A Argentina está na iminência de uma mudança forte no dia 22. Aliás, está entre a mudança forte e outra muito forte. A forte é o candidato kirchnerista, Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires. A muito forte é o candidato oposicionista,

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Mauricio Macri, prefeito da cidade de Buenos Aires. Scioli, peronista conservador, é um situacionista visto com desconfiança pela presidente centro-esquerdista Cristina Kirchner, que relutou em apoiá-lo e lhe impôs o vice, o ultrakirchnerista Carlos Zannini. Macri é a personificação da linha econômica neoliberal. Seus detratores o vinculam aos traumáticos anos 1990, do menemismo e de uma falsa euforia representada pela “pizza com champanha”, seguida da maior crise já vivida pelo país.

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As pesquisas indicam grandes possibilidades de mudança intensa em 10 de dezembro, dia da posse. O instituto Poliarquía apresenta Macri com 48,7% das intenções de voto e Scioli com 40,2%. O Management & Fit mostra 51,8% a 43,6%, com 10,9% de indecisos e só 8% que admitem mudar de voto.

Para o Gonzalez y Valladares, Macri tem 51,6% contra 40,3% de Scioli. E um dado relevante: conforme o Gonzalez y Valladares: 8,2% dos que apoiam Scioli e 1,7% dos simpáticos a Macri admitem alteração, percentual que vai a 14,3% entre quem votará em branco.

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É importante lembrar: no primeiro turno, em 25 de outubro, Scioli teve 37,08% dos votos contra 34,15% de Macri. O resultado derrubou as pesquisas, que apontavam diferença maior. E os analistas fizeram coro: Scioli precisaria conseguir mais votos para superar a rejeição ao governo, dispersa entre os 60% que optaram por alguém da oposição. A tendência seria de migração majoritária para a candidatura de Macri. E os números dos levantamentos corroboram essa percepção.

Em 25 de outubro, o terceiro mais votado foi Sergio Massa (21,39%), ex-chefe de gabinete da presidente, que se tornou dissidente dois anos atrás. Conforme a Management & Fit, 57,1% dos eleitores de Massa afirmam que optarão por Macri no segundo turno e 20,6% por Scioli. Na pesquisa da González y Valladares, o apoio a Macri chega a 65,9% nessa parcela do eleitorado, contra 22,5% para Scioli.

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– A equação se dará entre as ânsias de mudança de boa parte da população, após 12 anos sob o kirchnerismo, e o desejo de manter as conquistas, manifestado por outra porção, não menor, do eleitorado. O resultado depende em boa medida dos que votaram em Massa – diz o historiador argentino Carlos Malamud.

Os candidatos e seus trunfos

A favor de Scioli, Malamud traz elementos práticos:

– Recordemos que aproximadamente 40% do eleitorado depende do Estado, como empregados públicos, aposentados e beneficiários de planos sociais.

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A favor de Macri, emerge a lógica matemática:

– Não devemos nos guiar pelas aparências, que são más conselheiras. Mas, pelas aparências, Macri será o presidente argentino. As pesquisas dão entre oito e 10 pontos de vantagem para ele. De cada três eleitores de Sergio Massa, dois dizem que votarão em Macri.

De um lado, há o aspecto utilitário favorável ao governista, que tem a máquina pública a seu favor. De outro, o fato de que 60% da população não votou em Scioli, o candidato governista, no primeiro turno. A tendência, em tese, é de que a maioria desses eleitores se una.

Opositores de Cristina tentam levar a eleição

Também há os perfis: peronista à moda antiga, homem de vocação negociadora e disposto a conversar até com especuladores internacionais, Scioli cometeu deslizes que podem ter-lhe tirado votos: viajou à Itália em meio a uma enxurrada na província que governa, e uma manifestação de feministas foi reprimida com violência pela polícia buenairense em Mar del Plata.

Já Macri é a representação mais próxima dos anos 1990, herdeiro do impopular ex-presidente Carlos Menem e do chamado “alinhamento carnal” aos Estados Unidos. O governo Menem se iniciou com a paridade cambial e terminou na crise do corralito – a retenção de depósitos para assegurar a liquidez nos cofres públicos.

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De qualquer forma, Malamud antevê um elemento dado como certo, apesar da polarização: terminou, segundo ele, a “hegemonia” do “modelo kirchnerista”, saindo a atual “verticalidade” centralizadora das decisões e entrando o diálogo, com o estabelecimento de alianças e um protagonismo maior do parlamento.

– Tudo indica que chegam novos ares para a Argentina, que tanto necessita deles – diz Malamud.

Diretor do Poliarquía, Eduardo Fidanza recomenda cautela nas análises, mesmo que a vantagem de Macri pareça estar cristalizada em algo como 10 pontos a apenas duas semana das eleições. Argumenta que o debate deste domingo pode ser decisivo.

– Um grande acerto ou um grande erro, de qualquer um dos dois, pode mudar tudo – diz.

Fidanza vê o panorama político argentino como “polarizado” e constata um “paradoxo”:

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– O fenômeno da polarização, paradoxalmente, reafirma o ambiente kirchnerista. Terá de se decidir entre duas opções, entre diferenças, entre o “nós” e o “eles”, o bem e o mal.

Novos matizes internacionais

Outro elemento importante para o futuro argentino: as relações internacionais.

– O desaparecimento de um Kirchner da constelação regional de presidentes populistas debilitará a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) e seus círculos concêntricos de poder, como a União de Nações Sul-americanas (Unasul). As dívidas e os compromissos de Scioli com (o venezuelano) Nicolás Maduro, (o equatoriano) Rafael Correa, (o boliviano) Evo Morales ou (o cubano) Raúl Castro são sensivelmente inferiores aos dos seus predecessores. A respeito de Macri, nem se fala, é muito distinto – diz Carlos Malamud.

Em entrevista a correspondentes internacionais, Macri sinalizou que deseja reforçar vínculos da Argentina com o Brasil, primeiro parceiro comercial argentino, e com os vizinhos Uruguai e Chile. Sublinhou que diferenças ideológicas não serão obstáculo com a brasileira Dilma Roussef, o uruguaio Tabaré Vázquez e a chilena Michelle Bachelet – Tabaré e Bachelet são dos partidos socialistas em seus países. Ainda enfatizou, provocando os adversários: para Dilma será “mais fácil chegar a um acordo comigo do que com Cristina”.

– Espero que o Brasil supere a crise institucional e econômica o mais cedo possível. Quanto melhor for o Brasil, melhor iremos – disse Macri, que já confirmou: se eleito, terá o Brasil como primeira escala internacional.

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No primeiro turno, Scioli interrompeu a campanha para visitar Dilma em Brasília, nitidamente com o objetivo de marcar posição como aliado da presidente brasileira.

– Temos de colocar todo o esforço na integração comercial e na complementação entre os países. A Argentina tem a predisposição de trabalhar com o Brasil para buscar novos mercados que potencializem nossas exportações em condições justas – discursou, já procurando falar como futuro presidente.

Não é à toa que o cientista político Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, vê nas eleições presidenciais argentinas “mais um prego no caixão do populismo dito de esquerda na América Latina” e “o fim de um ciclo histórico” – em muito, segundo ele, por causa de um modelo que, mediante matérias-primas em alta, “distribui renda sem modernizar a economia e as relações sociais”.

Caso pontual da futura política externa argentina: em tese um aliado, Scioli deve pisar em ovos na relação com a Venezuela e com o regime chavista, que, de qualquer forma, tende a perder força nas eleições legislativas do próximo dia 6 – a oposição teria vantagem de entre 20 e 30 pontos percentuais, dizem as pesquisas. Macri já anunciou sem qualquer prurido: exigirá o fim das prisões políticas venezuelanas e, caso continuem, questionará a presença da Venezuela no Mercosul, alegando o rompimento da cláusula democrática.

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Um deles será o presidente

O segundo turno forçou dois políticos parecidos e amigos entre si a se confrontarem. São vários os pontos a uni-los. Ambos vêm do esporte, tiveram trajetória marcante no setor privado, têm origem empresarial, são políticos tardios e prometem gestão baseada no diálogo – marcando diferença em relação ao atual governo.

As circunstâncias levaram Mauricio Macri, empresário de corte liberal, a ser a representação do anti-kirchnerismo. Também as circunstâncias levaram o peronista conservador Daniel Scioli a ser o guardião dos 12 anos de “Casal K” e defensor da linha centro-esquerdista que flerta com o bolivarianismo chavista. Scioli tem defendido as reestatizações feitas sob o kirchnerismo – caso da petrolífera YPF.

Macri diz que manteria a YPF estatal, mas não vacilaria ao enveredar pelas privatizações, até porque, ao contrário de Scioli, defende medidas imediatas e para promover correções de rumo na economia. Na área social, ninguém cogita reduzir programas, mas Macri fala em recuperar o nível alto da educação argentina, o que leva a crer em estratégias amplas e menos assistenciais. Leia os perfis dos dois:

Daniel Scioli

De perfil retraído, Daniel Scioli, 58 anos, foi do esporte à política há 25 anos. Sempre fugiu dos confrontos, ao contrário da presidente. Ex-campeão de motonáutica e vice de Néstor Kirchner (2003-2007), é desde 2007 governador da província de Buenos Aires, onde vivem 16 milhões dos 40 milhões de argentinos. Candidato da Frente para a Vitória (FPV), foi visto com receio pelo kirchnerismo “duro”, crítico a sua autonomia conservadora. Mas tem se apresentado como a “continuidade do projeto” forte em políticas sociais.

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– Scioli é uma interrogação – definiu para a France Presse, recentemente, Pablo Knopoff, da Isonomía Consultores.

Neto de imigrante italiano, ele cresceu em meio a privilégios, numa casa onde “os corredores estavam cheios de geladeiras e aquecedores”, lembrou ele sobre a Casa Scioli, rede de lojas de eletrodomésticos na década de 1980. Hoje, declara patrimônio de US$ 1,4 milhão, inclusive a propriedade de 13 mil metros quadrados em Villa La Ñata, onde organiza jogos de futsal e recebe celebridades.

Tornou-se empresário, mas a paixão pelo esporte o levou a conquistar oito mundiais de motonáutica. Esperou três décadas e, em 5 de outubro, na campanha, concluiu a Licenciatura em Comercialização na Universidade Argentina da Empresa, título que ofereceu ao pai.

Em 1989, um acidente que quase lhe custou a vida, quando corria os mil metros do delta do rio Paraná, amputou seu braço direito. Reinventou-se e aprendeu a ser canhoto, habilidade que demonstrou na TV quando deu nó na gravata com a mão esquerda. Sua capacidade para sobreviver também foi posta à prova na política: saiu ileso das lutas internas do peronismo, movimento ao qual pertence e que abarca de conservadores a esquerdistas.

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Conduzido à política por Carlos Menem, foi nomeado secretário de Esportes por Eduardo Duhalde (2002/3) e vice-presidente de Néstor Kirchner, três inimigos entre si.

– É um líder tradicional, mas de ideias pouco conhecidas – define Walter Schmidt, coautor da biografia “Scioli secreto”.

O candidato, que admitiu tardiamente a paternidade de Lorena, filha que teve na juventude e que fez dele avô, convive há 30 anos – entre casamento, divórcio e retorno – com Karina Rabolini, ex-modelo e empresária da moda.

Mauricio Macri

Rico de berço em um país marcado pelas reivindicações sociais. Esse é o contexto e a marca de Mauricio Macri, 56 anos. Ex-presidente do Boca Juniors e prefeito da cidade de Buenos Aires, ele se anuncia o homem que vai alterar o rumo argentino, kirchnerista há 12 anos. É líder do partido conservador Proposta Republicana (PRO) e encabeça a aliança Cambiemos, com apoio da social-democrata União Cívica Radical (UCR).

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Geralmente contido, Macri tem abraçado crianças e idosas nas províncias mais pobres. Com metas empresariais, promete manter ampla rede de contenção social. As políticas iniciadas com Néstor Kirchner (2003-2007), que tiveram continuidade com Cristina (2007-2011 e 2011-2015) gozam de 60% de apoio popular.

Por isso, Macri evita bater de frente com elas. Conhecido como adepto de políticas ultraliberais, tem garantido que ampliará o alcance da atribuição universal por filho, que beneficia com US$ 91 ao mês 3,5 milhões de crianças pobres. Os adversários dizem que tal compromisso vale até o dia 22, para atrair o voto de peronistas descontentes com Cristina.

Macri faz questão de reafirmar o fanatismo pelo Boca Juniors – clube que se sagrou campeão argentino no início do mês. Conta que sempre quis ser o “camisa 9 xeneize” – o goleador. Formou-se em Engenharia Civil e rumou pela carreira empresarial. Sua falta de talento como jogador não o impediu de cumprir o sonho de ter protagonismo no clube do coração. Tornou-se presidente do Boca (de 1995 a 2007), em uma fase de muitos títulos do clube.

Macri é o mais velho dos seis filhos do empresário Franco Macri, italiano que chegou à Argentina em 1949 e fez fortuna com companhias de construção, automotivas, de aeronavegação, energias renováveis e serviços. O patriarca é conhecido por manter bom relacionamento com quaisquer governos, inclusive com Cristina, desafeta do seu filho.

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Macri se casou três vezes, a primeira aos 22 anos, em 1981, com Ivonne Bordeu, de quem tem três filhos. Em 1994, com a modelo Isabel Menditeguy. A atual mulher do candidato é a empresária do setor têxtil Juliana Awada, 41 anos, com quem ele tem uma filha de três anos. Juliana é amiga de Karina Rabolini, mulher do hoje rival Scioli.