Quando atendeu o telefone, o eletricista aposentado João Terba dos Santos, 62 anos, disse que “ia pensar”. Não pretendia conceder entrevistas, a pedido da família e dos quatro ex-colegas de Celesc, que viveram com ele o drama do Apagão em 2003. Mas acabou recebendo a reportagem do DC em sua casa no Bairro Forquilhinhas, em São José. Em pé, na garagem de casa, falou por mais de 30 minutos.
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Diário Catarinense – Qual era o trabalho de vocês naquele dia?
João Terbas dos Santos – Entramos na galeria em cinco pessoas e com todo o material próprio para fazer a manutenção nos cabos. Nós tínhamos recebido uns cabos novo, de baixa tensão. Éramos especializados nisso. O que pegou fogo foram as linhas de transmissão, que não estávamos trabalhando. As linhas não estavam energizadas. Estava tudo desligado. Tínhamos que entrar com lanterna para fazer conexão lá dentro porque não tinha espaço para o gerador. A passarela era de madeira. De uma lado estavam os alimentadores de alta tensão e o alimentador do lado direito. Era bem apertadinho, mas você caminhava em pé. Ali só podia derreter as mantas com liquinho. A gente ligava e ia derretendo.
DC – O que aconteceu?
Santos – O pessoal chegou, puxou os cabos, começou a preparar as pontas para ligar e eu cheguei no local. O Jacques (Naschenweng), que era o nosso chefe, designou eu e o Mário (César de Matos) para fazer um serviço mais à frente, uns 100 metros, para começar a botar os cabos na prateleira e arrumar. Aí ficamos ali, mas sempre com lanterna, porque é totalmente escuro. Quando terminamos o serviço e estávamos voltando, o Jacques e o Vado (Evaldo Rocha Floriano) já tinham pulado lá embaixo naquele vão e o Sydney (Vasquez) também. Aí eles gritaram: corre que pegou fogo!
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DC – Vocês não ouviram nada?
Santos – A gente estava longe, não tinha como ouvir. Aí andamos mais um pouco e vimos fogo total. Viramos e saímos correndo em direção à Ilha. Aí mais pra frente, na passarela, tem uma abertura, a gente pulou perto do terminal, uns dois metros de altura. E voltamos pela ponte, para o outro lado, no Continente. Quando chegamos lá, já tinha todo o pessoal da Celesc esperando. Naquela hora a gente não sabia mais nada sobre os três. Depois, ficamos sabendo que o Vado e o Jacques tinham pulado na abertura, amarraram a camisa e, como a ponte tem uma espécie de tobogã, pularam ali. Bateram as costas e caíram na água. O Sydney conseguiu voltar por uma abertura e veio correndo no sentido Continente. A essa altura, com o fogo, não tinha nem como ser diferente. Houve uma explosão e eles ficaram apavorados e nós saímos correndo.
DC – Eles se machucaram quando caíram?
Santos – Eles se lascaram um pouquinho, mas tiveram sorte porque cair daquela altura ali, na água… A sorte é que era um tobogã e eles bateram com as costas ali, não no ferro. Bateram no tobogã e saltaram longe. Aí um bombeiro que viu fumaça e veio ver o que tinha acontecido. Chegou lá, estavam os dois na água e perguntou: “o que vocês dois estão fazendo aí?” Recolheram os dois… A essa altura já tinha toda a direção da Celesc na cabeceira da ponte esperando a gente.
DC – O que o senhor pensou na hora?
Santos – Nesse meio tempo, quando eu estava ali embaixo, eles (Jacques e Evaldo) telefonaram para nós para a gente avisar o pessoal (da Celesc) que tinha pegado fogo no alimentador. Quem ligou foi o Jacques para o Mário, que estava do meu lado, com o celular. Ele disse: liga para o despachante e avisa que pegou fogo no alimentador. A gente já tinha corrido dali. Quando pegou fogo, a gente correu, saiu do vão. Ligamos para o despachante, mas o despachante não ia acreditar.
DC – Quem é o despachante?
Santos – Ele fica dentro da sala de comando e vê todos os alimentadores. Se der um defeito, acusa no computador dele na hora. O Mário ligou, mas ninguém acreditou. Quem ia acreditar que ia pegar fogo num alimentador?
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DC – Mas não aparecia no computador?
Santos – Depois de certo tempo, o alimentador desapareceu no sistema. Aí o despachante acreditou que a Ilha inteira estava fora e tomaram providências, chamaram os engenheiros. Quando chegamos ao Continente, a pé, contamos o que aconteceu. Mas aquela altura nem os Bombeiros conseguiam entrar mais na galeria.
DC – E aquela altura já tinha acabado a luz?
Santos – Não, demorou um pouco. Os cabos são grandes e dentro do cobre corre o óleo. Foi aquilo que foi queimando.