O número de ciclistas mortos em acidentes nas rodovias federais de Santa Catarina nos primeiros quatro meses de 2019 já é quase igual ao número de mortes registradas em todo o ano passado. É o que aponta o levantamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) do Estado a pedido da reportagem.

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Sete ciclistas perderam a vida nas BRs catarinenses entre janeiro e o dia 8 de maio. Em 2018, foram oito ao longo de todo o ano. O caso mais recente foi do atleta de ciclismo da equipe do Avaí e medalhista Parapan-Americano, Edson Luiz de Rezende, de 33 anos. Edinho, como era conhecido, morreu após ser atropelado por um caminhão na marginal da BR-101, em São José, na Grande Florianópolis.

O ciclista estava em uma bicicleta de dois lugares (chamada de Tandem) junto com o paratleta Orides Lima, que é deficiente visual e sofreu ferimentos leves. O atleta costumava fazer o trajeto pela BR-101 para treinar. Pelo terceiro ano consecutivo, Edson Rezende disputava competições de paraciclismo pela equipe do Avaí/São José.

Para o inspetor da PRF, Adriano Fiamoncini, além da falta de estrutura destinada a quem pedala, o aumento considerável no número de ciclistas amadores nas vias foi um dos fatores que impactaram nas estatísticas. Entretanto, essa realidade é muito mais ampla. O inspetor ressalta que as rodovias também são utilizadas por quem usa a bicicleta como meio de transporte, geralmente moradores locais.

— É um reflexo da urbanização desenfreada, as cidades estão engolindo as rodovias — pontua.

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Após a morte de dois ciclistas em menos de 24 horas na BR-101, em São José e Palhoça, na Grande Florianópolis, o inspetor destacou, em entrevista à CBN Diário, a falta de infraestrutura adequada para garantir a segurança dos ciclistas e o perigo oferecido pela rodovia.

— Infelizmente, os ciclistas são a parte mais frágil. A gente precisa de ciclovias. O ciclista acaba se misturando com o trânsito pesado. A gente vive um caos urbano em Palhoça, São José e Biguaçu — afirmou na ocasião.

Movimento social pede que rodovias sejam planejadas para ciclistas e pedestres

A falta de infraestrutura e de educação dos motoristas são os dois grandes problemas enfrentados por quem pedala nas rodovias federais do Estado. É o que conta o diretor geral da Associação Mobilidade por Bicicleta e Modos Sustentáveis (AMoBici), Fabiano Faga Pacheco.

— A educação está diretamente ligada à fiscalização. Em Santa Catarina é bem evidente que quanto menos se fiscaliza mais os maus motoristas abusam, da velocidade principalmente, porque é algo possível de ser medido — destaca.

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Neste aspecto educativo, a atuação do poder público é fundamental de acordo com ele, entretanto é algo que tem sido ignorado.

— É tudo muito pontual. Tem melhorado nos últimos três anos, a atuação junto à Rede Vida no Trânsito tem sido importante. Apesar da melhora, ainda é insuficiente — afirma.

Mas o problema é mais complexo e passa por questões relacionadas ao aspecto histórico do crescimento das cidades de acordo com Faga Pacheco. A urbanização no entorno das rodovias, como é o caso da BR-101, que atravessa os municípios do litoral catarinense, é exemplo disso.

Para o diretor geral da Amobici, esse fator não pode ser uma justificativa para ignorar a presença dos ciclistas nas rodovias. O recente pedido da Polícia Rodoviária Federal de SC, em entrevista a CBN Diário, para que os ciclistas evitem as rodovias foi recebido com indignação por quem precisa transitar na via de bicicleta.

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— Não existe só os esportistas. A PRF ignora que há vários ciclistas trabalhadores que têm que utilizar a BR-101 porque não têm outra opção para ir trabalhar. Pedir para evitar a BR é se omitir, é agir de maneira contrária à sua função, pois ela deveria promover a segurança na circulação dos ciclistas — critica.

Ele destaca ainda que a dificuldade de transitar nas vias federais a pé ou de bicicleta remete a problemas que passam pela própria noção de trânsito que se tem hoje no Estado.

No âmbito da Grande Florianópolis, região que registrou as recentes mortes de ciclistas em acidentes, Faga Pacheco conta que as principais reivindicações do movimento são duas: o cumprimento das ações previstas no Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis (Plamus) e a construção imediata de ciclofaixa e, futuramente, de uma ciclovia em ambos os lados das marginais — tendo em vista a retirada do acostamento.

A falta de estrutura adequada para ciclistas e pedestres transitarem com segurança nas BRs é o que obrigada a utilização do acostamento para esses públicos segundo ele.

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— Estão ignorando a presença do ciclista e é o que tem resultado em morte — destacou.

Em relação à infraestrutura, o problema começa ainda na fase de planejamento das obras segundo Faga Pacheco. Isso porque os principais eixos de deslocamento feito pelas pessoas que andam a pé ou de bicicleta são ignorados, assim as próprias passarelas de travessia, que são feitas pensando no veículo automotor de acordo ele, pois frequentemente são feitas em local inadequado.

— Tem ciclista que, por conta da engenharia da via, é obrigado a andar na contramão, fazendo com que a infraestrutura tenha que descumprir a lei, porque não se pensou que o ciclista vai e volta pelo mesmo caminho. A alternativa acaba sendo tendo que dar um contorno de vários quilômetros.

Ao estimular as pessoas a utilizarem os carros, o resultado é congestionamento, esgotando a capacidade da via, o que demanda mais dinheiro público de acordo com Faga Pacheco.

— Está dando um ônus coletivo muito grande investindo nesse modelo [ de priorização do veículo individual]. Seja em razão do maior investimento das vias, seja em razão da saúde das pessoas. Isso pra mim não é fazer uma boa gestão dos recursos públicos — finaliza.

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