Antes mesmo de sair de casa para a rodoviária, a primeira oração. É um pedido de segurança feito por uma passageira de 65 anos, antes de encarar o trajeto entre Blumenau e São Paulo em um ônibus de linha interestadual. A prece se repete após o embarque no coletivo, na noite da última terça-feira, dia 18, como forma de acalmar o nervosismo que antecede a travessia por uma das rotas mais violentas do Sul do país durante a madrugada.
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– Viajo há mais de 15 anos para ver minha família que mora em São Paulo e volto pelo mesmo caminho. Fiquei pasma ao saber que na mesma madrugada (dia 12 de fevereiro) dois ônibus com pessoas daqui (de SC) foram assaltados. Se acontece comigo, nem sei o que fazer – comenta a passageira, que preferiu não se identificar.
Em menos de dois meses, entre o início de janeiro e a primeira quinzena de fevereiro deste ano, seis ônibus que saíram de Santa Catarina com destino a São Paulo foram atacados por assaltantes em rodovias do Paraná, segundo a Associação das Empresas de Transporte, Turismo e Fretamento de SC (Aettusc). Em SC não houve casos.
Dos cinco veículos rendidos, quatro eram fretados por comerciantes ou turistas. O outro era de linha interestadual e tinha, entre os passageiros, um vigilante da cidade de Blumenau, que reagiu à tentativa de assalto. O ataque ocorreu no dia 12 de fevereiro, quando três criminosos morreram durante a ação e uma passageira ficou ferida sem gravidade. Foi o último registro de assalto desde então, na principal rota utilizada pelos ônibus que partem do Sul do país, rumo à maior cidade do país.
Em depoimento escrito a próprio punho para a Polícia Rodoviária Federal (PRF) do Paraná, logo após a ação ocorrida em Campina Grande do Sul, na BR-116, região Metropolitana de Curitiba, o catarinense que estava sentado na poltrona número um do ônibus, e que não será identificado por segurança, justifica a reação:
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– Os assaltantes entraram no ônibus agredindo os passageiros e atirando, quando, temendo por minha vida, reagi.
O ônibus em que viajava era da Viação Catarinense, empresa que teve outro veículo rendido por criminosos horas antes, na mesma rodovia, porém, na rota contrária, no retorno de São Paulo. Em nota, a Viação Catarinense informou que “colabora com os responsáveis – ANTT e PRF – para buscar aprimoramentos e soluções para o problema de segurança nas estradas, que é uma importante questão de segurança pública e fundamental em nossas viagens diariamente”.
Nove casos neste ano
Em 2020 foram nove assaltos a ônibus nas rodovias federais do PR, segundo a PRF. Os números contabilizam casos entre 1º de janeiro e 12 de fevereiro, e levam em consideração o roubo contra o coletivo de linha que foi rendido enquanto retornava de SP para SC na mesma madrugada, em que três suspeitos morreram na rodovia, durante tentativa de roubo.
Em 2019, o número de crimes que vitimou catarinenses que passaram pelo Paraná em ônibus de viagem representa 42% do total de assaltos ocorridos nas rodovias federais em território paranaense. Das 38 ocorrências, pelo menos 16 foram contra coletivos que faziam a rota de Santa Catarina para São Paulo ou Rio de Janeiro, contabilizou a Aettusc.
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Por meio de nota, a Polícia Rodoviária Federal do PR informou que os roubos “se dão em razão da precária rede de telefonia, aclive que proporciona uma desaceleração do veículo e a presença de olheiros, que monitoram as viaturas e posicionamentos, dificultando a abordagem durante a ação criminosa. Os alvos são ônibus que transportam passageiros que têm destino centros de compras, como São Paulo e Paraguai. A razão recai na grande soma de dinheiro vivo que é transportado”.
A PRF ainda disse que operações conjuntas com outros órgãos de segurança são executadas desde 2014 para minimizar a violência nas rodovias e que, desde então, já prendeu 64 pessoas por esse tipo de crime.
Concessionária diz que investe em segurança
Preocupado com a onda de crimes, o presidente da Associação das Empresas de Transporte Turismo e Fretamento de SC (Aettusc), José Marciel Neis, concorda com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) em relação à precariedade da rede telefônica, mas rebate a informação de que os ônibus são alvos escolhidos porque os passageiros carregam altos valores:
– Hoje a maioria dos lojistas não leva mais dinheiro. Passageiro que vai fazer viagem de compra usa cartão ou outras formas de pagamento, até mesmo para minimizar as perdas. Inclusive, os assaltos estão ficando mais violentos porque o bandido vai para assaltar o ônibus, não tem mais o dinheiro que espera, ele fica bravo e acaba agredindo as pessoas e dando tiro para assustar – diz.
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Também através de nota, a concessionária Arteris, responsável pelo principal trecho onde são vitimados os catarinenses, manifestou que faz amplo monitoramento nas rodovias tanto por meio de câmeras, quanto com as viaturas de inspeção de tráfego e que as ocorrências identificadas por ela como risco à segurança do usuário são imediatamente compartilhadas com autoridades e órgãos competentes.
A empresa informa que “para aumentar a segurança em suas rodovias, também investe na implantação de iluminação e novas câmeras. Só no estado do Paraná, na BR-376, estão sendo implantadas novas câmeras, fazendo com que o trecho passe de 40 para 79 equipamentos. Na BR-116, por sua vez, o total de câmeras está passando de 51 para 70. Ambos os trechos foram ainda contemplados com mais de 104 novos quilômetros de iluminação”.
A concessionária ainda aponta estar comprometida em buscar parcerias para beneficiar o usuário em relação aos problemas de telefonia, através da implantação de torres de telecomunicações.
Números reduziram em SC
Ao contrário do que ocorre no Paraná, em Santa Catarina os números de assaltos a ônibus reduziram nos últimos anos. Em 2019 ocorreram apenas três roubos em solo catarinense contra ônibus que levavam comerciantes para outras regiões do país. Eles ocorreram em Araquari, nos meses de abril e agosto, e em Ponte Serrada, no mês de novembro. Em 2018, foram oito assaltos no Estado, e em 2017, nove.
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Chefe de comunicação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em SC, Luiz Graziano diz que apesar da redução no Estado, o combate é difícil:
– Eles (os assaltantes) conseguem informações com passageiros, agências de turismo ou até mesmo com funcionários das empresas que realizam o transporte. Utilizam veículos roubados, com placas frias (clonadas), que são incendiados após o crime. É um universo muito grande envolvido nesses assaltos.
“Reação não é recomendada”, orienta PRF-SC
O inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de SC, Luiz Graziano, ressalta que a recomendação nesses casos é para que as vítimas não reajam. De acordo com ele, os assaltantes em geral atuam sob forte estresse e qualquer movimento pode motivar um disparo de arma de fogo ou uma agressão.
A reação das vítimas não é recomendada, porque você se coloca e coloca muita gente em risco. Nesse caso, por exemplo, evitou-se o assalto, mas uma mulher levou um tiro de raspão. Poderia ter morrido".
Luiz Graziano, inspetor da PRF
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– A reação das vítimas não é recomendada, porque você se coloca e coloca muita gente em risco. Nesse caso, por exemplo, evitou-se o assalto, mas uma mulher levou um tiro de raspão. Poderia ter morrido – comentou o policial.
Graziano orienta que o que pode ser feito é tomar medidas preventivas, como não levar dinheiro em espécie em viagens de ônibus e não passar informações sobre a viagem para outras pessoas.