– É logo ali, depois da curva você já vai ver os carros estacionados – orienta um homem moreno de meia-idade em frente a um bar no ponto em que o aplicativo de mapas já não é tão claro. De fato, bastou seguir por uns 500 metros até encontrar veículos de diferentes marcas e para diferentes bolsos, com tarjetas de cidades de todo o país, em volta de uma propriedade no bairro Rio Branco, em Brusque. Na entrada, uma faixa de TNT branco dá as boas-vindas: ¿Saudamos os amigos do dominó¿.
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A 12ª edição do Torneio de Dominó do Bóca Cunha, empresário de Brusque que no ano passado foi prefeito da cidade pelos últimos sete meses de mandato, levou cerca de 500 pessoas à chácara de Bóca (PP) – ou José Luiz, para os mais zelosos pelos nomes dados em cartório.
Já na entrada era possível ver organizadas tendas para inscrições e identificação de convidados. No meio do terreno, uma lagoa cercada por bancos e deques de madeira servem de aconchego aos que se regozijam de uma justa preguiça de sábado à tarde. No aclive poucos metros à frente, sob a maior das tendas, 128 duplas de jogadores disputam o título que poderia render um lugar na calçada da fama do evento no ano que vem.
Tradição do evento começou 11 anos atrás
O torneio começou em 2006, com apenas 30 duplas, para celebrar o gosto pelo jogo e ajudar entidades. Hoje, mais do que um dia de encontro entre amigos que apreciam o barulho do embaralhar das pedras cor de osso, é um ponto de encontro de deputados, juízes, ministros e políticos em geral, além de empresários e simpatizantes da modalidade. Houve quem lembrasse que o número de políticos este ano estava menor e caçoou sugerindo que isso poderia ter relação com a imensidão de denúncias país afora.
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Ironias à parte, na edição deste sábado nomes como o deputado federal Décio Lima (PT), os ex-governadores Paulo Afonso (PMDB) e Leonel Pavan (PSDB) voltaram a testar a habilidade de enfileirar duques e ternos sobre a mesa no encontro em Brusque.
O compadrio do dominó pode até surpreender quem viu o mundo político em ebulição nas últimas semanas em Brasília. Entre os competidores, no entanto, a participação no torneio não parecia ser vista como falta de compromisso com o momento. Pelo contrário. Entre uma rodada e outra, enquanto um embaralha as peças e outro anota os pontos em canhotos de papel de fina espessura, sempre era tempo para um comentário sobre a crise, uma pergunta, uma sugestão ou uma pedra cantada para interromper o efeito dominó que vem se desenhando no jogo político.
Visões sobre o terremoto em Brasília
Em tempos de escutas, perícias e gravações questionadas, era ao som de clássicos como Telefone Mudo que as duplas competiam, entre uma feijoada, um café ou mesmo um cuba – o drinque, não a ilha socialista.
Na mesa de jogo, o deputado federal Espiridião Amin (PP) observava as pedras com poucas palavras e seriedade de competidor. O hobby típico das praças de Florianópolis é mantido pelo parlamentar desde os tempos de governador. Ainda orgulhoso da classificação recém-obtida, Amin conversa sobre o que define como ¿momento de turbulência¿ no país com problemas como as denúncias e o desemprego. Garante que ao Congresso cabe, por enquanto, apenas esperar a Justiça fazer seu trabalho e que o desejo comum é de que tudo seja passado a limpo, e logo.
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– Espero que dia 6 de junho (quando será julgado no TSE o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer) seja um dia D. O pior que pode acontecer é se postergar a decisão porque a sociedade quer uma resposta rápida – pontua.
Uma das presenças de mais expressão no sábado foi a do ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e suplente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cuja atuação foi decisiva para o prosseguimento da Lava-Jato. Ciente da possibilidade de ter que julgar algum dos casos ligados às recentes denúncias contra políticos, evitou entrar em divididas sobre os méritos dos processos. Mas salientou que o Judiciário faz a sua parte e que há aspectos positivos no noticiário político desmotivador.
– Tem que ter uma solução e não se pode esperar muito. Apesar disso, é preciso entender que é possível que haja um pedido de vistas (no julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE), é algo que faz parte do processo. Mas precisamos destacar que a sociedade brasileira não conhece os 11 jogadores da Seleção Brasileira, mas hoje sabe os nomes dos 11 ministros do STF. É sinal de que ela está acompanhando, é algo muito positivo – avalia.
Lições do dominó para tempos difíceis na política
Entre tantos senhores de cabelos brancos nas mesas de dominó está João Manoel da Silva, comerciário aposentado de Balneário Camboriú, 88 anos. Ele disputou o torneio formando dupla com o filho, Carlos Humberto Silva, e também na companhia da terceira geração, representada pelo neto Carlos Humberto Metzner Silva, que é vice-prefeito da cidade.
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João já escreveu livros sobre dominó e é chamado pela honrosa alcunha de professor pelos demais competidores. Ele fala sobre dominó como um avô que conta histórias dos netos. Pudera, é um jogo que pratica desde os oito anos – e que, segundo ele, é capaz de ensinar uma série de lições, como rapidez de raciocínio.
– Cada naipe tem sete pedras. Se eu tenho quatro pedras de sena, quantas estão fora? Três. E quais são? Isso é um grande exercício de memorização, que até previne problemas de demência e Alzheimer – sustenta.
Poderia o estímulo também ajudar a evitar problemas de memória seletiva em tempos de desvios éticos generalizados entre partidos?
Embora a proposta seja um jogo de cavalheiros, sem apostas e sem tolerância para malandragens, o professor João alerta que o jogo pode ser sim terreno fértil para quem não é exatamente um defensor do fair-play nas mesas, e até cita alguns truques mais comuns – alguma semelhança com o tabuleiro da política?
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– Pode não se discutir religião, futebol, política, mas o dominó faz a família, faz amizades. Este é o princípio do jogo – declara João.
Um espírito de integração e de respeito a diferenças que hoje tumultuam ainda mais o contexto político. Um espírito que, nas mesas de jogo no sábado, permitiram que duplas com ideias possivelmente diferentes sobre o que o Brasil precisa passassem um dia em harmonia com objetivos em comum. Até porque, adaptando o provérbio chinês sobre o xadrez, quando a partida acaba as pedras de todos os naipes vão para a mesma caixa.