Imagine que você sofreu um acidente e fraturou um braço ou quebrou o pé. O caminho natural é ir ao hospital, fazer exames e, por meio de radiografias, identificar o problema. A dinâmica é semelhante no caso de uma doença – uma gastrite ou uma pneumonia, por exemplo. A depressão, no entanto, não aparece quando o paciente é exposto ao raio X, nem é detectada com uma amostra de sangue, mas é uma doença que precisa de tratamento como todas as outras.
Continua depois da publicidade
Ignorar os sintomas é arriscado e, em alguns casos, pode ser fatal: o agravamento no quadro de depressão e de outros transtornos psíquicos e emocionais é a principal causa de suicídios. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 300 milhões de pessoas sofrem de depressão no mundo, e pelo menos 800 mil tiram a própria vida a cada ano. Ou seja, uma a cada 40 segundos.
:: Saiba o que fazer se alguém falar sobre cometer suicídio ::
No ano passado, Joinville registrou o mais alto número de suicídios da história da cidade: 53 pessoas tiraram a própria vida. Em 1996, quando estes dados começaram a ser computados, foram 22 pessoas e, dez anos depois (em 2006), 21 mortes deste tipo entraram na lista anual da Secretaria Estadual de Saúde. Até agora, o ano com registro mais alto havia sido 2013, com 48 suicídios em Joinville.
O tabu criado em torno da morte voluntária, com a convicção de que a vítima tem total consciência para compreender e calcular o resultado, é o mais perigoso elemento entre todas as combinações de causas para o suicídio. A falta de conhecimento é, por isso, a primeira que precisa de ‘recuperação’: a depressão e os outros transtornos devem ser compreendidos por toda a sociedade para que o número de vítimas desta doença diminua e, por consequência, o número de suicídios também.
Continua depois da publicidade
As mortes por suicídio são atos doentios, sem glamour ou heroísmo. Abalam famílias, desestruturam lares e multiplicam o sofrimento dos que ficam. Histórias de indivíduos que tenham tirado a própria vida sempre envolvem tristeza, revolta e culpa. Afinal, alguém só comete um ato tão brutal quando está em intenso sofrimento, a ponto de não ver mais salvação. Falar sobre suicídio ainda é um tabu. Mas conversar sobre o assunto, entender o fenômeno e estar atento a quem a gente ama são o jeito mais eficaz de se evitar a tragédia.
:: Como identificar sintomas que podem ser indícios de depressão e de comportamentos suicidas ::
Só com a percepção dos sintomas a tempo para o diagnóstico e o apoio das pessoas mais próximas do paciente é possível que as políticas públicas para tratamento de doenças como a depressão se tornem efetivas. Para que isso aconteça, é importante entender que o suicídio não é uma escolha racional, assim como as tentativas de suicídio não são uma forma irresponsável de chamar a atenção.
– A pessoa que comete suicídio ela quer ‘se matar’, mas não quer morrer. A morte em questão é da dor. Ela quer acabar com um sofrimento insuportável – explica a psiquiatra Regina Martins Pinto.
Ela é autora do livro Depressão: uma Abordagem Prática, lançado em parceria com o psiquiatra Ataíde do Nascimento, e atua há 35 anos como psiquiatra da infância e da adolescência, boa parte deste período em Joinville.
Continua depois da publicidade
– A depressão é a doença do século 21. Neurocientistas se basearam em estudos estatísticos e epidemiológicos para fazer esta previsão, e é verdade: temos hoje pessoas deprimidas em todos os cantos do planeta – afirma Regina.
:: Em quatro anos, doze crianças e jovens de 10 a 19 anos cometeram suicídio em Joinville ::
Em 2017, a morte por suicídio no mundo já é maior do que a soma de mortes em guerras, homicídios e desastres naturais. E a perspectiva da OMS para o futuro não é nada animadora: a estimativa é de que, em 2020, este número chegue a 1,2 milhão – um suicídio a cada 20 segundos.
Doença do ‘futuro’
Os transtornos mentais são, principalmente, associados a fatores como a química cerebral e mudanças hormonais, mas há outros elementos que podem contribuir para o desenvolvimento destas doenças. Vivenciar experiências traumáticas ou de estresse, como abusos e violências; ter condições de saúde limitantes, dores crônicas, síndromes e tumores; e aspectos sociais, como problemas financeiros, local de moradia e gênero, também estão entre os fatores de risco associados ao comportamento suicida.
:: Saiba onde buscar ajuda para tratamento da depressão em Joinville ::
Privação de sono, sedentarismo, maus hábitos alimentares e a falta de contato com a natureza, quer dizer, hábitos comuns na sociedade atual em que a maior parte da população vive em áreas urbanas, também estão na lista de itens que, em conjunto, podem estar relacionados às causas da depressão.
Continua depois da publicidade
Estas situações ajudam a explicar o porquê de, apesar da conscientização sobre o suicídio como problema de saúde pública, a taxa destas mortes continua aumentando. Para o psiquiatra e professor do curso de medicina da Univille Cláudio Simões, há explicações multifatoriais para o aumento, como condições culturais e sociais.
– Há décadas, as estatísticas mostram que em países industrializados o índice é maior. A sociedade globalizada e a grande quantidade de informações que recebemos também influenciam – avalia.
Além disso, ele acredita que os registros dos órgãos de saúde mostram números mais altos porque houve aumento no número das notificações. Segundo Cláudio, há pouco tempo era comum que, a pedido das famílias, a causa da morte fosse identificada de outras formas pela perícia, como ingestão excessiva de medicamentos ou acidente.
O professor defende que, em certa medida, os dados sobre suicídios mostrem crescimento porque a quebra do tabu permite mais veracidade nos relatórios – uma evolução que agora precisa garantir que os pacientes não cheguem ao limite de doenças como a depressão.
Continua depois da publicidade
– Existem certos preconceitos em nossa sociedade sobre as doenças mentais, em função dos tratamentos psiquiátricos do passado. É um estigma cultural que vem aos poucos se atenuando – avalia ele.