Toda vez que um órgão chega à central da SC Transplantes, no Centro de Florianópolis, cabe a Waldir Goulart Júnior receber a maleta laranja preparada pelas enfermeiras. A missão dele é levar a caixa de aproximadamente 50 centímetros de comprimento, 20 de largura e 30 de profundidade, onde estão depositadas doação e esperança, até o hospital em que um paciente aguarda por vida nova. Tudo no menor tempo possível.

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A cena descrita acima retrata o bastidor da doação de órgãos e é parte, desde 2014, da rotina deste motorista de 54 anos. Mas transplantes de rim, como o realizado em Joinville na última segunda-feira (13), têm significado especial para Waldir. Há oito anos, ele perdeu o pai por conta de uma parada cardíaca sofrida enquanto fazia hemodiálise em um hospital de Florianópolis.

O pai de Waldir aguardava na fila por um rim, mas a idade avançada e a saúde já crítica impediram que ele superasse a insuficiência renal – doença que também atingiu a irmã, Bianca, pouco depois.

— A gente viveu o drama, minha família sofreu muito, lamenta.

A dor do passado é hoje motivação extra ao condutor, que se dedica a levar para pacientes de diferentes idades de todo o Estado a esperança que não chegou a tempo para o próprio pai.

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— Tive a felicidade de entrar na SC Transplantes e começar a trabalhar com o pensamento de que em cada captação, através da tristeza, de uma família enlutada, havia felicidade para quem iria receber o órgão. Isso nos gratifica muito, saber que nosso trabalho pode dar uma nova vida que meu pai não chegou a ter a oportunidade – conta.

Waldir Goulart é motorista da SC Transplantes e transformou perda familiar em motivação extra para transportar órgãos pelo Estado
Waldir Goulart é motorista da SC Transplantes e transformou perda familiar em motivação extra para transportar órgãos pelo Estado (Foto: Diorgenes Pandini, NSC Total)

O sentimento e a ligação com a causa fazem com que Waldir se dedique em dobro para o trabalho que executa. No último domingo, não pensou duas vezes ao precisar faltar a uma homenagem de Dia das Mães na igreja em que vai com a esposa para levar uma equipe médica com urgência a uma captação de órgãos em Joinville.

Como o assunto toca o sentimento da família, Waldir garante que todos compreendem a situação, que já exigiu com que ele passasse Natal e virada de ano em rodovia transportando médicos. A missão, de alguma forma, desperta até orgulho na família.

— Acredito que somos escolhidos para fazer esse trabalho. Todos que se envolvem têm muito amor por isso. De alguma forma, transformei essa minha perda num gesto para poder ajudar quem está precisando — conta.

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Profissionais aplicam conceito amplo de doação

A equipe da SC Transplantes faz diariamente um trabalho que não envolve apenas doação de órgãos. Profissionais como Waldir, os outros motoristas que compõem a equipe de transporte de órgãos e servidores de outras áreas que integram a rede compartilham um conceito mais amplo de doação, de quem destina empenho para essa rede funcionar em todo o Estado. São diversos os exemplos de servidores que se doam para salvar a vida de quem está nas filas de esperas por transplantes.

O enfermeiro Ivonei Bittencourt, de Joinville, trabalhava com pacientes críticos da UTI quando foi convidado a atuar diretamente com doação de órgãos. O convite ocorreu há 12 anos, em uma época que não havia muitas vantagens financeiras para a dedicação extra que a atividade já exigia. O que o motivou a aceitar foi justamente a diferença que ele poderia fazer na vida dos pacientes que esperam recuperar a saúde.

Hoje Ivonei tem uma missão das mais importantes: comunicar as famílias sobre os casos de morte cerebral e oferecer a possibilidade de doação de órgãos. Ele é coordenador da Comissão Hospitalar de Transplantes (CHT) do Hospital São José, de Joinville, recordista de doações em SC com 31 procedimentos em 2018, e que esta semana fez mais um transplante de rim (veja ao lado).

Ivonei fez especialização na Espanha, referência mundial em doação de órgãos, e é um apaixonado pela causa.

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É um trabalho de dar uma segunda chance de vida, um renascimento a pacientes com pouco tempo para receber os órgãos. E por meio da sensibilização das famílias podermos conseguir reduzir a lista de espera.

A última hemodiálise de Anderson

Anderson Laurentino passou pela última sessão de hemodiálise antes de ser submetido a transplante, na segunda-feira
Anderson Laurentino passou pela última sessão de hemodiálise antes de ser submetido a transplante, na segunda-feira (Foto: Diorgenes Pandini, NSC Total)

O trabalho da equipe da SC Transplantes no começo desta semana transformou a vida de Anderson Laurentino. Waldir transportou um rim até o Hospital Municipal São José, em Joinville, deixando o morador da cidade mais perto de uma vida nova. Em um leito da unidade, o jovem de 23 anos passava por mais uma bateria de quatro horas de hemodiálise – tratamento exaustivo que o acompanhava desde novembro de 2015, quando descobriu uma insuficiência renal.

As filtragens do sangue ocorrem dia sim, dia não, eliminando toxinas e líquidos do corpo, mas cobram um preço. O desgaste físico, os cuidados na alimentação, o afastamento do trabalho, e o incômodo de estar preso à rotina das sessões. Mas Anderson estava diferente na segunda-feira. Se tudo desse certo, enfim, aquela seria a última hemodiálise.

O rim que chegou às 16h30min de segunda-feira a Joinville pelas mãos de Waldir partiu duas horas antes da sede da central estadual SC Transplantes, em Florianópolis. O órgão veio na noite anterior do Oeste do Estado de carro até Lages, na Serra, onde um motorista o trouxe para a Capital. Ali os órgãos passaram por mais um exame e tiveram o destino definido: a doação para Anderson.

Anderson levava uma vida normal até novembro de 2015. Trabalhava como conferente em uma empresa de parafusos no Norte do Estado e jogava futebol nas horas vagas. Nunca havia sentido nada até que se deparou com uma série de sintomas como fraqueza, enjoo, anemia, inchaço no corpo, dor perto do quadril. Mesmo sem histórico na família, o diagnóstico de insuficiência renal foi rápido. Logo entrou na rotina de hemodiálise e, sete meses depois, integrou a fila de espera por doação de órgãos.

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Foram dois anos e 11 meses no aguardo, com o celular sempre por perto à espera de uma ligação. O trabalho e também o futebol com amigos precisaram de trégua. A família decidiu ajudar e também adotou hábitos como reduzir o consumo de líquidos, algumas frutas e de sal nas refeições. A angústia da espera chegou ao fim com um telefonema ao meio-dia da segunda-feira desta semana.

– Eu estava mexendo no computador quando ligaram. A doutora explicou que o rim era bom, falou sobre as taxas e aconselhou a vir. Na hora eu nem sabia direito. A perna ficou bamba. Falei para a mãe e ela achou que eu estava brincando – contou.

Fé é alento para mãe durante a espera

Mãe de Anderson, Roseleia não conteve emoção ao receber notícia de que filho encontrou rim compatível
Mãe de Anderson, Roseleia não conteve emoção ao receber notícia de que filho encontrou rim compatível (Foto: Diorgenes Pandini, NSC Total)

A mãe, Roseleia Maria Verbienen Laurentino, 49 anos, sustentou a luta da família na fé. Na segunda-feira, ela tentava fazer o neto dormir quando recebeu a novidade, e custou mesmo a acreditar. Mas a emoção não tardou a aparecer. Com olhos marejados e mãos entrelaçadas em forma de prece, ela agradeceu o presente de Dia das Mães que surgiu no dia de Nossa Senhora de Fátima, a quem dedicava orações pelo filho. Uma gratidão que se estende também às famílias que decidem pela doação de órgãos.

É muito importante a doação de órgãos. Imagine a felicidade de uma família ao receber uma doação. Hoje o presente chegou ao meu filho. Estou muito feliz, agradeço a Deus por tudo.

O transplante de Anderson durou cerca de três horas segundo a família. Após a cirurgia, que envolveu três cirurgiões e mais de 10 pessoas, ele foi para o quarto, onde deve permanecer ao menos até o início da próxima semana. No entanto, a recuperação é considerada boa pelos médicos, apenas com alguns poucos enjoos controlados por remédio nos primeiros dias.

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Simples desejo

O primeiro desejo de Anderson para depois do transplante já começa a virar realidade: poder tomar água à vontade, sem a alta restrição que existiu nos últimos três anos. Esta semana, os médicos já liberaram o consumo de uma garrafa de 500 ml. A hemodiálise, esta por enquanto ficou para trás.

– No momento da dor da família, talvez eles não autorizem, mas para quem está esperando a doação é uma nova vida – resume Anderson.

Trabalho é referência nacional

O desempenho da SC Transplantes coloca Santa Catarina como referência no país, ao ser o segundo estado com maior número de doadores. Com 40,7 por milhão de habitantes de janeiro a março deste ano, o Estado fica atrás apenas do Paraná (41,2). Somente no primeiro trimestre, SC teve 139 notificações de potenciais doadores – 72 se converteram em transplantes, em 29 as famílias decidiram não doar e 38 não avançaram por razões clínicas.

Como funciona a logística da doação de órgãos:

Aceitação da família

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– Quando um paciente tem morte encefálica, uma equipe do hospital conversa com a família e oferece a oportunidade da doação dos órgãos. A partir da autorização da família, ele vira um potencial doador.

Receptores compatíveis

– O doador é registrado em um cadastro nacional, chamado de SIG, onde são anexados todos os exames feitos. Esse sistema cruza os dados como idade, peso, altura, tipo sanguíneo e condições dos exames do doador com os dos possíveis receptores e estipula um ranking com os pacientes mais compatíveis. Em caso de órgãos em que não haja fila ou pessoas compatíveis dentro do Estado, o sistema nacional oferece o órgão a pacientes de outros estados.

Urgência maior em coração e pulmões

– Órgãos como coração e pulmões vão direto do local em que são captados dos doadores para o hospital de destino em que será feito o transplante. O motivo é o curto tempo de isquemia – ou seja, o intervalo em que os órgãos resistem depois de serem retirados do corpo do doador, que nestes casos são de 4 a 6 horas segundo o Ministério da Saúde. Esses órgãos também costumam ser levados pelo transporte aéreo que a central possui à disposição. Como há pouca fila desses órgãos no Estado, muitas vezes eles também são oferecidos a pacientes de outras unidades federativas.

Distribuição de rins centralizada

– No caso dos rins, que possuem um tempo de duração maior, de até 48 horas segundo o ministério, eles são sempre enviados à central de transplantes, em Florianópolis, onde passam por outro exame genético que indica a melhor compatibilidade com o receptor. Só então o paciente que irá receber o rim e o destino do órgão são definidos. Nesse caso, o transporte até o hospital em que será feito o transplante costuma ser terrestre.

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(Foto: Arte NSC Total)

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