Em clima de Natal, os sinos tocam e a expressão “por quem os sinos dobram” pode vir à cabeça. Cunhada pelo poeta inglês John Donne, que viveu no século 16, a frase atravessou séculos e virou título de livro, de filme, de música. Até na boca de Raul Seixas, o maluco beleza. Apesar da mudança de hábitos, quase ninguém escapa do repique festivo ou doloroso dobre dos finados: em batizados, missas, casamentos ou em funerais se pode ouvir o toque de um sino. Para os cristãos é uma dádiva, pois dizem que os sinos são a voz de Deus na Terra.

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A palavra sino vem do latim “signum”, que significa sinal. Ao longo dos anos, o sino serviu como mensageiro da história com boas e más notícias. A intensidade e o ritmo das badaladas expressam sentimentos de dor, alegria, respeito. Avisaram sobre guerra, paz, morte e eleição de papas. Instrumento de percussão, provavelmente inventado na China há cerca de 4.600 anos, era usado como meio de comunicação para contar as horas e avisar os trabalhadores sobre o começo e fim da jornada.

Mas antes de ganharem forma, passam por um longo processo:

Talvez a gente não perceba. Mas "Si" é a nota musical que se escuta quando um sino toca. Chamados de vasos sagrados, destinados ao culto divino, também podem ser chamados de campana ou campainha. Pequenos, médios, grandes, têm sons e timbres variados, entre graves e agudos, que transmitem diferentes mensagens.

Em um dos seus poemas, John Donne, o poeta que criou a expressão “por quem os sinos dobram”, escreveu que nenhum homem é uma ilha; mas uma partícula do continente, uma parte da terra:

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— A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.

Carrilhão com sete sinos da Catedral Metropolitana de Florianópolis já foi o maior da América Latina

Com 111 anos, a Catedral Metropolitana de Florianópolis, dedicada a Nossa Senhora do Desterro, tem sete sinos. Os dois mais antigos, de 1872 e 1896, foram presentes do imperador Dom Pedro II.

São Joaquim – 1872

(Foto: Ben Ami Scopinho / Arte NSC Total)

Fúnebre

(Foto: Ben Ami Scopinho / Arte NSC Total)

Mais tarde chegaram os outros. As peças trazidas da Europa a pedido de dom Joaquim Domingos de Oliveira, o qual se tornaria o primeiro arcebispo em 1927, foram fundidos na cidade alemã de Bochum.

Abençoados na festa de Santa Catarina, que marcou ampliação e reforma da igreja, em 25 de novembro de 1922, formou o maior trilhão da América Latina. A engrenagem principal é composta pelos cinco sinos de bronze fundidos em Bochum. Seguindo a tradição, os sinos ganharam nomes e inscrições que ainda podem ser vistos. Juntos pesam quase seis toneladas.

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São José

(Foto: Ben Ami Scopinho / Arte NSC Total)

São Miguel

(Foto: Ben Ami Scopinho / Arte NSC Total)

São Joaquim – 1922

(Foto: Ben Ami Scopinho / Arte NSC Total)

Santa Catarina

(Foto: Ben Ami Scopinho / Arte NSC Total)

Nossa Senhora do Desterro

(Foto: Ben Ami Scopinho / Arte NSC Total)

Horário das missas na Catedral Metropolitana

Segunda a sexta-feira: 6h30min, 12h15min, 18h15min

Sábado: 18h15min

Domingo: 7h30min, 9h30min, 18h, 19h30min

Muito além da religião

* No século 18, tempo em que o Brasil era colônia de Portugal, homens vigiavam a entrada da Baía da Guanabara para avisar sobre a chegada de navios corsários. Do alto do Mosteiro da Glória, eles batiam os sinos para chamar a atenção dos moradores que conheciam o toque anti-invasão.

* Também no Rio de Janeiro, a nossa primeira capital federal, existiu um intendente-geral de polícia chamado Teixeira de Aragão que criou um toque de recolher às 18h. A intenção era diminuir a criminalidade. Com o tempo, o toque que passou a ser chamado de Aragão, serviu como corretivo para os escravos que ficavam na rua: eram açoitados.

* Até o início do século 19, a maior parte dos sinos das igrejas do Rio era importada de Portugal. No Brasil, a forja só passou a ser feita com qualidade, em 1808, pelas mãos do mestre fundidor e sineiro João Batista Jardineiro, que veio com a família real e fez sinos para diversas igrejas. O trabalho de sineiro era braçal. Por isso, até o século 19, a maior parte da mão de obra era escrava.

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Em Minas, patrimônio imaterial

* A tradição, também presente nas cidades mineiras de São João Del Rey, Ouro Preto, Congonhas, Mariana, Diamantina, Sabará, Serro, Catas Altas e Tiradentes, é uma referência importante para o cotidiano e identidade local. Em 2009, foi declarado patrimônio cultural imaterial do Brasil.

* São João Del Rey é conhecida como a terra onde os sinos falam, pois carrega uma cultura secular de sineiros que encantam a cidade em dia festivo. Existe até uma linguagem dos sinos com padrões e toques especiais para cada celebração.

* Toques, repiques, e improvisos marcam a rotina dos moradores. Essa cultura de se comunicar por meio dos toques musicais foi trazida ao Brasil pelos portugueses, principalmente para registrar celebrações da igreja católica.

Ritmo africano

* Mas um estudo comprovou que o conteúdo musical dos sinos em Minas também tem forte influência de ritmos afro-brasileiros.

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* O estudante de música da Universidade Federal de São João Del Rei (UFJS), Yuri Vieira, estudou o dossiê feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que documentou a tradição dos sinos. Conforme Yuri Vieira, muitos livros contam a história de atuação dos negros escravizados como sineiros. Assim, o pesquisador fez uma conexão: sendo os negros responsáveis por tocar os sinos e tinham uma origem musical muito própria, pode ser que tenham colocado um pouco de ritmos deles nas badaladas.

Toque padrão

* Em 1707, o bispado da Bahia padronizou os toques de sinos do Brasil com os de Portugal e formalizou a decisão em um documento, que foi distribuído para várias cidades do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Convocação para revoltas

* Está nos livros de história da Bahia: em 25 de outubro de 1836, os sinos tocaram para chamar a 'Cemiterada', revolta de participação popular organizada pelas irmandades e ordens terceiras de Salvador contra a criação do Cemitério do Campo Santo e, principalmente, contra a lei que entraria em vigor proibindo o tradicional costume de fazer enterros nas igrejas. Para convocar o povo, que se reuniu no Terreiro de Jesus, vários sinos foram tocados na cidade.

O czar dos sinos

* Considerado o maior sino do mundo, o Tzar Kolokol, na Catedral de Assunção, em Moscou, na Rússia, foi fundido em 1733 e mede sete metros de altura, seis de diâmetro e pesa 201 toneladas.

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