Em carta endereçada a Donald Trump nesta segunda-feira, líderes internacionais de mídia manifestaram preocupação com os frequentes ataques do presidente norte-americano a veículos de comunicação. Enviado pelo World Editors Forum (WEF) e pela World Association of Newspapers and News Publishers (WAN-IFRA), o documento destaca o risco de que as ações comprometam a liberdade de imprensa.

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A carta é assinada por 42 líderes mundiais do setor da imprensa. Entre eles, o presidente emérito do Grupo RBS, Jayme Sirotsky, e o vice-presidente editorial do Grupo RBS e presidente do WEF, Marcelo Rech.

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O texto cita recentes restrições impostas por Trump a jornalistas, como a exclusão de determinados veículos de coletivas de imprensa na Casa Branca, e pede que o presidente norte-americano estabeleça uma relação saudável com a mídia.

“Tememos que o clima geral para a liberdade de mídia que está sendo promovido pela sua presidência comprometa seriamente a capacidade contínua de uma imprensa livre”, diz um trecho. “Nós acreditamos fortemente que o presidente da principal democracia do mundo deveria dar boas-vindas e incentivar a autocrítica rigorosa defendida pela imprensa livre como um meio de garantir os mais altos padrões de governança”, acrescenta.

O documento também cita um tuíte em particular de Trump, no qual ele classifica veículos como o jornal New York Times e a rede CNN de “divulgadores de notícias falsas” e “inimigos do povo americano”. Destaca, ainda, que os meios de comunicação encontrarão uma maneira de continuar a valorizar o trabalho de jornalistas profissionais e filtrar fatos de “desinformação”.

As entidades encerram o documento convidando Trump para um encontro com os seus representantes, ressaltando a importância da imprensa crítica para a sociedade.

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Leia a íntegra da carta (em inglês)

Veja a tradução:

“Caro Sr. Presidente

Escrevemos em nome da Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-IFRA) e do Fórum Mundial de Editores (WEF), para expressar nossa profunda preocupação com os recentes comentários feitos pelo senhor e por sua administração a respeito dos meios de comunicação. Em conjunção com a exclusão de órgãos midiáticos seletos de uma recente conferência de imprensa na Casa Branca, tememos que o clima geral para a liberdade de mídia que está sendo promovido pela sua presidência comprometa seriamente a capacidade contínua de uma imprensa livre de responsabilizar o poder nos Estados Unidos.

Sr. Presidente, estamos consternados por ouvir seus comentários frequentes, desde sua eleição ao cargo, depreciando a mídia e destacando órgãos individuais – aparentemente sem razão alguma além de retribuição pessoal por uma cobertura crítica do senhor ou de seu governo. Lembramos-lhe de que é o papel de uma imprensa livre, protegido pela 1ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América e pelo Artigo 19 tanto da Declaração Universal dos Direitos Humanos como do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, submeter o governo e as ações de funcionários públicos eleitos aos mais altos padrões de escrutínio e de responsabilização.

Destacamos um comentário particular, entre vários, que o senhor escolheu para articular via Twitter, cujos sentimentos o senhor repetiu durante o discurso para a Conservative Political Action Conference [Conferência de Ação Política Conservadora] realizado em 24 de fevereiro de 2017:

“O FAKE NEWS media (@nytimes, @NBCNews, @ABC, @CBS, @CNN) não é meu inimigo, é inimigo do povo norte-americano!”

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Tal acusação é imensamente prejudicial em vários níveis. Primeiramente, ‘fake news’, mais apropriadamente denominado ‘desinformação’, está de fato provocando uma crise entre as instituições de mídia de notícias profissionais em todo o mundo. Abordar a questão de como a mídia profissional responde ao fenômeno crescente é uma das maiores prioridades para os nossos membros. No entanto, é muito contraproducente ver o Presidente dos Estados Unidos da América alimentando o antagonismo em relação aos meios de comunicação rotulando-os – erroneamente – de “notícias falsas”. Na realidade, as organizações citadas pelo senhor neste tweetem particular aderem aos mais altos padrões profissionais e éticos, e é desonesto sugerir que eles contribuem para a epidemia atual de “notícias falsas”.

Já foi observado que os efeitos de esforços deliberados para disseminar informações errôneas influenciam processos eleitorais, alteram políticas e fazem emergir ódios sem precedente e ressentimento crescente entre povos; tudo isso contribui para a divisão de comunidades. As causas, bem como as respostas apropriadas que são precisas para que se oponha às informações errôneas, estão sendo analisadas em redações de mídia em todo o mundo, especialmente quanto ao que isso significa para a mídia profissional e para a prática jornalística.

A mídia encontrará uma resposta que continue a valorizar o trabalho de jornalistas profissionais e que permita ao público separar o fato da ficção. Porém, diferenciar aqueles que aplicam esses padrões das organizações, sites de blogging, comentadores de mídias sociais, etc. que não o fazem é parte crucial do desafio-chave iminente quanto a como lidar com informações errôneas.

Ao passo que de modo nenhum sugerimos que a mídia seja, ou deva ser, além da crítica, apontamos as formas, rigorosamente estabelecidas, de correção e retratação disponíveis para todos os que se sentem injustiçados pelas ações de organizações midiáticas profissionais. Quando isso falha, nossas sociedades democráticas têm recursos legais estabelecidos para limitar a liberdade de expressão de acordo com os padrões internacionais apropriados. Os freios e contrapesos fornecidos por um setor judiciário e por uma mídia independente são, portanto, essenciais para a manutenção da intersecção correta entre a aplicação de leis e o exercício de direitos em qualquer sociedade política.

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Um sistema desse tipo tal qual existe nos Estados Unidos é um a que muitos outros países aspiram, e que organizações profissionais tais como a WAN-IFRA comumente citam como um modelo a se tomar por exemplo ao tentar fortalecer estruturas em torno da mídia nas regiões mais árduas do mundo. Os EUA são vistos como uma inspiração para muitos ao redor do mundo, especialmente em termos de padrões de governança, aplicação das leis e direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição: é, portanto, essencial para os EUA manterem sua grande preocupação com esses direitos e fazerem o máximo possível para garantir a proteção dos mesmos. O fracasso em fazê-lo arrisca enfraquecer esses valores para os cidadãos dos EUA (e, aqui inclusa, a mídia), bem como inspirar regimes autoritários no exterior a afrouxar sua dedicação a valores democráticos.

Sr. Presidente, acontecimentos recentes parecem pôr tudo isso a perder. Temos de fazer objeção a sua acusação de que a mídia seria ¿os inimigos do povo norte-americano¿. Em uma época na qual jornalistas e meios de comunicação estão sendo cada vez mais atingidos por retaliações violentas (e, em muitos casos, retaliações fatais como resultado do trabalho que realizam), o teor do seu comentário é bastante provocante. Em uma nação profundamente dividida, um país que enfrenta muitos desafios em várias frentes, a necessidade de uma imprensa franca e crítica que aja como ombudsman de direitos essenciais em prol da sociedade parece ser mais urgente do que nunca.

Nós sentimos fortemente que o presidente da principal democracia do mundo deveria apreciar e incentivar o tipo de autocrítica rigorosa que uma mídia livre sustenta como um meio de assegurar os mais altos padrões de governança possíveis. Os meios de comunicação não devem ser vistos como um obstáculo para atingi-los e, portanto, pedimos que reconsidere as palavras que utiliza para melhor refletir isso e assegurar que os canais de poder permaneçam abertos e acessíveis a todos os meios de comunicação.

A WAN-IFRA foi fundada em 1948 pelos remanescentes da imprensa europeia independente, que reconheceu que os meios de comunicação tinham – em vista da ascensão do populismo violento e dos horrores que trouxe durante a Segunda Guerra Mundial – em grande parte falhado em sua responsabilidade de proteger os valores democráticos no continente. A organização baseou seus princípios fundamentais em torno da noção de que uma imprensa livre e independente é o pilar da sociedade democrática e que, sem uma mídia vibrante, financeiramente sadia e corajosa, nossas comunidades ficariam novamente expostas ao tipo de tirania e perseguição testemunhadas antes e durante os anos de conflito que tanto assolaram o mundo.

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A associação cresceu rapidamente a partir de sua base inicial e hoje abrange cerca de 18 mil membros de mais de 120 países em todo o mundo. Muitos de nossos partidários mais antigos e mais francos fizeram – e, de fato, ainda fazem – parte da imprensa dos EUA; e são esses mesmos membros pelos quais sentimos a necessidade urgente de representar através desta carta.

Neste contexto, e dada a urgente necessidade de corrigir as atitudes da atual administração perante a imprensa, convidamos o senhor a se reunir com nossos representantes assim que possível para discutir maneiras de reconstruir uma relação profissional. Acreditamos firmemente, Sr. Presidente, na importância e no valor que uma imprensa crítica e vociferante traz à sociedade democrática, e gostaríamos muito da oportunidade de convencê-lo disso”.

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*Zero Hora