Uma emenda a um projeto de lei (PL 256.1/2017), que tramita na Assembleia Legislativa do Estado (Alesc), pode perdoar uma dívida tributária de R$ 800 milhões de indústrias farmacêuticas e distribuidoras de medicamentos com Santa Catarina. O rombo surgiu do uso de uma base de cálculo diferente da prevista na lei estadual, irregularidade praticada pelo menos desde 2008 e descoberta naquela época pelo Grupo Especialista Setorial em Medicamentos e Cosméticos (Gesmed), formado por auditores fiscais da Secretaria de Estado da Fazenda de SC.

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A emenda é assinada pelos deputados estaduais Milton Hobus (PSD), Darci de Matos (PSD) e Luciane Carminotto (PT), que alegam que a multa cobrada sobre a dívida das empresas é desproporcional e a forma de cobrança dos impostos de medicamentos em SC seria inconstitucional. (Veja íntegra da emenda ao final do texto). O projeto original, de autoria do Executivo, trata de diversas alterações tributárias.

A dívida, que se refere a vários anos de fraude – mais multa, de 75% dos tributos devidos, e juros -, é resultado da diferença entre a base de cálculo de Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) praticada pelas empresas e a que deveria ser utilizada de acordo com a lei catarinense.

Há dois tipos de base de cálculo para medicamentos, a Margem de Valor Agregado (MVA), uma porcentagem sobre o preço de venda do medicamento praticado pelo distribuidor ao varejo, e o Preço Máximo de Venda ao Consumidor (PMC), que se baseia em preços pré-estabelecidos pelos fabricantes e regulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em Santa Catarina é utilizado o PMC, que tem valores maiores. No entanto, as empresas aplicavam o MVA. Segundo o Gesmed, seriam cerca de 40 empresas de todo o Brasil envolvidas, a maioria distribuidoras.

O total devido pelas empresas ao Estado alcança R$ 1 bilhão, sendo que apenas uma companhia deve R$ 100 milhões. A emenda em questão, no entanto, perdoa as empresas que praticaram os fatos geradores das dívdias até 31 de dezembro de 2013. Por isso, o valor do perdão é um pouco menor, de R$ 800 milhões. A partir de 2014, conforme o Gesmed, boa parte dos fiscalizados passou a cumprir a legislação, após as primeiras condenações em âmbito administrativo.

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De acordo com Hobus, um dos autores da emenda, as multas são muito superiores ao faturamento das companhias e quebrariam as empresas. Além disso, ele afirma que a forma de cobrança em SC é inconstitucional e que o caso foi resolvido de forma distinta em outros Estados, como Minas Gerais. Ele cita uma decisão transitada em julgado do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável às companhias e outra do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

— Os medicamentos genéricos têm um desconto muito alto. Se um remédio custa R$ 10, o laboratório vende por R$ 2, e SC quer cobrar o imposto sobre os R$ 10. Se não corrigir essa distorção e ajuizar isso, o Estado pode ter que devolver esse dinheiro. O STJ já deu decisão favorável às empresas no Rio Grande do Sul – afirma o deputado.

O coordenador do Gesmed, Carlos Socachewsky, diz que não é bem assim. Segundo ele, o cálculo do imposto seria feito, para utilizar o exemplo do deputado, em cima de R$ 7,50, mas isso ocorre porque há um problema de origem: a indústria estaria definindo um valor muito alto para o PMC. Além disso, Socachewsky ressalta que as multas estão devidamente previstas na legislação tributária catarinense, e que o governo estadual já lançou diversos programas de renegociação das dívidas, com descontos que chegavam a 95%, mas nenhuma destas distribuidoras aderiu, mesmo tendo sido notificadas dos programas.

— Simplesmente dizer que estariam inviabilizadas as operações das empresas não é justificativa para perdoar os débitos tributários. Inúmeras outras empresas estão aplicando corretamente a legislação. O perdão de R$ 800 milhões, além de trazer prejuízos ao Estado, demonstrará a todos os contribuintes que cumprem a legislação que foram feitos de tolos ao seguir os regramentos determinados em lei, e que o não cumprimento das suas obrigações acaba valendo a pena, já que no futuro serão perdoados.- diz o coordenador do Gesmed.

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O PL, que já passou pela Comissão de Constituição e Justiça, está na de Finanças e Tributação desde 1º de novembro, ainda sem relator. Após passar por essa comissão, segue para votação no plenário.

Conforme informações do Gesmed, o assunto foi encaminhado para apreciação do Ministério Público Estadual (MPE-SC) e do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC).

Procurada, a Associação Brasileira de Distribuição e Logística de Produtos Farmacêuticos (Abradilan) disse não ter porta-voz disponível para falar sobre o assunto. A deputada Luciane Carminatti, que também assina a emenda, afirmou não estar com disponibilidade de tempo para entrevistas. Já o deputado Darci de Matos pediu que a demanda fosse direcionada ao parlamentar Milton Hobus. O Sindicato das Indústrias Químicas e Farmacêutivas de SC (Sinqfesc) afirmou que seus associados utilizam o MVA, que estaria previsto em um convênio de 1994.

A Secretaria de Estado da Fazenda de SC afirma ser contrária à emenda. O órgão se manisfestou por meio de nota:

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A Fazenda de SC posiciona-se contra a emenda ao projeto de lei que perdoa dívidas de ICMS do setor de medicamentos. Entre os motivos, destacamos:

– o valor total perdoado pode chegar a cerca de R$800 milhões, o equivalente à folha de pagamentos de todos os 155 mil servidores ativos e aposentados em dezembro, e superior a todas as dívidas da Saúde, Justiça e Cidadania e 13º salário, somados;

– os trabalhos foram executados no estrito cumprimento da legislação vigente. Os recursos feitos ao Tribunal Administrativo Tributário foram julgados improcedentes. Alguns processos já foram julgados improcedentes na Justiça Estadual em primeiro grau e ainda encontram-se em fase de recurso;

– perdoar impostos devidos é uma injustiça com todos os cidadãos e demais contribuintes catarinenses, especialmente com aqueles que foram fiscalizados na mesma operação e que pagaram suas dívidas;

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– os trabalhos consumiram anos de trabalho do Fisco Estadual. Cancelar esse trabalho seria um desperdício de todo o trabalho, e, portanto, de recursos públicos;

– ainda que fosse uma decisão positiva para o Estado de Santa Catarina, por determinação de Lei Complementar o Estado deveria submeter o pedido previamente ao Confaz, o órgão colegiado que reúne os secretários de Fazenda de todos os Estado.