Após o processo vir à público, devido às manifestações de entidades do ensino superior e à repercussão nas redes sociais, a mestranda Ana Caroline Campagnolo, que pede indenização por danos morais em processo por perseguição ideológica contra a professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Marlene de Fáveri, concedeu entrevista ao Diário Catarinense, por telefone, na manhã desta quarta-feira.

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Ana reforçou a motivação do processo, que ainda tramita na Justiça. Conforme a estudante da pós-graduação, ela já havia tido outros professores com ideologias distintas das suas, mas convivido bem com todos eles. Isso não teria acontecido com Marlene.

— Ela não está sendo processada por ser minha professora, por ser feminista ou por falar sobre feminismo em sala de aula. O problema é que quando ela ficou sabendo disso [que Ana era cristã e antifeminista], começou a me atacar em sala de aula. Ela considera, a priori, que um aluno cristão envergonha o curso por ser fascista, homofóbico e racista, o que eu não sou — diz a estudante, que também é professora de História, mas na educação básica, em Chapecó.

Ao longo da entrevista abaixo, a mestranda ainda comenta a relação do caso com o movimento Escola Sem Partido que, segundo ela, não teria provocado-a para mover a ação por danos morais, como vem sendo acusada. Ao criticar a formação de universidades públicas como a Udesc, cita como exemplo o juramento dos formandos em História deste ano, quando os alunos manifestaram-se contra o presidente Michel Temer.

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— Como é que pode um curso inteiro ter o mesmo engajamento político? É no mínimo estranho que em determinada área da ciência tenham a mesma visão política sobre o país — opina.

Leia a entrevista:

De acordo com o que consta no processo, todo o desentendimento parece ter começado com a divulgação feita por você de um vídeo. O arquivo não se encontra mais disponível. Do que se tratava?

Esse vídeo foi uma entrevista de um outro canal, então não foi publicado por mim, que foi transmitido ao vivo pelo Conexão Conservadora. Tem basicamente o mesmo teor de todos os outros vídeos que estão no meu canal Vlogoteca.com. É um vídeo antifeminista. É isso que a priori desafiou a professora, porque ali está dizendo que eu não sou feminista. Nos autos, a professora alega que o vídeo foi retirado por ordem judicial, o que não é verdade. O canal Conexão Conservadora não está mais atuando. O vídeo foi ao vivo. Provavelmente eles deixaram o vídeo no ar por um tempo e depois excluíram, como fizeram com vários outros. O vídeo não foi excluído por ordem judicial, nem por ordem minha, porque o canal não é meu. O vídeo não cita o nome da professora.

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Depois daquele episódio em sala de aula, que você diz ter sido confrontada pela professora e pela turma por conta do vídeo, como foi a tua vivência na Udesc?

Na verdade, desde o dia que me descobriram cristã, eu não tive amigos na universidade. Não tive colegas para fazer trabalho em dupla. Ninguém queria me ajudar, conversar comigo, ficar comigo na hora do lanche, essas coisas. A partir do momento que eles acharam, que a professora começou a reclamar do meu comportamento, daí eles receberam o respaldo da professora, aí o comportamento deles ficou ainda mais hostil contra mim. O único amigo que eu tive na graduação inteira foi um menino negro e gay. A professora me acusa de ser homofóbica e racista, mas o único que ficou do meu lado como meu amigo, em alguns momentos me ajudou em trabalhos, foi um rapaz negro, gay e também marxista. Em momento nenhum eu tive essas posturas racistas ou homofóbicas que ela alega que eu tenho. Eu consegui [continuar o mestrado], porque trocaram a minha orientação. Eu consegui levar do ponto de vista institucional, o problema é que a temática que eu estudei desde o início da graduação, que era a temática do comportamento feminino ou da violência contra a mulher, ela foi totalmente transformada pelo colegiado porque nenhum professor feminista queria me orientar. Então eu tive que trocar por um tema que eu nunca tinha lido, que eu desconhecia totalmente e não tinha interesse.

Tu te colocas como uma antifeminista. Por que tu acabaste optando por um tema que conversa tanto com a luta feminista, que é a violência contra a mulher?

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Primeiro, porque isso aí já é um erro. Esse monopólio do combate à violência.

Mas é uma das pautas do movimento feminista. Tu concordas com isso?

Sim. Eu optei pelo tema porque quando você escolhe um curso de mestrado, você precisa verificar quais são as áreas de atuação dos orientadores e em qual delas você se encaixa mais. Como aqui na minha cidade não tinha [mestrado], eu tive que optar entre UFSC e Udesc. E, depois, eu tive que optar entre as temáticas que mais tinham a ver com linha de pesquisa do curso. Meu trabalho, a princípio, tinha toda a intenção de observar os fatos verificados nos inquéritos através das autoras feministas. Em momento nenhum eu quis fazer um trabalho antifeminista, por isso eu escolhi uma professora específica de um curso com grupo de gênero. Era uma investigação, né?

Tu falas que em momento algum tu trouxeste as tuas opiniões enquanto cristã e antifeminista para a sala de aula. Tu achas que é possível fazer essa separação entre quem se é nas redes sociais, quem se é no ambiente offline e, por último, quem se é na academia?

No caso de um estudante de ciências humanas, não é possível, mas é obrigatório fazer essa distinção. Ou você não fica na sala de aula. Você transforma a sala em um debate sobre se o cristianismo presta ou não. É quase uma obrigação de convívio você fazer essa separação para não tornar o ambiente universitário um debate atrás do outro.

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Na tua visão, o cenário ideal seria aquele em que tu poderias ter um posicionamento nas redes sociais que não teria interferência nenhuma na tua vivência acadêmica?

O cenário ideal seria aquele em que aquilo que eu digo nas redes sociais, aquilo que eu sou e a minha fé não causem repulsa e discriminação no meio acadêmico. Só que eu sei que isso não é assim e, portanto, eu separei as esferas. O meu objetivo no curso de História não era fazer um tratado teológico de como Deus quer que a mulher seja. O meu objetivo era fazer uma pesquisa dentro dos parâmetros da universidade, com tema, tempo, local, abordagem… Para você ficar naquilo ali, você não precisa ficar divagando sobre um assunto.

Tu diz ter sofrido mais pela discriminação religiosa do que por divergir do movimento feminista. O que pesa mais para ti: um possível cerceamento da tua fé ou da tua visão política em relação ao feminismo?

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Nos primeiros e-mails que ela [professora Marlene] me enviou, que ela diz que eu estava sendo denunciada, a primeira [causa] foi a temática religiosa. Eu considero que ela deve ter feito a mesma ligação que eu. É impossível que uma cristã tradicional, que ela chama de fundamentalista, ser feminista. Disso conclui-se a impossibilidade de ela, da impotência dela, diante do fato de que ela jamais me transformaria numa feminista. (…) Na minha vida, a coisa mais importante é a religião. Se eu achar que Jesus quer que eu seja feminista, eu vou ser feminista, mas eu não acho que esse seja o caso.

Algumas entidades têm se manifestado de forma favorável à professora Marlene. Você se sente desamparada, uma vez que também é professora?

Não me sinto desamparada em momento algum, porque sei que a maioria das pessoas reconhece esse caso como criminoso. Quanto a não receber apoio dessas instituições, é ruim, é absurdo, mas é totalmente previsível dado o engajamento ideológico que elas têm, que é o mesmo que a professora. Em momento algum eu esperei que essas instituições entrassem a meu favor e o fato de elas entrarem a favor da professora e de a professora procurar a ajuda dessas instituições só reforça o que eu digo no processo. A maioria das professoras, das pessoas, de quem tem poder e lidera o ambiente acadêmico, [são] todas contra uma pessoa só. É óbvio que outros alunos e professores de História concordam muito comigo. Se eu fosse buscar moções de apoio, eu conseguiria inúmeras, de várias igrejas, da bancada evangélica, conseguiria infinitas. O que eu acho dessas moções de apoio é que elas são irrelevantes em juízo.

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Tu, que és professora, vê importância em uma formação crítica? Acredita que isso seja possível por meio do movimento Escola Sem Partido?

Eu acredito que o movimento Escola Sem Partido é o primeiro passo para que realmente haja uma formação crítica dos alunos. Porque uma formação crítica acontece quando os alunos têm identidade e pensamento peculiar. O que a gente vê na escola e na universidade hoje é que elas são todas iguais. Se as pessoas pensam igual, não existe pensamento crítico. A Escola Sem Partido é o primeiro passo para que comece a existir o pensamento crítico, onde o indivíduo seja valorizado nas suas peculiaridades e não tem que transformar esse sujeito em um sujeito igual a outros sujeitos. É acabar com a uniformidade de pensamento dentro da escola e dentro da sala de aula.

Qual desfecho tu esperas para o processo?

Tendo em vista que eu tenho inúmeras provas e a lei a meu favor, e que ela [professora Marlene] só tem a aprovação dos amigos, eu acredito que essa decisão do juiz vai ser favorável a mim. Até porque eu confio no juiz e no Tribunal de Justiça e ela, como sempre disse, não confia que um homem possa julgá-la. Então eu acho que ela tem uma total desconfiança do Tribunal de Justiça, por isso que ela procurou o apoio da mídia. Quem divulgou o nome da ré foi a própria ré. Por que alguém faria isso a não ser pela confiança na mídia? Em contrapartida, eu confio no trabalho do juiz. Acredito que ele vai ponderar com base nas provas e que vai ter a mesma postura que eu tenho, de ignorar essas manifestações.

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O DC também procurou a professora Marlene de Fáveri para uma entrevista, mas após reunião com sua advogada na tarde desta quarta-feira, ela optou por não se manifestar. Disse que todas as informações estão no processo.

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