Em 1972, a Marinha reconhecia que o deputado Rubens Paiva estava morto. Contudo, questionada em 1993 pelo presidente Itamar Franco sobre a situação de desaparecidos políticos, afirmou que o parlamentar continuava sumido.

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As versões diferentes, identificadas em outros 10 casos, foram reveladas no balanço do primeiro ano da Comissão Nacional da Verdade (CNV), nesta terça-feira, em Brasília.

Assessora da CNV e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, a historiadora Heloísa Starling apresentou um prontuário de mortos, produzido pela inteligência da Marinha, o Cenimar, em dezembro de 1972. Na relação está Rubens Paiva, cassado pelo regime militar (1964-1985) e preso no Doi-Codi do Rio em 1971.

– Se a Marinha reconhecia a morte de Rubens Paiva em 1972, como ele estaria foragido mais de 20 anos depois? – questionou a historiadora.

A professora se referiu ao documento de 1993. Com a democracia restabelecida, o presidente Itamar Franco pediu ao Ministério da Justiça uma atualização sobre desaparecidos políticos. A pasta solicitou os dados aos comandantes das Forças Armadas, quando a Marinha omitiu o relatório do Cenimar. A pesquisa da CNV identificou a sonegação da informação em 11 casos, incluindo guerrilheiros do Araguaia e militantes de partidos de esquerda, nos quais o centro gerou farta documentação, consolidada em 12.072 páginas.

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– É a primeira vez que se tem um documento oficial do Estado brasileiro reconhecendo a morte de Rubens Paiva – destacou Heloísa, que segue estudando os casos.

A descoberta do prontuário pela CNV é mais um passo para elucidar o caso do deputado paulista, em que as Forças Armadas negam o assassinato de Paiva, que jamais teve o corpo encontrado. Em novembro do ano passado, Zero Hora revelou com exclusividade os documentos do ex-comandante do Doi-Codi carioca, coronel Julio Miguel Molinas Dias, assassinado em Porto Alegre, que confirmavam a prisão do deputado em 1971.

– As revelações mostram a farsa que tentam sustentar. A família quer a responsabilização dos responsáveis pelo assassinato do meu pai – diz Vera, filha de Paiva.

CNV afirma que tortura começou em 1964

O balanço parcial do trabalho da Comissão Nacional da Verdade indica que a tortura já esteve presente no começo do regime militar, em 1964. A historiadora Heloísa Starling identificou entre 1964 e 1965 uma rede de 37 centros de tortura, espalhados em sete Estados, sendo que dois ficavam em Porto Alegre: a 6ª Companhia de Polícia do Exército e o Deops.

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– A tortura começa a ser praticada nos quartéis em 1964. A tortura não é realizada de modo pontual, é a base da matriz de repressão da ditadura – destacou Heloísa.

O levantamento, segundo a pesquisadora, contrapõe as versões de que a tortura foi uma resposta a luta armada. Os dados revelam que antes do Ato Institucional 5, baixado em 1968, as violações já eram cometidas. Com o regime mais rigoroso, já em 1970, Starling frisou que os centros de repressão eram ligados diretamente ao comando do Exército, exercido por Orlando Geisel, podendo chegar ao presidente da República, Emílio Médici.

– É pouco provável que o general Médici não recebesse informações de seu ministro mais importante, o ministro do Exército Orlando Geisel.

CONTRAPONTO

O que diz a Marinha

Com relação ao balanço divulgado pela Comissão Nacional da Verdade, esclarece que todos os registros existentes nos arquivos da instituição solicitados pelo Ministério da Justiça foram encaminhados àquele órgão, em 5 de fevereiro de 1993. Portanto, a Marinha reitera que não há qualquer outro registro nos arquivos desta Força diferente daqueles encaminhados ao MJ naquela ocasião.

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Cabe mencionar que, dentre os valores e preceitos éticos cultuados pela Marinha, destaca-se o rigoroso cumprimento das leis e dos regulamentos. Nesse contexto, a Marinha do Brasil continuará contribuindo para a consecução das tarefas desempenhadas pela Comissão Nacional da Verdade, colocando-se à inteira disposição para o atendimento de qualquer demanda que esteja ao seu alcance.