Neste domingo de Dia dos Pais, cinco filhos voltam no tempo e protagonizam um encontro improvável. Na capa desta edição e nas quatro páginas a seguir, Augusto, 12 anos, toca guitarra em um show amador no interior do Paraná em 1984, mesmo ano em que Leonardo, 21, e Rennan, 26, batem uma bola no campo do Inter, enquanto Guilherme, 17, participa de uma parada escolar no dia da Independência de 1973, e Isabela encara o início dos anos 1990. Tudo isso ao lado dos seus pais, quando eles tinham a idade que seus filhos têm hoje.

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Por obra da tecnologia, foi possível reunir pais e filhos em uma foto antiga, que data da infância ou da adolescência do grande homenageado deste domingo. Cada família foi convidada a comparar o estilo de vida, os desejos e preocupações dos filhos em relação às experiências e perspectivas dos pais, em retratos do que foi e do que é viver aos 12, aos 15, aos 17 e aos 20 e poucos anos.

Nesse encontro de gerações, pais e filhos testemunham como a paternidade mudou nas últimas décadas, tomando a forma de um pai mais próximo, afetivo e disposto a aprender com o filho. E também surgiram algumas surpresas: crianças e adolescentes do século 21 invejam a liberdade de ganhar as ruas que seus pais tinham na sua idade, e, não por acaso, nas cidades grandes a bicicleta, quem diria, perdeu seu status de extensão do corpo dos meninos e meninas.

Guilherme (de azul) toma o lugar à frente do pai dele, Odalci, na parada de 7 de Setembro, em Campina das Missões, em 1973

Arte de Zarif sobre foto arquivo pessoal, pb, e Jefferson Botega, cor

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Aos 17

Guilherme Pustai, 17 anos, sabe bem como era a vida de seu pai na mesma idade. O médico e professor de Medicina da Família do Hospital de Clínicas, Odalci Pustai, 54, gosta de contar histórias de antigamente, assim como seu pai costumava fazer.

Então, antes mesmo de a entrevista começar, Guilherme já se adianta dizendo que a tecnologia é uma das grandes diferenças que separa sua vida de estudante do terceiro ano em Porto Alegre, da vida do pai aos 17, dividida entre a lavoura da propriedade familiar e a escola noturna em Campina das Missões, no interior gaúcho. O assombro ao constatar as mudanças era mais de Odalci, pai também de Bárbara, 20 anos, do que do filho.

De filho para pai

Há 37 anos, o mundo chegava em ondas curtas a Odalci. O sétimo de 10 filhos de um pequeno agricultor colava o ouvido no rádio para não acordar os pais.

– Meu pai ouvia a Copa no rádio. Imagina! Para mim, isso não existe. É ver em TV full HD! – espanta-se Guilherme. Internauta usuário de Orkut, Twitter, Facebook e MSN, ele profetiza: – Tenho certeza de que o telefone fixo em 10 anos não vai mais existir.

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Guilherme vive num mundo em que o saber dos jovens é levado a sério. São eles que estão desdobrando as incontáveis possibilidades da internet e que, em casa, ensinam os pais a viver nesse mundo.

– Ontem ensinei o pai a inserir uma imagem no power point de uma palestra dele – contou Guilherme, no dia da entrevista.

E o pai refletiu em seguida:

– Não lembro nem de perto de uma situação em que eu poderia ensinar algo ao meu pai, que tinha apenas o segundo ano primário, mas era um autodidata. Já meu filho discute as questões comigo, que ele foi buscar nas mesmas fontes a que tenho acesso.

Namoro virtual

A primeira namorada de Odalci foi um amor de porta de igreja. Enquanto os pais da garota rezavam na missa, eles namoravam do lado de fora.

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– Era a época dos namoros platônicos, de construir uma realidade virtual – brinca Odalci.

Neste ano, Guilherme também teve um namoro virtual. Ao menos de início: conheceu a garota pela internet.

Mundo pela janela

Depois de um dia de trabalho, Odalci percorria um quilômetro a pé para chegar à escola, à noite. Hoje, Guilherme vai de carona com os pais e, às vezes, volta de lotação. Como qualquer pai, Odalci se preocupa com a segurança e o conforto dos filhos. Mas acredita que algo se perdeu com o passar do tempo:

– Uma grande diferença é o fato de hoje os adolescentes conhecerem a cidade pela janela do carro. A gente ia a pé, cumprimentando todo mundo, mas nossos filhos perderam a possibilidade de andar sozinhos.

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Rito de passagem

Um dia, o pai de Odalci ofereceu ao filho um maço de cigarros para fumar. Foi como se decretasse: agora ele era um homem, um igual. A partir dali, o guri passou à condição de lavrador e, como tal, ganhava dois ovos a cada refeição. Ao ouvir a história, Guilherme ri:

– Já eu, se apareço com um cigarro…

Em tempos em que o cigarro perdeu a aura de masculinidade e glamour para se tornar vilão da geração saúde, Odalci escolheu para o filho outro rito de passagem. Levou Guilherme a um campo de treinamento para que ele tivesse a experiência de conduzir um carro:

– Foi uma maneira de dizer que ele está chegando próximo de um momento de autonomia.

Aos 20

Dos 20 e poucos anos de Leocir Dall’Astra, 47, à juventude dos dois filhos, o advogado Rennan Parmeggiani Dall’Astra, 26, e o universitário Leonardo Parmeggiani Dall’Astra, 21, há um abismo. A dupla pertence à chamada geração canguru, dos jovens que investem nos estudos e adiam a hora de buscar o próprio canto, de se casar e de ter filhos.

– Só quero que eles saiam de casa! – brinca o pai, técnico do Cerâmica, de Gravataí, e que na idade do caçula já era casado, pai do filho mais velho, e atuava como ponteiro-esquerda do Internacional.

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Mas o apelo, os guris sabem, não é a sério.

– Não temos queixa, e eles têm total liberdade em casa – diz o pai.

Ah, a casa dos pais

Aos 21 anos, Leocir pagava as prestações de um apartamento financiado, dirigia um Corcel II e sonhava com um Opala Comodoro que não chegaria a ter. Com o salário de jogador – nem sombra das cifras milionárias de hoje – ainda ajudava os pais.

Já os filhos de Leocir não têm planos de sair de casa tão cedo. Leonardo cursa Educação Física e cogita uma segunda faculdade. Rennan terminou na semana passada a pós-graduação em Marketing e não vai se mudar até encontrar o apartamento ideal: imóvel novo, com no mínimo dois quartos, sendo um suíte, em um prédio com a mesma infraestrutura daquele onde vive com os pais – segurança 24 horas e piscina.

– No mínimo, deve ter o mesmo que tenho em casa – diz Rennan.

Mas Rennan e Leonardo não apenas usufruem do conforto da casa dos pais: trabalham desde a adolescência, custearam a faculdade e contribuem com as contas. E levam numa boa as regras que o pai já havia superado na idade deles, como dar satisfação sobre onde vão e que horas voltam.

– E ai se não derem… – diz Leocir, rindo. – Hoje tudo é muito violento. Quero saber também quem são os amigos deles, preocupação que meu pai não tinha.

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Filhos? Depois

Na idade de Rennan, seu pai era um senhor casado e pai de dois filhos. Uma situação apressada pela gravidez da mulher, Rosane, 45, mas que, ambos admitem, não tardaria a acontecer.

Defensor do lema “solteiro sim, sozinho nunca”, Rennan mal pode se imaginar no lugar do pai aos 26 anos. Ele conta que namorada “séria, séria, séria mesmo” nunca teve. O foco é outro:

– Não tenho pressa para casar. Meus planos agora são voltados para minha profissão.

Namorando há um ano e oito meses, Leonardo ri ao pensar como seria se ele já tivesse um filho, tal qual foi com o pai:

– Tá louco! Só depois dos 30.

Aquele abraço

Abraço e beijo de pai já foi artigo raro. Foi assim na infância e na juventude de Leocir, mas deixou de ser quando ele tornou-se pai:

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– Meu pai não tinha essa de fazer carinho. Não que não sentisse, mas não demonstrava. Hoje, abraço muito meus filhos.

Mais do que isso.

– “Oi, filhinho, acordou?” – imita, rindo, Leonardo.

Leocir passou a se sentir mais próximo do pai depois que se casou e foi morar longe, quando havia mais perguntas sobre como andava a vida e a profissão do filho. Já Leocir fala de tudo com os seus: de namorada, de futebol, de trabalho… E ele, que nunca falou de sexo com o pai, nem depois de casado, hoje repete para os filhos:

– Não esquece a camisinha, hein!

Leonardo e Rennan entram em campo para bater uma bola com o pai, Leocir, em um treino do Inter em 1984

Arte de Zarif sobre foto de Fernando Gomes, BD, 27/06/1985, pb, e Jefferson Botega, cor

Aos 15

Instantes antes de ser fotografada para fazer companhia ao pai no retrato ao lado, Isabela Albea da Silva Giordani, 15 anos, descobriu que ele, na sua idade, tinha os cabelos vermelhos.

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– É sério?

Depois, sentada ao lado do pai, o designer gráfico Tiago Siliprandi Giordani, 33 anos, outra surpresa: ele também usava piercing no nariz. Mas de mentirinha, para não arranjar briga em casa.

– Sério mesmo?!

Tão sério e tão desencanado quanto as mudanças que pai e filha espelham no intervalo de apenas 18 anos. Dois exemplos: eles têm planos de colocar um piercing juntos, e Isabela bem poderia aparecer também na foto de outros dois pais: do avô materno, Jorge Almeida da Silva, 63 anos, com quem ela e a mãe moraram até quatro anos atrás, e ao lado do médico João Augusto Fraga Jr., 32, marido de sua mãe e que faz parte da vida dela desde que tinha um ano.

– E todos se dão bem – resume Tiago.

Do lado de cá das grades

Assim que voltou de Nova York, para onde foi em março deste ano com a equipe de robótica a que pertence, como prêmio de um campeonato mundial, Isabela contou para o pai, entusiasmada:

– Precisa ver que legal, a gente andava à 1h da manhã na rua!

Novidade para quem tem como regra esperar pela Kombi do colégio do lado de dentro das grades do prédio onde mora. Ao contrário do pai, que, apesar de ter assistido à multiplicação das grades em São Leopoldo, onde cresceu, ainda se aventurava a pé à noite e ganhava as ruas em sua bicicleta – para Isabela, pedalar é um programa entre outros, não um gesto automático ao sair de casa como era para o pai.

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– Meu pai era mais rebelde do que eu aos 15, sou mais certinha. Acho que ele era mais livre também.

Tecnologia de época

A rotina de Isabela pode ser descrita assim: escola pela manhã, e, à tarde, horas no computador interrompidas pelo horário de almoço, dos temas e dos programas prediletos na TV. Mas não é só bate-papo na internet. Foi lá que ela descobriu o programa de estágio voluntário para reabilitar animais à vida selvagem, e assim viabilizar no futuro o sonho de conhecer a África, e onde criou o site que serve de base para a ONG que fundou, a Girls and Dogs.

– Já “o meu computador” eram as fitas-cassete – lembra Tiago.

Mas a função de deixar a fita pronta para acionar a tecla Rec tão logo começava a música esperada no rádio foi logo trocada pelo CD, um artigo de luxo inicialmente. Tanto que Tiago sabe dizer qual o primeiro que comprou: Erotica, da Madonna.

Mas, hoje, Isabela prefere mesmo é seu iPod. Ao menos, por enquanto.

Pai, tô namorando

Tiago e Isabela falam de tudo.

– Quase tudo – corrige o pai. – Ela está namorando há dois meses e, no começo, estava meio envergonhada de me contar.

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Mas o que havia para contar e os conselhos que havia para dar foram ditos em um passeio a dois e atualizados via MSN – e Tiago ainda aproveitou o encontro com a filha na entrevista para saber como as coisas estavam no momento. Um papo que ele não lembra de ter tido com seu pai aos 15 anos. Falavam de filmes, da performance do Ayrton Senna, dos estudos, “conversas mais práticas, para saber se estava precisando de alguma coisa”. E hoje, mesmo não morando com a filha, ele conclui:

– Tenho um grau de intimidade maior com Isabela. A geração dela tem muito mais liberdade para falar com os pais.

Isabela faz companhia para o pai, Tiago, em um momento contemplativo no início dos anos 1990

Arte de Zarif sobre foto arquivo pessoal, pb, e Jefferson Botega, cor

Aos 12

Antes mesmo de engrenar a conversa para comparar a vida de pai e filho aos 12 anos, Augusto Chagas, aluno da sexta série, deu seu parecer com a certeza de quem não costuma sair sozinho do sobrado guardado com cerca elétrica e alarme em um bairro tradicional de Porto Alegre:

– Acho que na época em que o meu pai tinha a minha idade, havia menos violência. Podiam brincar até tarde na rua…

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Mas algo não mudou desde os 12 anos do hoje administrador Glauco Samuel Chagas, 38, pai também de Amanda, cinco: o afã de um guri por guitarra e bola e o quanto essas duas paixões podem aproximar gerações.

Bicicleta sem função

Augusto não lembra ao certo da última vez em que andou de bicicleta. Faz um tempo, diz, e foi na praia, onde costuma pedalar. Ao contrário do pai que, na sua idade, tinha a bicicleta como uma extensão do corpo. Todas as tardes, depois da aula, ganhava as ruas de Capanema, no interior paranaense. Até comer bergamota na casa de um colega que morava a cinco quilômetros de distância era motivo para pedalar com os amigos.

– A grande diferença agora é que tem perigo de assalto – diz Augusto.

Ao ouvir isso, Glauco se inclina na direção do filho e faz a pergunta que jamais ocorreria a seu pai:

– Tu te sentes preso em casa, filho?

– Não. Mas sinto falta de ter amigos (da vizinhança) com quem passar o tempo.

O desejo de Augusto é que a família se mude para um condomínio, onde ele poderia se soltar ao ar livre. Exatamente como o pai fazia.

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Guitarra a postos

O gosto musical de Augusto é quase igual ao do pai. Quase.

– Gosto de rock mais pesado, AC/DC, Metallica… E de NX Zero.

Ao ouvir o nome da banda emo, Glauco brinca:

– NX Zero, nããão…

Na idade de Augusto, Glauco era guitarrista da banda Esfinge e depois, seguindo a vocação metal, passaria à Doce Podridão. Teve aulas de violão, assim como o filho, a quem deu uma guitarra no mês passado. E se Glauco não pôde compartilhar o gosto musical com seu pai, fã de música sertaneja e gauchesca, agora curte DVDs de shows e toca em dueto com o filho. Um dia antes da entrevista, apresentara a Augusto outra paixão da adolescência, a banda Legião Urbana. Castigo atualizado

Quando Glauco não se comportava, já sabia qual seria o castigo: nada de sair de casa para brincar. Repetir isso com o filho, ele sabe, não surtiria o mesmo efeito:

– Hoje, ficar em casa é prêmio, com tudo que há para falar com todo mundo.

Assim, o castigo de Augusto é outro, mas segue o mesmo princípio: ficar confinado sem os amigos. Ou seja, nada de MSN, ferramenta de conversas instantâneas na internet.

Sempre a bola

Augusto nem pestaneja: pior que ficar sem MSN seria ficar sem as aulas de vôlei e de futebol. Desde sempre, queria ter tantos troféus e medalhas quanto o pai conquistou – nas duas modalidades. Troféu, ele já se resignou, hoje fica com o clube, mas a coleção de medalhas vai bem.

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Pai e filho torcem pelo Inter e gostam de camisetas de times. Mas Augusto tem muitas mais do que Glauco sonhava ter aos 12 anos, quando guardava no armário apenas o fardamento colorado e a camisa da Seleção. Enquanto conta isso, explica ao filho:

– A diferença é que era tudo original. Naquele tempo não tinha camiseta pirata.

Augusto assume o posto ao lado do pai, Glauco, na foto de uma partida do Capanema Atlético Clube, no interior do Paraná, no início dos anos 1980

Arte de Zarif sobre foto arquivo pessoal, pb, e Jefferson Botega, cor