Da primeira a última página, o livro Amor Down emociona. Faz a gente chorar junto com os pais na hora em que eles recebem o diagnóstico de que o filho tão esperado é portador de um distúrbio genético. Também nos faz torcer para que os momentos mais difíceis sejam superados pelas famílias e, ainda, nos deixa feliz diante de tantos exemplos de superação, de força de vontade e de alegria de viver.

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O livro – que será lançado no próximo dia 21 na Assembleia Legislativa, em Florianópolis, também o Dia Internacional da Síndrome de Down – é uma criação coletiva dos próprios pais, com contribuições importantes dos profissionais que trabalham com crianças especiais. O grande destaque, entretanto, são os textos emocionados e sinceros escritos pelos próprios jovens com SD. Uma prova de que eles estão vencendo barreiras, derrubando preconceitos e mostrando à sociedade que a palavra “limitação” não é sinônimo de incapacidade.

A ideia da coletânea de depoimentos é do escritor Luiz Antônio Kappel, que mora em Balneário Camboriú. A mais nova das três filhas, Natália (foto ao lado), nasceu com Síndrome de Down, há 19 anos. Desde então, ele e a mulher Leisa dedicam suas vidas e seu tempo a estudar o tema e participar de um grupo que tem por objetivo ajudar outras famílias que vivem a mesma situação.

Atendimento gratuito

Há 14 anos estes pais fundaram a Associação Amor Pra Down (AAPD), uma entidade filantrópica que presta atendimento especializado a pessoas com Síndrome de Down, em Balneário Camboriú. A instituição firmou vários convênios e parcerias, e hoje oferece atendimento gratuito nas áreas de psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, pedagogia, assistência social, neurologia e psiquiatria para crianças com Síndrome de Down e suas famílias. A renda com a venda do livro Amor Down será para as obras da AAPD.

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A diretoria da Associação, sob a presidência de Marco Costa, tem feito várias conquistas importantes. Já foi comprado um terreno e criada uma filial da AAPD em Itajaí, que está atendendo 21 crianças com Síndrome de Down. Na sede em Balneário Camboriú, 50 crianças e adolescentes recebem todo o tipo de apoio. A entidade foi contemplada pelo Criança Esperança da Unesco e Rede Globo. A empresa Tractebel patrocina as aulas de natação e o governo do Estado, através do Funcultural, proporciona aulas de música, teatro, pintura e dança para a meninada.

Luiz Antonio Kappel é autor de nove livros. Há cerca de dois anos lhe perguntaram porque não escrevia sobre Síndrome de Down.

– Pensei que realmente poderia ser interessante, mas não sobre a causa da SD (porque já se escreveu muito sobre isso), e sim sobre a pessoa com SD, sobre o sujeito. Queria escrever de uma forma que sensibilizasse o leitor e que o fizesse refletir sobre várias questões, especialmente sobre o preconceito. Eu queria algo que tocasse o coração das pessoas, e isso está acontecendo – diz Kappel.

Natália, a guerreira

Fotos: Rafaela Martins/Agência RBS

“Bruna tinha 4 anos e Júlia só dois meses quando minha esposa soube que estava grávida. Na madrugada do parto, não me deixaram participar. Do lado de fora escutei o chorinho do bebê. O pediatra veio falar comigo e disse:

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– Ela está ótima, mas nasceu com Síndrome de Down.

O mundo desabou na minha cabeça. Fiquei totalmente desnorteado, não tenho palavras para descrever. A sensação de medo e impotência foi realmente enorme. Já havia visto muitos Downs, mas todos com mais de 20 anos e, de repente, um bebê com a síndrome vinha para meus braços.

Dar a notícia para minha esposa foi o momento do luto, pois após nove meses de expectativas e planos víamos tudo ir por água abaixo. Os médicos sumiram por horas. Só bem mais tarde o pediatra apareceu, muito constrangido, para dar as devidas informações e explicações sobre a síndrome de Down. Na verdade nem eles próprios sabiam muito sobre o assunto. Nas primeiras semanas estávamos um pouco perdidos, mas logo começamos a buscar todas as formas de estimulação do bebê.

Alguns meses depois descobrimos que a Natália tinha sérios problemas cardíacos (muitas crianças com a síndrome têm). Foi operada com urgência no Hospital do Coração, em São Paulo, dia 16 de janeiro de 1996. Ficamos lá bastante tempo, fizemos amizade com os outros pais e eu sempre inventava umas brincadeiras para descontrair o ambiente – me vestia de palhaço ou de garçom – e ia visitar as crianças doentes e seus pais, nos quartos e salas de espera.

Dias depois da cirurgia eu voltei para casa, mas minha esposa continuou no hospital paulista com Natália por mais um tempo. No dia em que elas voltaram, fomos esperá-las no aeroporto numa verdadeira comitiva. Quando o avião aterrissou e a porta se abriu, driblei a segurança e fui encontrá-las no meio da pista. Ao pegar minha bebê no colo, ela deu um sorriso maravilhoso, como se dissesse: “papai, estou pronta, pode contar comigo”.

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Natália está com 19 anos, é linda, espirituosa e cheia de graça. Ela enche nossas vidas com sua alegria e seu jeitinho tão especial de ser. Foi alfabetizada, lê, escreve e fala perfeitamente. Ela está na oitava série, gosta de sair, ir a festas, à praia e está estudando teatro, dança e faz natação.

Luiz Antônio Kappel, pai da Natália, que é casado com Marileisa. Eles têm outras duas filhas, Bruna e Júlia

Henrique, o transformador

“Acompanhei e fotografei a chegada do Henrique, em maio de 2003. Foi muito rápido. Deus nos presenteou com um lindo menino. Depois a médica comunicou que ele tinha Síndrome de Down. Além disso, tinha um problema cardíaco. Passamos, então, a lutar pela vida dele. Os dias iniciais foram muito difíceis. Eram muitas perguntas e poucas respostas. Quais as limitações que nosso filho teria? Iria falar? Iria para a escola? Como seria aceito? Iria para a APAE? Como seria seu desenvolvimento? Surgiram também as questões espirituais: era castigo divino ou destino?

Passado o sufoco inicial as respostas começaram a aparecer: nosso filho seria o que desejássemos para ele. Decidimos que ele seria feliz! Suas limitações serão superadas, e as que não puderem ser superadas conviveremos com elas. Nosso filho é um presente de Deus e não um castigo. Ele foi colocado em nossas vidas por que somos merecedores e predestinados a conviver com um ser iluminado.

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Mais tarde fomos convidados a participar de uma reunião com o pessoal da Associação Amor Pra Down (AAPD). O contato com outras pessoas com SD e seus pais fizeram com que nossos horizontes se ampliassem. A troca de experiência aumenta o leque de informações. É muito importante ter um serviço como este.

Henrique transformou nossa vida. Tornou-nos mais sensíveis e mais humanos. Ter um filho especial é um exercício diário de paciência, de amor, de doação, de compreensão e de aceitação dos planos divinos. É um exercício diário a aceitação das limitações de nosso filho. Um exercício diário na busca por respostas muitas vezes inexistentes. Cabe-nos aceitar e viver. Viver o amor de pais e filho, de família.

Marcos Costa, pai de Henrique. A mãe chama-se Luciane Costa

Laura, a poetisa

“Tenho três filhas: Graça, Bianca e Laura. Aos 37 anos engravidei pela terceira vez, foi muito tranquilo, entrei em trabalho de parto e na data prevista nasceu a Laura. Foi cesariana. Quando eu acordei, já no outro dia, fui informada pelo médico e pela psicóloga que meu bebê era Down. Perguntei se era uma suspeita ou se o diagnóstico já havia sido confirmado. Pelas características, o médico disse que com certeza ela tinha a síndrome. Colheram sangue para exames e, como eu ainda não a tinha visto, pedi para vê-la. Quando a olhei tive certeza: era Down mesmo.

A psicóloga quis saber se eu tinha alguma dúvida. Perguntei se podia amamentá-la. Ela disse: “você não quer chorar?” Respondi: “Se eu chorar vai mudar o quadro dela? Não, né?”. Eu já estava completamente apaixonada pela minha filha, e daquele momento em diante seria só amor e dedicação. Disse que faríamos tudo o que estivesse ao nosso alcance para melhorar a sua condição e, assim, fazê-la feliz e capaz.

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Saí do hospital e fui direto ao SOS Downs em São Paulo, onde morávamos, para ter todas as informações necessárias. Laura hoje está com 21 anos. É linda, capaz e tornou-se uma verdadeira poetisa. É muito educada e inteligente. Está fazendo terceirão, adora escrever, quer fazer inglês e faculdade de música. Eu aprendo mais com ela do que ensino.”

Claudete Morelatto, mãe de Laura. Ela é casada com Adamastor e tem outras duas filhas.

Síndrome de Down: entenda melhor

O que é

– A síndrome de Down é causada pela presença de três cromossomos 21 em todas ou na maior parte das células de um indivíduo. Isso ocorre na hora da concepção. As pessoas com SD, ou trissomia do cromossomo 21, têm 47 cromossomos em suas células em vez de 46, como a maior parte da população.

Importante saber

– As crianças, os jovens e os adultos com SD têm algumas características semelhantes e estão sujeitos a uma maior incidência de doenças, mas apresentam personalidades e características diferentes e únicas.

– O comportamento dos pais não causa a SD. Não há nada que eles poderiam ter feito de diferente para evitá-la.

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– As pessoas com SD têm muito mais em comum com o resto da população do que diferenças.

– O mais importante para os pais é descobrir que seu filho pode alcançar um bom desenvolvimento de suas capacidades pessoais e avançará com crescentes níveis de realização e autonomia.

– A SD é a ocorrência genética mais comum que existe, acontecendo em cerca de um a cada 700 nascimentos, independentemente de raça, país, religião ou condição econômica da família.

Fonte: Movimento Down/Brasil

Onde procurar ajuda

Federação das Apaes do Estado de Santa Catarina Florianópolis

Tel.: (48) 3333-6619

Obs.: quase todos os municípios catarinenses possuem uma sede da APAE, que pode prestar todas as informações

FCEE – Fundação Catarinense de Educação Especial São José

Tel.: (48) 3381-1600

Associação Portadores Síndrome de Down – Amigo Down São José

Tel.: (48) 3343-9937

Associação Amor pra Down

Balneário Camboriú

Tel.: (47) 3366-3155 e (47) 3083-4155

Associação dos Deficientes Educáveis e Síndrome de Down Joinville (ADESD)

Tel.: (47) 3423-2102

Serviço

O que: Lançamento do Livro Amor Down, de Luiz Antonio Kappel

Onde: Assembleia Legislativa de Santa Catarina

Quando: 21 de março, às 11h45min

*A colunista do DC, Viviane Bevilacqua, que assina esta matéria, também escreveu o prefácio do livro