Quando uma viagem é concebida como fuga, mesmo que bem-sucedida, ela está fadada a ser temporária. É o que vivem as protagonistas do novo romance de Carol Bensimon, Todos Nós Adorávamos Caubóis, que terá sessão de autógrafos na próxima quinta-feira, às 19h, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping Country (Túlio de Rose, 80).
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Todos nós Adorávamos Caubóis é o terceiro livro de Carol Bensimon – na sequência dos contos de Pó de Parede (2008) e do romance Sinuca Embaixo D?Água (2009). O primeiro capítulo da narrativa já havia sido publicado na Granta com os 20 melhores escritores brasileiros abaixo de 40 anos, editada no ano passado. No centro da trama estão duas jovens, Cora e Julia. A primeira, foco da narrativa, vive em Paris. A segunda, no Canadá. Em um momento de crise pessoal mútua, ambas se lançam à realização de um projeto que acalentaram durante seus anos de faculdade: pegar um carro e sair desbravando sem direção o interior do Estado.
A jornada a esmo passa por Antônio Prado, São Marcos, Minas do Camaquã, Bagé, Soledade. Mesmo quando as personagens chegam a um centro urbano, a preferência delas – e da narrativa – é pelos espaços amplos e ermos, distritos, cidades fantasmas, monumentos em lugares pouco visitados.
– Eu queria fugir dos grandes centros, descobrir espaços mais isolados – diz Carol Bensimon, que, nascida e criada em Porto Alegre, viajou pelo interior para captar a ambientação da história.
O resultado é um romance que, a seu modo, questiona os próprios fundamentos da narrativa de estrada – gênero que floresceu com mais popularidade no cinema do que propriamente na literatura. Para começar, a jornada é protagonizada por duas mulheres – algo incomum em um tipo de aventura tradicionalmente reservado a personagens masculinos.
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A narrativa de estrada, por enfocar os encontros e acidentes fortuitos a que o personagem se expõe no caminho, costuma também ser um relato composto de puro presente. No livro de Carol Bensimon, o passado imiscuiu-se o tempo todo na jornada de Cora e Julia: a vida de Cora em Paris; a ainda mal resolvida e ambígua relação amorosa que as duas viveram no passado, quando estudantes; um trauma familiar na vida de Julia; as arestas da convivência de Cora com a própria família, principalmente com o pai que, na meia-idade, casou-se com uma mulher 25 anos mais nova e está para ter um filho. A viagem, portanto, também é um bom pretexto para que Cora fuja de seus problemas familiares.
Outro ponto de tensão entre o modelo da narrativa de estrada e Todos Nós Adorávamos Caubóis é a própria disposição de ânimo de Cora. Apesar do deslocamento físico ser relatado no livro, parte do romance também se passa em espaços confinados: os hotéis em que ambas se hospedam, o carro no qual viajam e, principalmente, a cabeça da própria Cora. Embora estejam realizando o projeto de uma “viagem sem planos”, e, portanto, aberta ao acaso, o fato é que Cora tem, sim, um plano: avançar para além da ambiguidade sua relação com Julia, inevitavelmente retomada ao longo da viagem. Com esse objetivo em mente, Cora não está tão aberta assim aos que cruzam seu caminho – a certa altura do livro, sua companheira de viagem a acusa de tratar com distância superior todos os que encontram. Os contatos de Cora com os demais, se não chegam a ser hostis, também estão longe de ser amigáveis, mais semelhantes a uma perplexidade afetada.
– Ela parece estar julgando os demais o tempo todo e, em certos momentos, é perceptível que essa característica de ela ser uma pessoa deslocada é em parte criada por ela mesma – diz Carol.
TRECHO
“Tudo o que fizemos foi tomar a BR-116, passando sob pontes com slogans de cidades que não tínhamos a mínima intenção de visitar, ou que falavam na volta de Cristo e na contagem para o fim do mundo. Deixamos para trás as ruas suburbanas cujo início é marcado pela rodovia, que depois vão se perder em um parque industrial e nos casebres jogados em volta de um arroio, onde os cachorros vadios se arrastam e quase nunca latem, e seguimos, seguimos até a reta virar curva. Eu dirigia. Julia está com os pés sobre o painel. Eu raramente podia olhar para ela. Quando ela não sabia a letra das músicas, cantarolava, “Tu mudou o cabelo”, eu disse, olhando de relance para a franja dela. Júlia respondeu: “Há mais ou menos dois anos, Cora”. Nós rimos enquanto subíamos a serra. Isso foi o começo de nossa viagem.”
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TODOS NÓS ADORÁVAMOS CAUBÓIS
De Carol Bensimon
Romance. Companhia das Letras, 192 páginas, R$ 37.