Os cegos que forem caminhar na Avenida Madre Benvenuta, no bairro Santa Mônica, em Florianópolis não poderão andar sobre o piso tátil das calçadas. Na frente de alguns estabelecimentos comerciais, o piso, que serve de orientação para o deficiente visual, foi colocado em direção a muros, paredes e até latas de lixo.
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Segundo prefeitura, a instalação foi feita a partir das regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A pedido da reportagem da CBN Diário, o presidente da entidade Mário William Esper analisou imagens de alguns trechos da calçada da Madre Benvenuta e apontou equívocos.
-Que absurdo, isso não é norma da ABNT. A sinalização tátil direcional tem que estar no eixo da faixa livre da calçada, não pode ter nenhum tipo de obstáculo. Acho que pode ter havido problema de interpretação da norma – explicou Esper.
No piso tátil, as pequenas barras verticais de cada pavimento orientam o cego a seguir em frente e a sinalização de alerta é marcada por bolinhas na superfície. Ao se deparar com as superfícies com esses pequenos círculos, o deficiente visual entende que há um obstáculo próximo.
A Avenida Madre Benvenuta passou recentemente por uma revitalização, recebeu asfalto novo, uma ciclovia central, inspirada na Avenida Paulista, para facilitar o trânsito de pedestres e ciclistas na região, que tem ao menos três universidades e diversos bares e lanchonetes. Entre as melhorias, está a instalação do piso tátil.
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Na frente de algumas lojas, o piso guia é ocupado por carros estacionados, que impedem o acesso dos cegos. Em frente a garagens, se o deficiente visual caminhar sobre o piso tátil baterá de frente com grades ou muros.
Outro problema apontado por Esper é a instalação do piso alerta próximo à faixa de pedestres (como na foto acima). Pela norma da ABNT, o piso alerta deve ser paralelo à faixa, nunca colocado em desalinho, e o piso guia, que tem as barrinhas verticais, não pode conduzir o cego a bater no muro.
– Está totalmente em desacordo com a norma. Não há nenhum exemplo (na regra) de colocação de piso tátil de alerta junto a travessias com esses desencontros – afirmou Mário William Esper.

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Interpretação
A prefeitura, via assessoria de imprensa, afirmou que as calçadas estão adaptadas para que os deficientes visuais se orientem na lateral do piso tátil, por isso, conduzem até muros e paredes.
Com isso, a prefeitura entende que o deficiente visual deve se deslocar ao lado de fachadas, muros, grades e muretas, para não prejudicar portadores de outras necessidades especiais, como os idosos, por exemplo, que poderiam ter dificuldade para caminhar sobre um piso com relevo.
Consultado pela reportagem a respeito da declaração da prefeitura, o presidente da ABNT Mário William Esper reforçou que o piso tátil serve para indicar ao cego, quando caminha sobre o pavimento, a direção em que deve seguir e afirmou que o argumento da administração da capital não tem amparo nas regras da entidade.
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Em função dessa polêmica em Florianópolis, Esper convocou para os proximos dias uma reunião com diversos especialistas da ABNT para avaliação de impacto da norma e eventuais dificuldades de interpretação que possa estar causando.
Deficiente visual, o servidor público Jairo da Silva, concorda que a orientação dos cegos pode ser feita a partir de muros e paredes, mas acha que fica mais difícil.
-Invariavelmente tem obstáculo (junto a muros e paredes), ou é lixeira, galho de árvore ou bicicleta estacionada, patinetes, carrinhos de pessoas vendendo lanches. Quando tem piso, nós conseguimos nos orientar com muito mais facilidade – afirmou.
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O presidente da Associação Catarinense para Integração do Cego (Acic) Henrique Salles Rosica concorda com a prefeitura e diz que a acessibilidade precisa levar em conta diferentes tipos de necessidades especiais.
– O piso pode terminar em um poste, mas antes tem que ter um piso alerta sobre o obstáculo. O piso tátil pode ser instalado para que uma cadeira de rodas também passe, não adianta você fazer um piso guia e só a pessoa com deficiência visual utilizar – assinalou.
Rosica afirma que a Acic costuma ser convidada para avaliar as obras da prefeitura, no que se refere à acessibilidade.
– Na Madre Benvenuta, ainda não recebemos informação de que esta obra esteja finalizada – afirmou.
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Piso para guiar
Conforme o presidente da ABNT, a instalação do piso tátil conduzindo o cego para um muro, como vemos na Madre Benvenuta, é inadequada. A norma, NBR 16537, foi editada em junho de 2016 e revisada em maio de 2018, conforme Mário William Esper.
– Essa norma tem 83 figuras, desenhos, indicando como deve ser projetado (o piso tátil), é muito didática, não tem como errar, quem é um engenheiro, um técnico. Fiquei admirado de ver um equívoco tão grande com relação ao que preconiza a norma. O piso tátil serve para o cego identificar com os pés a orientação, para onde deve seguir, a bengala é apenas um apoio – afirmou Esper.
A NBR 16537, entre outras questões, indica a maneira como o piso deve ser instalado em diversos ambientes, como postos de gasolina, estacionamentos, quando há um semáforo próximo, bilheterias de teatros e outros espaços.
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Em nota, a prefeitura de Florianópolis , explicou que a instalação do piso guia no limite entre o lote e a calçada foi feita por causa da largura, que impossibilita sua colocação na faixa livre.
“Todas as orientações seguiram a Norma Brasileira que consta no Manual Calçada Certa, revisado em 2019 (segunda edição), que compila todas as informações técnicas de forma clara e explicativa para toda a população”, declarou a prefeitura.
Mario William Esper explicou que esse manual foi elaborado pela prefeitura de Florianópolis e não pela ABNT.
Esper destaca ainda que, pela legislação, o proprietário do imóvel é o responsável pela calçada, mas logradouros públicos, como hospitais e parques, são responsabilidade da prefeitura.
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Sobre os carros estacionados em cima do piso tátil, a prefeitura afirmou que os proprietários podem ser multados pela Guarda Municipal.
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