Mário Motta é um dos maiores apresentadores da televisão brasileira. Aos 69 anos de vida e durante 35 anos apresentou um único telejornal na mesma emissora – o Jornal do Almoço, na NSC TV – talvez um dia até entre para o Guinness Book, o livro dos recordes. Com uma história profissional reconhecida pelo público e colegas de profissão, ele viveu recentemente uma experiência singular: acostumado a fazer entrevistas, teve que sentar à frente de um grupo de colegas jornalistas e responder a várias perguntas.

Continua depois da publicidade

> Receba as principais notícias de Santa Catarina no WhatsApp

Tendo Laine Valgas (apresentadora parceira no JA) no comando, o bate-papo contou com Fabian Londero (editor-chefe e apresentador do NSC Notícias), Eveline Poncio (apresentadora do Bom dia SC e do Notícias da Manhã/CBN) e Ângela Bastos (repórter especial do Diário Catarinense). Por quase uma hora e meia, Marinho, como é carinhosamente chamado nos bastidores, foi provocado a falar dos tempos de menino saltimbanco no circo dos pais pelo interior de São Paulo, do jovem que cursou Educação Física ainda que namorasse com a Medicina, do comunicador apaixonado pela rádio que inovou ao narrar partidas de beisebol e de tênis e do homem que se tornou a maior e mais popular referência da televisão catarinense.

Mais do que respostas nascidas desta rica e enraizada experiência, Mário Motta compartilhou o que parece ser a maior de suas qualidades: a generosidade. Dono de uma memória que o faz lembrar de lugares, datas e colegas que com ele dividiram a bancada ao longo das mais de três décadas de JA, respondeu-me quando perguntei sobre como consegue ter uma “memória afetiva” tão presente:

– A gente não dá o que não recebe, Ângela.

Continua depois da publicidade

De palhacinho no circo dos pais à bancada do JN

Sabe aquela história de que o fruto não cai longe do pé? Mário Motta prova isso. Nascido em uma família de comunicadores – filho do radialista paulista Mário Pinto da Mota (“Motinha”) e de Nair de Campos Motta (Nhá Fia), que nos anos 1950 apresentavam o programa “Na Serra da Mantiqueira”, na Rádio Bandeirantes – o apresentador do JA conta orgulhoso sobre o que considera o alicerce da carreira.

> Atitude de clientes em bar de Blumenau mostra que há esperança na humanidade

Certo dia, ainda na Band, o casal decidiu adquirir um circo teatro, o qual a cada 15 dias era armado num bairro da periferia da cidade. Mário chegou quando o circo estava em Santo André, no ABC paulista, mas foi criado nas andanças pelo interior paulista pelo que considera uma prova de amor dos pais: eles pediram demissão e procuraram um lugar com clima mais quente já que o filho havia nascido com algumas doenças.

entrevista-mario-motta-2
Apresentador Mário Motta durante a entrevista conduzida pelos colegas jornalista (Foto: Tiago Ghizoni)

Marinho tinha apenas quatro anos quando começou a encarar o público, com uma sanfoninha que havia ganho de presente. O pai logo percebeu que o filho tinha talento e com o violão na mão formou a dupla que encantava a plateia. O pequeno artista também fazia acrobacias, experimentava trapézio e arrancava gargalhada da criançada como palhaço. E quem diria que com o pequeno instrumento musical faria par com um dos maiores sanfoneiros da MPB, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, privilegiado pela amizade do pai com Gonzagão.

A precocidade também colocou Mário Motta no cinema. Aos sete anos ele participou do filme “Maria 38”, dirigido por Watson Macedo, e que tinha no elenco artistas como Zilka Saleberry, Eliana Macedo, Francisco Dantas, John Herbert. Com o fim do circo, por volta de 1965, a família Motta fixou residência na cidade paulista de Tupã. Ali, aos 13 anos, iniciaria a atividade na Rádio Piratininga atuando em diversas funções. 

Continua depois da publicidade

Também se formaria em Educação Física, em 1973, e ingressaria no magistério. E foi para trabalhar na Educação das crianças e jovens que, percebendo maiores oportunidades na carreira, Mário desembarcaria no Planalto Serrano de Santa Catarina. Nas escolas de Lages ele deu aulas e ocupou cargos em secretarias ligadas aos esportes, mas retomou o caminho da comunicação nas rádios Princesa e Clube como locutor esportivo e como apresentador na TV Planalto. Até que, em 1986, as andanças da vida o levam para Florianópolis, onde assumiu a chefia do Serviço Pedagógico da Educação Física na Secretaria de Estado da Educação e do Desporto (SED).

> Fogos de artifício podem até matar cães; veja como prevenir

Paralelamente, nesse mesmo ano, coordenou o jornalismo da sucursal da TV Planalto, na capital. O talento chamou a atenção da RBS TV (hoje NSC TV). Figura carimbada nos Jogos Abertos de SC, Mário ocupa desde 1986 o seleto lugar de âncora do Jornal do Almoço. Não raro atua como mestre de cerimônias. A intimidade de Mário Motta com o microfone é imensa. Achou interessante vê-lo narrar diferentes modalidades nos Jogos Abertos? E que tal uma partida de beisebol? Ou prefere Guga Kuerten no saibro?

Mário é um comunicador humilde. Diz que não desenvolveu muito o texto, embora tenha escrito colunas no Jornal de Tupã e no Jornal da Alta Paulista, em meados dos anos 1960, e mais tarde no Correio Lageano. Com a generosidade que o caracteriza, assinou uma coluna no Hora de Santa Catarina, na Capital, com o título de Hora das Ruas. Mário é um homem de boas leituras, de gosto eclético, que curte filmes e boa música. Cita Nietzsche, aquele que diz o fato não existir, mas existir as circunstâncias que o cercam. Então, observa Mário, cabe ao jornalismo buscar essas circunstâncias: 

– O fato é a conclusão, o fechamento, a união dessas circunstâncias.

entrevista-mario-motta-laine-valgas
Jornalista Laine Valgas durante a entrevista (Foto: Tiago Ghizoni)

Laine Valgas foi cirúrgica ao dizer que Mário Motta desperta em quem trabalha com ele o melhor de cada um. É o sujeito que abre a porta para dar bom dia, que criou o jargão “Vamos fazer uma boa tarde”, que sempre cumprimenta por quem passa, seja gestor ou moça da limpeza. A colega lembrou de um aviso corporativo sobre datas de aniversários de cada funcionário da NSC. Não importa o tempo de firma. Mário é infalível: envia uma mensagem felicitando sobre “mais uma voltinha redor do sol” a cada um.

Continua depois da publicidade

Fabian Londero lembrou que, em 1997, quando chegou a Florianópolis, Mário Motta já era referência. Contou que substituir Motta aos sábados, no Jornal do Almoço, fazia tremer. Foi de Londero a pergunta se Mário ficou nervoso quando, em novembro de 2019, apresentou o Jornal Nacional como comemoração dos 50 anos do telejornal, ao lado da potiguara Lídia Pace.

> Vídeo: Mário Motta fala sobre a participação no Jornal Nacional

Londero destacou a qualidade de Mário em ser natural no vídeo, como se estivesse conversando com as pessoas, uma característica que busca para si. Mário voltou no tempo: 

– Creio que isso venha dos tempos do circo. A gente tinha que falar com o público, mesmo que fosse escuro e do palco não se visse quase nada. Com o tempo a gente foi se soltando. A resposta vinha das pesquisas onde o público dizia que “o Mário não dá notícias, ele conta os fatos”. Isso foi sendo aprimorado e com suporte de muitos colegas no estúdio, na bancada.

A capacidade de conversar com o coração das pessoas

Esta capacidade de conversar com o público também motivou uma pergunta da jornalista Eveline Poncio. A colega que apresenta o Notícias da Manhã falou do aprendizado que é ter a parceria do Mário na CBN Diário. Ela citou várias coisas do dia a dia, como arrumar um cabo do computador, para qual Mário sempre dá um jeito. Mas foi um fato marcante que pautou a pergunta: ter sido escolhido para a cerimônia de chegada dos corpos, na Arena Condá, dos mortos no acidente aéreo da Chapecoense, em novembro de 2016. Entre os 71 falecidos estavam cinco colegas da NSC.

Continua depois da publicidade

entrevista-mario-motta-eveline-poncio
Jornalista Eveline Poncio (Foto: Tiago Ghizoni)

Eveline, que na época trabalhava em Chapecó, disse ter ouvido que “não havia pessoa melhor escolhida, pois Mário Motta fala com o coração das pessoas”. 

– Foi um momento de muita emoção, e que a gente fez com o respeito exigido para aquela circunstância. Como foi que conseguimos? Ah, depois que tudo passou, a gente fecha a porta, se recolhe e aí deixa o sentimento aflorar – respondeu ele. 

Mário também falou sobre um livro em que conta a trajetória profissional. Disse que tem 400 páginas escritas e que estão com um editor amigo para avaliar. O assunto “aposentadoria” fez parte da roda. Mário já é aposentado pelo Estado, como professor; e há alguns anos pelo INSS. Mas segue com a energia de alguém que não sente a idade. Ele conta que não imaginou vir para Florianópolis, trabalhar na RBS-NSC. Tampouco apresentar o Jornal do Almoço por quase 36 anos:  

– Talvez a minha grande falha seja não planejar a minha existência. A gente não acha. Junto com o público queremos mais é continuar a desfrutar desta suposta falha. Afinal, temos que continuar a fazer uma boa tarde.

Continua depois da publicidade

Mário concedeu entrevista aos colegas no estúdio do JA
Mário concedeu entrevista aos colegas no estúdio do JA – (Foto: Tiago Ghizoni)
Mário Motta durante a entrevista
Mário Motta durante a entrevista – (Foto: Tiago Ghizoni)
Mário recorda da jornada no jornalismo
Mário recorda da jornada no jornalismo – (Foto: Tiago Ghizoni)
De Mário para Mário: apresentador revê reportagem em que se vestiu de palhaço
De Mário para Mário: apresentador revê reportagem em que se vestiu de palhaço – (Foto: Tiago Ghizoni)
Surpresa ao ver imagem da época em que atuou no cinema, ainda criança
Surpresa ao ver imagem da época em que atuou no cinema, ainda criança – (Foto: Tiago Ghizoni)
Emoção ao recordar a passagem pela bancada do Jornal Nacional, ao lado de Lídia Pace
Emoção ao recordar a passagem pela bancada do Jornal Nacional, ao lado de Lídia Pace – (Foto: Tiago Ghizoni)
Mário Motta conversa com os colegas antes da entrevista
Mário Motta conversa com os colegas antes da entrevista – (Foto: Tiago Ghizoni)
Registro da entrevista de Mário Motta aos colegas jornalistas
Registro da entrevista de Mário Motta aos colegas jornalistas – (Foto: Tiago Ghizoni)
Bastidor da gravação da entrevista
Bastidor da gravação da entrevista – (Foto: Tiago Ghizoni)
Mario mostra os crachás que são símbolos dos 35 anos dele à frente do JA, na NSC TV
Mario mostra os crachás que são símbolos dos 35 anos dele à frente do JA, na NSC TV – (Foto: Tiago Ghizoni)
Mário e os colegas que participaram da produção da entrevista
Mário e os colegas que participaram da produção da entrevista – (Foto: Tiago Ghizoni)

Pequenas histórias

Picadeiro eletrônico

“Sempre gostei muito de fazer o Jornal do Almoço na praça. Nascido num circo, eu gostava de sentir o programa indo ao público, de ver os jornalistas sendo levados para conhecer o Estado, de estar com os colegas que trabalhavam nas emissoras do interior. Para mim a TV funcionava como uma espécie de picadeiro eletrônico indo até nossas cidades”.

“Mordi o lábio para não chorar”

“Uma das passagens que mais me machucou enquanto apresentador ocorreu no Morro do Baú, nas enchentes de 2008. Estava na prefeitura de Blumenau e precisei chamar ao vivo o repórter Ricardo Von Dorff, porém, eu estava sem retorno de imagem, e apenas com áudio. No exato momento, um bombeiro trazia um saco nas mãos e o Ricardo informa que se tratava do corpo de uma criança de dois anos resgatado pelo bombeiro. Fiquei muito mal: ‘Como vou voltar?’. Isso me fez reforçar a importância da imagem e do áudio. Como voltei? Mordendo o lábio por dentro para não chorar”.

“A gente sente que nunca está sozinho”

“Quando fui participar do Jornal Nacional encerrei com versos de Gonzaguinha: ‘Toda pessoa é sempre as marcas de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. É tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense que está’. Eu tomo isso como um hino. Penso nos meus familiares, pais, irmão, minha esposa Glorinha, amigos, colegas”.

“É bom viver, é bom conviver”

“Eu não tenho o menor direito de reclamar da minha vida. Se isso é felicidade, se é ser feliz? Eu não sei, mas com certeza é um estado de espírito de profunda gratidão por tudo que a vida me deu. É bom viver, é bom conviver”.

Continua depois da publicidade

Respeito aos valores

“Nunca tivemos tanta facilidade técnica para chegar aos fatos, as informações e aos argumentos como hoje. Cabe a quem trabalha na área da comunicação respeitar os próprios valores, respeitar os valores de quem está envolvido e respeitar os valores de quem irá receber a informação. A esses cabe a crítica, e quem oferta fazer o melhor possível”.

Medicina segue nos planos

“Quando jovem eu pensava em fazer Medicina, porém, fui convocado para o Exército e acabei cursando Educação Física. No ano seguinte eu ia tentar de novo o vestibular para Medicina. Mas eu me apaixonei pela área pedagógica e decidi terminar. Se ainda está nos planos? Sim! Quem sabe vocês não me encontram correndo nos portões do Enem?”. 

Leia também:

> Quatro cidades de SC seguem na lista das mais ricas do país; veja ranking

> “Quando começa a chover, eles não dormem”: Alto Vale ainda chora pelos mortos 1 ano após tragédia

Continua depois da publicidade

> Terceira dose da Pfizer: saiba quais são os efeitos colaterais mais comuns