Na segunda-feira, quando as tropas do governo interino egípcio cercavam os acampamentos islâmicos, Michael Hanna apressou-se e embarcou para o Cairo, onde ele foi bolsista Fulbright na Universidade do Cairo e, agora, realiza pesquisas sobre o Oriente Médio pelo think tank The Century Foundation. Do centro da capital egípcia, acompanhou os desdobramentos do massacre. Por telefone na sexta-feira, Hanna descreveu o Cairo como uma cidade-fantasma em diversos momentos, mas com forte presença militar e violentos confrontos. Para Hanna, o Egito e os países da região passarão um longo tempo de instabilidade e mudança. Leia trechos:

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Zero Hora – Que forças predominam no governo neste momento?

Michael Hanna – Quem tem o poder são os militares. Há civis, ainda, embora o de perfil mais elevado fosse o vice-presidente Mohamed ElBaradei, que renunciou. Foi um grande golpe para o governo, mas há outros líderes civis, um gabinete comandado por um social democrata, Hazem al-Beblawi. Esperava que houvesse mais renúncias.

ZH – Qual a vinculação com Mubarak?

Hanna – O comando tem líderes sêniores, mas houve uma grande mudança geracional entre os militares. Abdul Fatha al-Sisi, ministro da Defesa, era chefe de inteligência quando eclodiram os protestos de 2011. Mas, quando se tornou ministro em agosto passado, aposentou os generais mais velhos. Mas os novos também agem de forma extremamente violenta e estão decididos a acabar com a Irmandade Muçulmana.

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ZH -Há possibilidade de diálogo?

Hanna – Havia um plano de transição, mas que não foi aceito pelos militantes de Mursi. A violência atual e a instabilidade, porém, coloca tudo isso em xeque. Havia uma possibilidade há algumas semanas, mas esse momento não existe mais. As partes parecem determinadas a escalar o conflito.

ZH – A comunidade internacional poderia ter agido antes?

Hanna – Houve esforços de mediação encabeçada pelos EUA e pela União Europeia. Eles pensaram que chegaram perto de, pelo menos, um acordo para definir passos para se começar uma negociação, mas isso caiu por terra. Muitos culpam os militares por isso.

ZH – A queda de Mohamed Mursi, foi golpe ou revolução?

Hanna – Ambas as coisas. Houve uma revolução e houve um golpe.

ZH – Os egípcios estavam no caminho da democracia?

Hanna – Não. Há tempos, a possibilidade de democratização deixou de existir. O país estava regredindo, voltando ao autoritarismo. Havia uma visão muito limitada em termos de como o país deveria ser governado e se sobressaía uma grande incompetência para gerir o país. Não se pode dizer que a eleição tenha estabilizado o país. E, desde novembro de 2012, o país entrou em uma crise política grave e contínua.

ZH – É o fim da Primavera Egípcia?

Hanna – Não houve, de fato, uma revolução no Egito, não houve uma reforma institucional sistemática, mas também é difícil imaginar que tudo esteja terminado. Acho que instabilidade e mudança irão acompanhar o Egito e outros países da região por muitos anos. Não penso que haja um retorno ao status quo de onde se partiu em 2010.

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ZH – Que mudanças se pode observar?

Hanna – As autoridades no poder tendem a tratar a situação sob o prisma de ameaças de segurança, então, deverá haver violência em larga escala. Mas também ocorreram mudanças na sociedade, nas expectativas das pessoas, na maneira de pensar. Isso é parte da razão pela qual a repressão não terá como se sustentar por um tempo tão longo.

ZH – Qual a força que ainda resta da Irmandade Muçulmana?

Haana – A Irmandade perdeu muito de seu apoio na sociedade, mas ainda tem uma militância de base bastante determinada. O apoio em áreas rurais é provavelmente o mais forte, mas está enfraquecido no Cairo.

ZH – Os Estados Unidos irão interromper a ajudar internacional?

Hanna – A natureza da relação não será mais defensável. Acredito que deverão suspender nos próximos meses a ajuda militar ao Egito, mas isso não é um passo que se tome de uma só vez. Os EUA são o mais importante aliado do Egito, com ajuda de US$ 1,3 bilhão de ajuda. As relações militares são muito próximas, mas os militares egípcios têm suas prioridades. Agora, ambos ponderam se esta relação é intocável ou se pretendem arriscá-la. É nisso que estamos.

ZH – A reação internacional foi fraca?

Hanna – A comunidade internacional tem poucas ferramentas para lidar com isso. O Conselho de Segurança com a presença da Rússia e da China, não irá se engajar de forma contundente em temas egípcios. O Egito tem aliados tradicionais nos EUA, na UE, na Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, mas este apoio está obviamente se erodindo.

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