A eleição municipal costuma ser vista como uma disputa à parte, pautada por problemas do dia a dia da cidade, como asfalto nas ruas, saúde, educação e saneamento. Uma disputa feita em meio à pandemia do novo coronavírus, em um momento de polarização política do país, deve tornar a campanha de 2020 ainda mais singular. Sem o popular corpo a corpo, impossibilitado pela necessidade de distanciamento social, a eleição deve ter novamente nas redes sociais uma plataforma para conectar candidatos e eleitores. Isso traz desafios como lidar com os disparos de mensagens e problemas já registrados em 2018, como as fake news.
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> Saiba mais informações sobre as eleições de 2020
O doutor em Ciências Sociais e professor da Furb, de Blumenau, Marcos Mattedi, argumenta que em eleições municipais há sempre diferentes disputas em jogo ao mesmo tempo. Nas grandes capitais, as candidaturas têm repercussão nacional, enquanto nas cidades menores os assuntos costumam ser bem mais localizados.
– Eleição municipal é um pouco zeladoria. Os buracos de rua, a coleta de lixo, o abastecimento de água, (entram em pauta) os serviços mais importantes para o cidadão. Em cidades maiores, como Florianópolis, por exemplo, têm outros atores importantes como um setor imobiliário forte, discussões sobre plano diretor. Quanto menor a cidade mais importante são os buracos – avalia.
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O cientista social e mestre em Sociologia Política Sérgio Saturnino Januário, da Exitus Comunicação e Pesquisa, crê que esta eleição será de manutenção de uma transição que ainda está em curso:
– Será um voto sem muito destino do ponto de vista do ponto de chegada. Uma manutenção da transição que estamos vivendo, e não de resolução dessa transição.

Cientistas políticos ouvidos pela reportagem sobre quatro discussões centrais sobre as eleições municipais de 2020 em Santa Catarina. Confira o que eles apontaram:
Fator pandemia
A pandemia da Covid-19, que impôs uma nova normalidade ao mundo, deve forçar também uma nova forma de fazer campanhas eleitorais. Nesse contexto, o uso das redes sociais ganha ainda mais força para marcar presença enquanto o distanciamento social seguir impedindo o corpo a corpo mais caloroso de outras eleições.
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O doutor em Ciências Sociais e professor da Furb, de Blumenau, Marcos Mattedi, acredita que esse uso das redes sociais deve ocorrer de forma mais criativa e pessoal, sem o uso dos disparos em massa ocorridos em 2018, alvos de investigação no TSE. Além disso, crê que o contato pessoal dos candidatos vai acontecer, mesmo com a pandemia de coronavírus, principalmente nas áreas de periferia das grandes cidades.
– A Covid-19 afeta a eleição de duas formas. De um lado, pela gestão da crise, (é preciso) saber se ela vai afetar a avaliação da gestão municipal. Os prefeitos vão ser cobrados por isso. De outro lado, interfere na forma de fazer a campanha em si – aponta Mattedi.
Eduardo Guerini defende que os candidatos vão precisar fazer mais do que uma campanha tradicional pelos meios virtuais.
– Eles vão precisar apresentar propostas que atendam às necessidades que já estão surgindo na pandemia. Transporte coletivo, educação, saúde. Isso vai exigir dos governos atuação mais contundente na responsabilidade social e também fiscal, dada a crise posterior à pandemia – pondera Guerini.
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Sérgio Januário reconhece que a pandemia cria certo afastamento entre candidatos e eleitores, mas defende que ela também pode virar um pretexto para quem não quer se envolver de fato nos debates de uma eleição.
– Pode ser elemento, digamos assim, de uma preguiça política, uma desculpa. De certa maneira, ele pode dizer que está fazendo lives, fazendo postagens nas redes. Vira somente uma autopromoção muito ruim, podendo resultar em uma eleição da preguiça em termos de conteúdo – critica Januário.
Fim das coligações
Antes da pandemia, o fim das coligações nas eleições proporcionais (para vereadores) era encarada como a principal mudança para as eleições municipais de 2020. E mesmo no novo cenário, essa alteração ainda é vista como capaz de alterar a dinâmica da campanha que está por vir.
Sérgio Januário afirma que uma consequência será o número maior de candidatos.
– Por precisar de menos votos para conseguir chegar, todo mundo acredita que tem uma chance maior. Mas ao mesmo tempo haverá menos voto disponível para cada um, por haver mais gente concorrendo – pontua.
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A mudança também pode afetar partidos políticos que não tiverem bom desempenho nas urnas este ano. Segundo os especialistas eles podem se fundir a outras legendas após as eleições de 2020.
Direita, esquerda, centro?
Em eleições municipais, os temas locais costumam pautar o debate eleitoral. Problemas próximos da vida do cidadão por vezes ficam à frente de uma posição ideológica entre direita e esquerda, por exemplo, que promovem verdadeiras polarizações recentes no país.
O professor Marcos Mattedi confirma que as eleições municipais se atêm mais aos assuntos da cidade, mas aponta que quanto menor a cidade, mais radicalizada se torna a eleição, pelo fato de a prefeitura ocupar lugar central na vida das pessoas.
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O sociólogo Sérgio Saturnino Januário minimiza a discussão entre direita e esquerda e diz que o que prevalece no fundo é uma relação entre situação e oposição.
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– Nossa política é de se apoderar da coisa pública. O prefeito não é o representante dos interesses do povo, ele é o dono, ele manda, e não representa os interesses dos outros. A gente mudou a rota da boa política para isso, para o efeito do personagem – critica.
O cientista político Eduardo Guerini acredita que o eleitorado catarinense deve continuar optando por um discurso conservador, à direita, com preferência por candidatos ligados à religião e a categorias militares, personificando o voto em vez de considerar os programas dos partidos.
– A eleição tende a ser polarizada, sem muitas propostas e projetos específicos, com uma campanha bastante superficial diante dos graves problemas que municípios devem enfrentar – projeta.
Prévia de 2022?
As eleições de 2020 podem antecipar um cenário para as próximas eleições para governador e presidente, em 2022? Embora tenha as particularidades, ela pode sim dar algumas pistas sobre como estará a relação de forças entre os partidos até lá. Para o cientista social e mestre em Sociologia Política Sérgio Saturnino Januário, os possíveis candidatos a presidente em 2022 inclusive mexem mais com o imaginário do eleitor hoje do que os concorrentes a prefeito e vereador nas cidades.
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Eduardo Guerini sustenta que eleição municipal não é avaliação do governo federal e lembra que o próprio presidente Jair Bolsonaro disse que não iria se envolver nas disputas nos municípios. Ainda assim, afirma que o pleito de 2020 será um teste para partidos que ganharam força na onda bolsonarista de 2018.
– Será um teste para os que se intitulavam da nova política e também o que se chama de onda conservadora, extremista, polarizada, para ver até onde ela vai. Vai ter que dar respostas contundentes às necessidades cada vez mais graves de saúde, educação, saneamento e transporte nos municípios – aponta.
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Marcos Mattedi afirma que por não estar filiado a nenhum partido, o presidente não deve sofrer desgaste político pela legenda eleger mais ou menos prefeitos. Por isso, ele aponta que Bolsonaro “não perde e nem ganha” nas eleições municipais deste ano.
– Se o corpo conservador toma as principais prefeituras, é uma sinalização. Já se a ala progressista toma prefeituras, indica um pouco nesse sentido. Por enquanto não existem ainda muitos elementos nos municípios. Mas as pesquisas que saíram no começo desse mês sobre a popularidade do Bolsonaro (subiu de 32% para 37%) indicam um pouco o fortalecimento desse grupo – ressalta.
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