De sua casa, em Juiz de Fora (MG), às vésperas de uma viagem para São Paulo, onde participará do Festival Coala, Milton Nascimento respondeu as perguntas enviadas por e-mail pela reportagem do Diário Catarinense.
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Tímido, mas com muita história para contar, Bituca – como é conhecido desde criança – foi objetivo, porém não menos expressivo. Declarou seu amor por Elis Regina, a primeira cantora famosa a gravar suas composições e com quem solidificou uma relação de amizade desde a década de 1960.
Milton é carioca, de uma comunidade na Tijuca. A mãe, Maria do Carmo do Nascimento, era empregada doméstica e morreu de tuberculose ainda muito jovem, enquanto Bituca tinha dois anos. Ele foi adotado e viveu rodeado de amor por Lília e Zino. Foi o casal que o defendeu em situações de racismo.
Recentemente, Milton adotou Augusto, seu único filho. No evento no Memorial da América Latina, ele faz show domingo e comemora a apresentação que terá a participação especial de Criolo.
Diário Catarinense: Você tocava piano desde os dois anos de idade, em algum momento pensou em ter alguma outra profissão que não fosse cantor?
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Milton Nascimento: Sempre tive uma paixão por astronomia, e já cheguei a pensar seriamente em ser astrônomo. Mas acabei indo para Belo Horizonte (MG) e me tornei datilógrafo no escritório de Furnas, em 1962. Ao mesmo tempo, eu também quase fiz faculdade de Economia. Só que veio a música e acabou tomando conta de tudo.
DC: Quais percalços enfrentou até consolidar a carreira?
M.N.: Muita coisa, né? Passei por tudo que um músico iniciante enfrenta até hoje, falta de lugar pra tocar, falta de pagamento, muito músico e pouca vaga. Falta de tudo mesmo.
DC: Sua mãe estudou com Heitor Villa Lobos, que influência tem dele na sua música?
M.N.: Villa Lobos tem uma obra fantástica e eu já gravei muitas coisas dele. Em 1980, por exemplo, gravei uma música chamada Caicó, no álbum Sentinela, que é de autoria do Villa Lobos com letra da Teca Callazans. E no disco Txai, gravei uma dele chamada Nozanina, inspirada na experiência do Villa com os povos indígenas. Enfim, Villa Lobos é o Brasil.
DC: Sofreu algum tipo de preconceito por ser negro?
M.N.: Quando mais jovem aconteceram algumas coisas em Três Pontas, onde fui criado. E essas histórias já até saíram em livros, assim como eu também já dei algumas entrevistas falando disso. Mas quando isso acontecia eu sempre tive a sorte de ter meus pais por perto, dona Lília e Seu Zino.
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DC: Você sempre fazia uma música pensando na voz de Elis Regina?
M.N.: Elis Regina foi o grande amor da minha vida.
DC: Que interferência Elis teve na sua carreira? Fale um pouco mais da sua relação de amizade com ela.
M.N.: Ela foi a primeira cantora famosa a gravar uma música minha, “Canção do Sal”, em 1966. Mas eu já era fã da Elis desde o primeiro disco que eu ouvi. E ter convivido com ela foi uma das maiores alegrias da minha vida.
DC: Maria Maria fala na força da mulher. Como você enxerga a mulher hoje, diante dos movimentos de feminismo que ganham voz principalmente com as redes sociais?
M.N.: Cada um deve fazer aquilo que se sentir melhor, eu acho que todos têm o direito de fazer as coisas que lhe fazem bem, é isso…
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DC: O que o Clube da Esquina representou na sua carreira? Você acha que hoje é possível surgir algum movimento similar?
M.N.: Cada geração tem sua própria história, e isso acontece naturalmente.
DC: O que representa a música pra você hoje? O que você escuta em casa? Ainda ouve discos físicos?
M.N.: Ouço desde disco físico, LP, tudo quanto é tipo de música. O lance é ouvir música, sem isso não dá…
DC: Uma de suas músicas se tornou o hino das Diretas Já, um momento em que o país era tomado pela esperança. Você vê semelhanças entre o cenário da política nacional daquela época e hoje?
M.N.: Tá tudo muito esquisito, viu…
DC: Você tem esperança por um país melhor?
M.N.: Claro, sempre!
DC: Como você vê o domínio do sertanejo e do funk nas paradas nacionais? Houve um empobrecimento estético na música nacional ou isso é reflexo da época?
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M.N.: Como eu disse lá atrás, acho que cada pessoa deve fazer aquilo que lhe faz se sentir melhor.
DC: Você já gravou mais de 30 álbuns, o que vem mais por ai?
M.N.: Na verdade acho que são quase 40… A gente tem feito umas coisas, logo mais vem novidade por aí.
Colaborou Emerson Gasperin