Pela primeira vez na história das eleições municipais, o número de candidatos pretos e pardos é maior que o de brancos no Brasil, representando de forma mais igualitária a diversidade da população. No entanto, há um espaço difícil de ser preenchido entre se candidatar e se eleger, e o cenário eleitoral de Santa Catarina deixa claro esse desafio ainda presente na democracia.

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Nas últimas eleições para prefeitos e vereadores, em 2016, 8,5% de todos os candidatos em Santa Catarina se declararam pretos ou pardos, e somente 4% conseguiram se eleger. Para 2020, o número de candidatos aumentou para 11,5%, o que corresponde a 2519 das 18,7 mil pessoas que vão disputar alguma vaga de vereador ou prefeito.

Para tentar reduzir o caminho entre se candidatar e se eleger, já vale para as eleições deste ano a cota mínima que os partidos precisam aplicar no financiamento de candidaturas de negros. Assim como já existia em relação às mulheres, agora os partidos também devem garantir uma repartição igualitária das verbas para campanhas de brancos e negros.

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O objetivo é dar mais representatividade para um público que representa 56% dos brasileiros mas ainda ocupa poucas cadeiras nos cargos públicos pelo país. Em Santa Catarina, segundo dados do IBGE de 2018, cerca de 19% da população se declara preta ou parda, mas nas eleições de 2016 apenas um dos 295 prefeitos eleitos era autodeclarado preto.

Para o presidente do Conselho Estadual das Populações Afrodescendentes (Cepa/SC), Márcio de Souza, que já foi vereador por Florianópolis, sem representantes negros no Executivo e no Legislativo uma parcela da população fica sem atenção, pois “só sabe quem sente”:

– A população negra enfrenta adversidades históricas para consolidar a ideia de que a participação política leva a algum processo de melhoramento da vida. Isso é um investimento que se faz desde o ambiente social, cultural, de situações econômicas, para você estimar que participar de um partido pode fazer esse salto qualitativo na tua vida. Historicamente, não se deu ao negro a viabilidade do poder, foram impedidos no início, não criou-se uma participação.

Márcio lembra que nem mesmo a histórica eleição da deputada estadual Antonieta de Barros conseguiu abrir espaço para mais negros na política catarinense. A jornalista e professora de Florianópolis foi a primeira mulher negra a ser eleita para um mandato popular no Brasil, na década de 1930, mas depois dela nenhum outro negro se elegeu para a Assembleia Legislativa de Santa Catarina até hoje.

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– Eu fui o primeiro negro eleito em Florianópolis, em 1992, e enfrentei toda essa sorte de coisas. Minha condição politica que viabilizou foi a atuação no movimento sindical, movimento negro, que deram condições para obter a votação. Os negros raramente figuram como candidaturas prioritarias, por causa do preconceito, do racismo. Agora está mudando o tom, a juventude negra criou o desejo de olhar para a escrita da sua própria história – avalia Márcio.

> Eleições 2020 em Santa Catarina: saiba tudo sobre a votação

Desigualdades reforçam o cenário

Segundo uma pesquisa do IBGE divulgada no fim do ano passado, Santa Catarina tem – ao lado do Rio Grande do Sul – a menor proporção de candidaturas de negros a cargos públicos no Brasil. Nas últimas eleições, nenhuma das 15 candidaturas com receita acima de R$ 1 milhão era de um candidato preto ou pardo.

As desigualdades na política refletem, também, situações sociais vividas pela população negra em Santa Catarina. Ainda segundo o IBGE, o rendimento per capita médio dos negros em SC é 39,2% menor que o dos brancos. Em valores mais precisos, isso representa uma diferença de R$ 1700 para R$ 1221 por mês.

Da mesma forma, a população negra em Santa Catarina tem uma taxa de desemprego maior: 8,9% contra 5,6% em relação aos brancos. Mesmo assim os dados do Estado ainda estão entre os melhores do país segundo o IBGE.

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“Precisamos estar presentes na política”

Eleitora, mulher, negra e líder comunitária, Ana Lucia de Brito espera ver na campanha eleitoral ao longo das próximas semanas mais propostas de políticas públicas que busquem reduzir essas desigualdades raciais em Santa Catarina. Presidente do Centro Cultural Escrava Anastácia, em Florianópolis, ela deseja uma campanha com os negros representados de uma forma correta no cenário eleitoral.

– Eu queria ver mais a questão do que os candidatos pretendem fazer de politicas publicas para a população negra. A gente sabe que a grande maioria dos negros mora em comunidades que geralmente estão nas periferias, onde tem menos condições água e esgoto, condições de moradia, de saúde. Ainda não existe uma política pública para a saúde da população negra, e isso é primordial – avalia a eleitora de 53 anos.

Ana Lucia acredita que o aumento nas candidaturas de negros se dá pelo entendimento de que a representativide na política é a única maneira de avançar nestas questões historicamente desiguais. Nos trabalhos sociais do centro cultural, com comunidades da Capital, ela conta que a importância da participação política é levada aos jovens. 

– Não falamos em política partidária, mas em política social. Seria hipocrisia não mostrar que precisamos de representatividade nos locais, mostrar que os jovens que estão lá com a gente têm potencial para ocupar um cargo de vereador, prefeito, secretário. Se eu quero ter representatividade, se eu quero meus direitos, eu tenho que procurar aquilo que é mais adequado. Eu como mulher negra, eu me sinto na obrigação de votar em um homem negro ou em uma mulher negra.

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