Hoje é dia 4 de novembro de 2016. Sou a mãe do Diogo Cuiabano de Medeiros, rapaz assassinado na Fields em Florianópolis, em março de 2015, por Leonardo dos Passos Pereira, cujo julgamento ocorreu ontem.

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Habitualmente, sou uma pessoa reservada e não gosto de exposição, mas confesso que estou com alguns nós na garganta, que precisam ser desatados. Estive calada e sem protestar, mas, como diz Saramago, “até aqui cheguei”.

Leonardo foi condenado a 16 anos de prisão ontem. Já cumpriu um ano e meio e, se tiver bom comportamento, poderá ter sua liberdade parcialmente restaurada após 2/5 da pena. Em 5 anos ele poderá estar livre, aos 27 anos, idade que meu meu filho teria hoje.

Durante todo o julgamento, não vi nem ouvi nenhum sinal de arrependimento de Leonardo. Não pude ver também nenhum constrangimento por parte de sua família, como jamais houve qualquer pedido de desculpas.

Por isso, sou muito descrente em acreditar que exista alguma possibilidade de reabilitação mas espero, de forma sincera, que esse período de reclusão o faça refletir e (quem sabe?) fazer as mudanças necessárias.

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Mas, além do vazio de desculpas, tivemos que lidar também com a forma desrespeitosa com a qual o advogado de defesa se portou por várias vezes. O recinto estava repleto de estudantes de direito; portanto peço a eles que não aprendam esta “parte da lição”…

Por favor, não chamem a vítima de “o cadáver” ou de “o cara”; ela tem nome e família!

Por favor, não digam que os achados no celular de um agressor com fotos de drogas e vídeos conduzindo um carro a 180 km/h são meras “brincadeiras”, normais da idade. Acho improvável que vocês, da mesma faixa etária, possuam fotos semelhantes no celular.

Por favor, procurem não usar termos inadequados à formalidade de um ambiente jurídico e sigam as normas da língua portuguesa.

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Por favor, não invoquem Deus no plenário. Ele não precisa ser invocado; Deus está no nosso cotidiano, nos nossos pequenos e grandes atos realizados diariamente. Deus está na forma em que vivemos; Deus está no sorriso do Diogo e no seu pedido de desculpas… Deus está em um cumprimento a um faxineiro desconhecido, porque Diogo foi ensinado a cumprimentar conhecidos e desconhecidos, o professor e o porteiro, todos….

Por favor, não citem a Bíblia em um julgamento; apesar de admirá-la muito e minha família ser católica, sempre soube que vivemos em um país laico e a justiça deve trabalhar com outro livro, que é a nossa Constituição.

Por favor, ajam com respeito quando atuarem.

Tenho certeza de que ontem duas famílias saíram derrotadas; não há vitoriosos nessa história… A condenação de Leonardo não trará Diogo de volta. Mas o fato de a Justiça ter sido eficaz, dentro do que nossa Constituição atual permite, ensina à sociedade que há regras e que devemos obedecê-las. Não muda a minha história, mas pode inibir que outras aconteçam. O funcionamento da Justiça tem esse objetivo.

Que Leonardo faça valer, com um novo sentido, cada minuto do restante de sua vida, e que seja em dobro, por ele e por meu filho.

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Um fato intrigante: durante o julgamento, o copo de vidro do advogado de defesa quebrou acidentalmente em sua mesa. Idêntico ao copo de vidro quebrado que cortou a jugular e ceifou meu filho deste mundo. Questiono-me se foi um mero acaso. Não, não preciso invocar Deus. Eu já sei a resposta.