No primeiro ano em que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passou a contar com videoprova traduzida em Língua Brasileira de Sinais (Libras), para surdos, o tema da redação abordou justamente esse universo. Segundo o Ministério da Educação (MEC), a escolha desta edição, “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”, legitima esta e outras ações do próprio ministério para que o exame se torne mais inclusivo. Para professores ouvidos pelo DC, o tema foi considerado complexo e surpreendeu por ser bastante específico.
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— Eu acredito que esse tema pegou todo mundo de calças nas mãos. Foi sem dúvida o mais complexo dos últimos anos de Enem. É muito difícil o aluno desenvolver uma argumentação sobre isso, porque não é um assunto que vire notícia e também se trata de uma comunidade minoritária – disse um professor de Português pós-graduado em Libras, que falou com o DC sob anonimato por ser também examinador da prova.
Para ele, é provável que haja muitas fugas parciais ou totais ao tema. A fuga parcial reduz a nota e a total zera a redação. Alguns candidatos ouvidos pelo DC, por exemplo, optaram por falar sobre mercado de trabalho, o que pode ser considerado fuga parcial, segundo o examinador. O professor também acredita que termos considerados preconceituosos deverão aparecer com frequência, o que pode reduzir a nota da prova. Usar “linguagem” para se referir à linga de Libras ou falar em “surdo-mudo” são dois exemplos de formas preconceituosas de tratar o assunto.
Na avaliação do coordenador pedagógico do Instituto Pró-Universidade, Otávio Auler, a opção pelo tema pode estar relacionada, também, a uma tentativa do Inep de fugir de fórmulas simplistas para redações. Ele também considerou o tema complexo.
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— Foi um tema extremamente específico. A maioria dos cursos preparatórios para o Enem toca no tema da acessibilidade, mas de maneira geral.
A candidata Lanay Sampaio, que já cursa Psicologia e fez a prova para tentar uma bolsa, classificou o tema como “aletaório”. Mas também houve quem tenha gostado da escolha, como é o caso de Jéssica Loss, que tenta uma vaga na faculdade de Administração da UFSC.
— Gostei bastante do tema, acho que é algo que tem que ser abordado e discutido – disse.
Segundo o MEC, além da videoprova, que exigiu a montagem de um estúdio de gravações dentro do Inep, esse público teve, pela primeira vez, uma série de conteúdos exclusivos. O Inep preparou, em Libras, campanha em suas redes sociais, uma versão da cartilha do participante e vídeos em seu canal do Youtube. Na noite deste domingo, será disponibilizado um questionário de avaliação da videoprova, em Libras, para os que usaram o recurso, um total de 1.635 participantes. Esses candidatos tiveram direito a duas horas a mais de prova.
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Regras sobre redação foram alteradas na última hora
A prova de redação do Enem foi alvo de polêmica na semana passada e até sexta-feira havia indefinição sobre as regras do exame. Isso porque o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, ao julgar um pedido da Associação Escola Sem Partido, decidiu que não haveria mais possibilidade de zerar as dissertações caso o texto desrespeitasse os direitos humanos, norma do edital do Enem e aplicada em anos anteriores.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), ligado ao Ministério da Educação (MEC), recorreu por meio da Advocacia Geral da União (AGU). No recurso, o Inep alegava que “o rigor do critério visa proteger os estudantes contra a violência dos discursos que agridem os direitos humanos e a própria democracia, independente de inclinações políticas”. No sábado, ao julgar o caso, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, decidiu pela manutenção da decisão do TRF. O Inep decidiu não recorrer novamente para, conforme nota do instituto, garantir que os estudantes pudessem fazer a prova com “segurança jurídica e tranquilidade”.
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