Dos 49 estudantes com mais de 60 anos que estão no primeiro segmento da Educação de Jovens e Adultos (EJA) de Florianópolis, 39 são mulheres. Isso significa que as idosas ocupam 79,59% do espaço. O segmento de ensino corresponde ao Fundamental I, que engloba as séries cursadas do 1º ao 5º ano, geralmente para crianças de 6 a 10 anos. Os dados são da Secretaria Municipal de Educação da capital de Santa Catarina.
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A EJA é uma categoria de ensino que engloba os níveis da Educação Básica do país, sendo destinada aos jovens, adultos e idosos que não puderam ter acesso à educação escolar de maneira tradicional na idade apropriada. A iniciativa foi criada em 2007 pelo Governo Federal a partir da Lei de Diretrizes Básicas e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96).
Mais de 90% dos jovens até 16 anos completam o ensino fundamental em Florianópolis
Santa Catarina é o estado com a menor taxa de analfabetismo do Brasil, segundo dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Apenas 2,7% dos catarinenses acima de 15 anos ou mais não sabem ler e escrever.
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O grupo de 60 anos ou mais, no entanto, tem a maior taxa de analfabetismo entre os grupos de idade no Estado, com 6,6% que não sabem ler ou escrever.
Florianópolis é a capital brasileira com a menor taxa de analfabetismo, com somente 1,4% da população que não sabe ler e escrever. Ainda de acordo com o último Censo, a capital catarinense também lidera a alfabetização quando comparada às cidades brasileiras acima de 500 mil habitantes. No total, Florianópolis tem 6.181 pessoas com 15 anos ou mais não alfabetizadas.
EJA em Florianópolis
Em Florianópolis, são 22 localidades que proporcionam espaços educativos da EJA. Elas são divididas em nove núcleos, que são as sedes das regiões. Fazendo parte dos núcleos, estão 13 polos. No total, são 995 alunos presentes nestas unidades.
No primeiro segmento, que corresponde ao Fundamental I, são 190 estudantes que estão em 16 turmas distribuídas pela capital catarinense. Com o recorte de pessoas com 60 anos ou mais, o número diminui para 49, sendo que 39 são mulheres.
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De acordo com a articuladora do segmento, Camila Barra Nóvoa, que assessora pedagogicamente os professores da EJA de Florianópolis, isso se dá pelo machismo estruturante da sociedade.
— Por conta do trabalho de cuidado para manter as famílias, a educação fica em segundo plano para as mulheres. É só quando elas têm funções aliviadas, com filhos e muitas vezes netos já criados, que sobra tempo e espaço para que elas possam se debruçar sobre as questões educacionais — diz.
Ainda segundo Camila, o direito à educação dessas mulheres foi negado. É somente quando estão aposentadas ou depois de não terem mais as preocupações com o cuidado da família que elas decidem voltar a estudar ou entrar em uma sala de aula pela primeira vez.
Foi o que aconteceu com Aurelina Carmo dos Santos Silva, de 63 anos. Quando tinha 10 anos de idade, começou a trabalhar na roça, no estado da Bahia, onde morava. Após casar, ela continuou trabalhando e nunca pisou em uma sala de aula, apesar de sempre ter tido a vontade de estudar.
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— O pai não deixou eu estudar. Ele dizia que a gente tinha que trabalhar, não estudar — conta.
Moradora de Florianópolis há aproximadamente 30 anos, atualmente dona Aurelina tem aulas das 13h30min às 16h30min no Centro de Educação Continuada (CEC), unidade da EJA localizada na área central da cidade. Antes de ir para a aula, a idosa trabalha das 7h às 13h em uma creche, realizando a limpeza do estabelecimento.
— Tem dias que chego bem cansada, mas logo converso com as colegas, começam as aulas e aí passa todo o cansaço — brinca.
Agora, dona Aurelina diz que já sabe ler algumas coisas e juntar algumas palavras, o que facilitou atividades do dia a dia.
— Eu tinha dificuldade em pegar ônibus, e quando ia ao supermercado tinha dificuldade de ver os preços, mas agora já sei — diz.
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Dona Aurelina teve três filhos, que hoje incentivam ela a continuar estudando: “continue, mãe, não pare”, dizem. Ela mora com o marido, que tem 62 anos. Ele cursou até o 5º ano do Fundamental I.
Empoderamento
Maria Hermínia Lage Fernandes Laffin, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos (Epeja) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que políticas públicas como a EJA proporcionam um espaço de reconhecimento social da população idosa, principalmente mulheres, que cresceram em um contexto de exclusão social.
— A EJA acaba representando um empoderamento no sentido de autoconfiança. [As idosas] conseguem estabelecer relações com o mundo letrado no qual estamos inseridos, no sentido de se sentirem capazes. Isso permite que elas digam: olha, agora eu não sou mais analfabeta — diz.
Turmas de primeiro segmento
As turmas de primeiro segmento são divididas conforme a demanda, diz a assessora pedagógica Camila. Caso haja necessidade de conclusão do ensino fundamental I ou caso alguém precise de apoio para ler e escrever, a EJA abre uma turma de primeiro segmento.
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— Todos os núcleos tem uma turma de primeiro segmento, no mínimo — conta.
A decisão de abrir unidades da EJA em Florianópolis também se dá pela demanda, de acordo com Eduardo Savaris Gutierres, que é secretário municipal de Educação da Capital.
— A gente tem uma equipe que colocamos em campo para entender como é essa demanda. Às vezes, a gente vai em uma comunidade, como a Costa da Lagoa. Se lá nós temos “x” pessoas que não foram alfabetizadas, nós pensamos em estratégias para abrir um polo — explica o secretário.
Há também um esforço para não gerar desconforto na comunidade ou grupo de pessoas que necessitam ser atendidas, segundo Eduardo.
Para o secretário, o dado que aponta que existem mais mulheres com mais de 60 anos nas turmas do primeiro segmento da EJA se dá também por uma reflexão de uma realidade passada.
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— Isso se dá por conta da realidade social que a gente vivia lá atrás e que, por vezes, ainda vive hoje. As mulheres dificilmente acessavam os mesmos espaços igualitários que os homens. Hoje, essas pessoas que lá atrás ficaram sem acesso à educação, conseguem garantir esse acesso pela educação de jovens e adultos — pontua.
Ele ressalta que a educação de jovens adultos não traz somente alfabetização, mas também uma igualdade de oportunidades para todas as pessoas da sociedade.
*Sob supervisão de Andréa da Luz
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