A temática lembra vagamente a de Os Monstros (2011), a mise-en-scène rigorosa talvez só encontre paralelo em Sudoeste (2011). Estreia do último fim de semana no Cine Santander, As Horas Vulgares parece, à primeira vista, um filme de laços frouxos com os demais representantes do chamado novíssimo cinema brasileiro. Se ajuda a evidenciar a unidade desuniforme dessa produção, o primeiro longa-metragem dirigido por Rodrigo de Oliveira e Vitor Graize também é um daqueles que mais claramente escancaram um certo mal-estar geracional que perpassa alguns desses títulos, de A Alegria (2010) a Riscado (2010).
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Para construir a sua representação do vazio e da melancolia atuais, a dupla de realizadores capixabas (o primeiro com atividade crítica exercida na revista Cinética) olhou para trás. Foi buscar referências em códigos do passado, tanto no que diz respeito à forma (há ecos de Jean Eustache, Michelangelo Antonioni e, principalmente, Philippe Garrel) quanto ao conteúdo (os jovens que interagem na Vitória contemporânea se reúnem para ouvir jazz e trocam correspondências via correio tradicional).
A anacronia é proposital e, paradoxalmente, ajuda a dar a sensação de frescor de As Horas Vulgares – talvez porque, a despeito das mudanças que fazem a juventude do século 21 parecer tão diferente, em sua essência seus problemas são bem parecidos com os das gerações anteriores. A trama é baseada no livro Reino dos Medas, que Reinaldo Santos Neves publicou em 1971. Começa numa igreja, e esta é uma informação importante, que você vai entender na parte final da sessão. Há algo de místico e ritualístico na jornada do protagonista, o artista em crise existencial Lauro (João Gabriel Vasconcellos): ao lado do amigo Théo (Rômulo Braga), ele relembra noites de música, bebida e a tensão sexual naturalmente envolvida nas reuniões boêmias de rapazes e garotas de 20 e 30 e poucos anos.
Em um preto e branco que, apesar do alto contraste, não despreza os tons intermediários de cinza e não tem receio de incorporar os grãos da película de 16mm, duas sequências se sobressaem: aquela em que a banda executa uma peça jazzística observada pelos amigos, seus pequenos gestos e olhares cruzados, e aquela em que, ao fim da noite, o trágico destino de Lauro é finalmente revelado. Se antes o jogo memorialístico dos parceiros fazia lembrar Hahaha (de Hong Sang-soo, 2010), o tom de desamparo que vai se acentuando madrugada adentro remete ao clássico 30 Anos Esta Noite (de Louis Malle, 1963).
Um dos trunfos de As Horas Vulgares é a capacidade de revelar esse desamparo em meio ao carinho onipresente nas relações de amizade entre os personagens que vão e vêm na tela. Ao mesmo tempo em que celebra essa amizade, o filme ressalta a sua insuficiência, por assim dizer. É uma das grandes questões da contemporaneidade, essa, de se sentir tão próximo e tão distante de tanta gente. Oliveira e Graize fazem política ao ressaltar essa ambiguidade, o que os aproxima de Amantes Constantes (2005), ainda que, entre os filmes do francês Philippe Garrel aos quais tem sido associada, a produção capixaba pague mais tributo à Fronteira da Alvorada (2008).
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Em geral, o jovem elenco de As Horas Vulgares se sai bem, apesar da imensa gama de sensações que cada sequência busca dar conta. Os diálogos pretensiosos nem sempre soam naturais, mas o principal obstáculo para fruí-los é a construção narrativa cheia de quebras e com alguns flashbacks. É preciso atenção para acompanhar o filme. O resultado, ao menos, é recompensador.
As Horas Vulgares
De Rodrigo de Oliveira e Vitor Graize. Com João Gabriel Vasconcellos, Rômulo Braga, Higor Campgnaro, Taynara Dantas, Júlia Lund e Raphael Sil.
Drama, Brasil, 2011. Duração: 123 minutos. Classificação: 14 anos.
Em cartaz no Cine Santander Cultural, em Porto Alegre.
Cotação: 3 de 5 estrelas