego ao terem filhos, enquanto apenas 5% dos homens passaram pela mesma situação.