Depois dos zumbis, os fantasmas – ainda que os da literatura. Quatro anos após o lançamento do romance Areia nos Dentes, que misturava faroeste e zumbis, o escritor porto-alegrense Antônio Xerxenesky autografa amanhã, às 19h, na Palavraria a coletânea de contos A Página Assombrada por Fantasmas, na qual discute as relações entre o leitor e a literatura.
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O livro é o terceiro de Xerxenesky, 26 anos, que estreou em 2006 com outro volume de contos, Entre. A Página Assombrada por Fantasmas é sua primeira obra inédita por editora de abrangência nacional (a Rocco), após a boa recepção de público e crítica com Areia nos Dentes, originalmente publicado pela Não Editora. O volume enfileira nove contos nos quais a literatura constrói um sentido total ou parcial para a vida dos personagens.
A primeira história já é uma amostra do que o leitor encontrará ao longo dos textos seguintes. O Escritor no Castelo Alto, título do conto, faz referência ao romance de Philip K. Dick no qual se narra a história alternativa de um mundo em que o Eixo venceu a II Guerra e a única versão de nossa realidade como ela é reside justamente em um livro, um romance proibido com o mesmo nome do livro “real”.
No conto de Xerxenesky, um jovem autor em início de carreira marca uma entrevista com um autor consagrado, seu ídolo, e, ansioso, passa a história inteira a imaginar como será seu encontro com o escritor que é sua referência. A cada vez, o protagonista se vê reiterando um aspecto diferente do sonho estereotipado da vida literária, da aceitação à rejeição constrangida, contrapondo os jogos de aparências entre a vida e a escrita.
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– Sinto que escrevi também um livro sobre o desencanto, sobre a separação entre o mundo abstrato da literatura e o mundo de “carne e osso” dos escritores. O primeiro conto tem um jovem idealista conhecendo ao vivo uma pessoa que admira pelas suas obras. Os outros contos, por sua vez, mostram um lado mais desabonador dessas figuras literárias – diz Xerxenesky, por e-mail (leia a entrevista completa no Mundo Livro).
Os contos seguintes também se mostram pastiches de gêneros literários notoriamente demarcados. Esse Maldito Sotaque Russo parodia as histórias de detetive por meio de um protagonista obcecado por desvendar a real identidade de um dos mais famosos reclusos da literatura mundial, o americano Thomas Pynchon. A Página Assombrada por Fantasmas usa Borges para reler um dos motes recorrentes da literatura (e mesmo da crítica) latino-americana: a obra do mestre argentino como consequência natural da Buenos Aires labiríntica e, de certo modo, ameaçadora em que ele viveu.
Sequestrando Cervantes volta ao tema clássico da ficção científica mais pessimista (incluindo a de Philip K. Dick, já citado na primeira narrativa): a de uma conspiração governamental para alterar a realidade conhecida pelos cidadãos. Em uma mudança dos temas desenvolvidos no livro, essa “realidade” a ser alterada é o texto de um clássico – os textos, afinal, formam a visão de mundo, logo, por que seriam imunes às tentativas de manipulação das autoridades? É essa a ligação que faz Xerxenesky escrever tanto sobre livros? Escrever sobre livros é escrever também sobre o real, a seu modo?
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– A metaficção parece inescapável para mim. Em Areia nos Dentes, usei todo um cenário de Velho Oeste para discutir as funções das narrativas, as motivações secretas dos narradores etc. Já em A Página Assombrada por Fantasmas, resolvi fazer o caminho inverso. Falar de literatura como desculpa para chegar ao ser humano. Acho que a literatura não pode, de modo algum, se deixar levar pelo “jogo pelo jogo”, o “artifício pelo artifício”.
E esse é um erro que até um dos meus “mestres pessoais”, Vila-Matas, caiu, uma que outra vez. Portanto, minha preocupação ao escrever A Página Assombrada… foi fazer um livro que sim, tivesse como tema central a própria literatura, mas que fosse extremamente humano – e acessível. Não quero ser lido apenas por outros escritores e críticos. Quero trabalhar com a relação entre literatura e vida, mas não quero, de modo algum, esquecer a parte da “vida”.