A moda transgressora que invadiu Londres no final dos anos 60 chamou a atenção de um jovem italiano fascinado pelo caos criativo da época. Elio Fiorucci percebeu que também fazia parte daquele cenário. Embalado pelos Beatles e impressionado com as minissaias de Mary Quant, revolucionou, à sua maneira, a história da moda com uma criatividade exacerbada.
Continua depois da publicidade
A sua morte, aos 80 anos, na última segunda-feira (dia 20), em Milão, convida a um resgate sobre a vida deste homem que deu início ao processo que hoje chamamos de democratização da moda. Impulsionado pelas transformações socioculturais, o empresário apostou intuitivamente na moda de rua. Soube tirar proveito disso e aplicar na marca conhecida pela figura de dois anjinhos, que foi objeto de desejo no mundo inteiro.
Os jeans Fiorucci romperam com o conceito unissex, foram os primeiros com modelagem para corpos masculinos e femininos e a exibir lavagens diferenciadas, texturas desgastadas e rasgadas. As camisetas fugiam do padrão básico T-shirt, os moletons ganharam estampas de Walt Disney e as bolsas de lona colorida marcaram época. As cores sempre deram o tom lúdico e de modernidade da marca que passou longe do estereótipo tradicional de grife. Também tinha perfumes, e os papéis de carta eram uma sensação.
A primeira loja Fiorucci abriu em Milão em 1967. Filho de sapateiro, Elio não quis herdar os negócios do pai. Preferiu apostar num espaço multicultural onde vendia discos, livros, roupas e acessórios muito modernos – o que hoje chamamos de concept store. Claro, ele sempre esteve à frente do seu tempo.
Em 1976 atravessou o oceano e desembarcou em Nova York, no auge da revolução comportamental. Ficou amigo do artista pop Andy Warhol, que se encantou com o colorido da butique instalada na Rua 59. Logo assinaram muitas parcerias. Uma das mais importantes foi a inauguração do lendário Studio 54. Em outra noite por lá, uma loirinha que cantava muito bem se apresentou para ser DJ. A dupla apostou no talento da desconhecida que depois o mundo passaria a conhecer por Madonna. Basquiat foi outra figura que se envolveu com Fiorucci e entrou para a lista de amigos que veneravam a loja como um templo da modernidade.
Continua depois da publicidade
Ele ainda lançou a revista Interview, a bíblia dos descolados, e fechou por dois dias o seu endereço em Milão para o grafiteiro Keith Haring decorar livremente as paredes com a sua arte gráfica. E antes que a Benetton consagrasse Oliviero Toscani pelas polêmicas fotos, foi para a Fiorucci que o fotógrafo fez campanhas ousadas, sensuais e até chocantes para aquela época.
Por muito tempo, usar Fiorucci foi o maior desejo de uma juventude que viu nascer o consumo como necessidade. A marca se espalhou pelo mundo e chegou ao Brasil por meio da então empresária Glória Kalil. Mas o sucesso não garantiu a estabilidade do reinado que ruiu nos anos 90. Por razões econômicas, a grife foi vendida a um grupo japonês, e o pai da moda democrática – que nunca foi designer, mas sabia reconhecer um grande talento criador – deixou o palco.
Ele reduziu as incursões no mundo da moda, da arte e da música. Até criou novas marcas e integrou o Comitê Científico do Instituto de Design Europeu, mas não conseguiu voltar ao pódio. Permanecem, porém, as ideias revolucionárias e a postura visionária de um anarquista que quebrou paradigmas e se divertiu enquanto defendia que “moda é para usar”. Consciente também de que moda é sair do lugar comum. Sua história fica, como um dos grandes protagonistas da cultura pop.