As eleições municipais deste ano serão em novembro, mês em que tradicionalmente, desde 2011, ocorre a celebração da cultura negra e o combate ao racismo. O encontro destas duas datas importantes é o convite ideal para fazer o eleitor refletir e agir. Eleger candidatos comprometidos com a luta antirracista é uma forma de viver em uma cidade mais saúdavel e justa para todos.
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Antes mesmo do mês da consciência negra chegar, esses assuntos já estavam postos ao grande público com a onda das manifestações antirracistas que aconteceram após a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, e de João Pedro, no Rio de Janeiro. Além disso, os diversos episódios de injúria racial registrados em Santa Catarina mostram que o racismo nunca esteve longe do Estado mais branco do Brasil, segundo o IBGE.
Santa Catarina é o Estado brasileiro que possui uma das menores proporções de negros na sua população e é também um dos Estados com mais casos de racismo do país. Segundo dados de 2018 do IBGE, 19,5% da população se declara preta ou parda (1,3 milhão) contra 79,9% que se declara branca (5,6 milhões).
No último levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Estado registrou no ano passado uma das maiores taxas de registros de injúria racial (1.794) e de racismo (175) do Brasil, seguindo o que já foi identificado em 2018.
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O racismo tem a ver com chamar alguém de “macaco”, falar que o cabelo crespo é “ruim” ou segurar a bolsa firme quando vê um homem negro “suspeito” passando perto de você. Mas não só. Racismo tem a ver com a violência policial, que mata mais negros do que brancos, com a violência sexual e doméstica, que afeta mais meninas e mulheres negras do que brancas e sobre a desigualdade racial dentro dos presídios.
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Mas como eleitor, é importante saber que a falta de saneamento básico, os problemas de habitação, o sucateamento de escolas e da saúde pública das cidades também tem a ver com o racismo.
— É importante entender que a execução de políticas públicas impacta na vida das pessoas pobres e vulneráveis, que na maioria das vezes, são negras. Escolher um candidato que está focado em resolver o problema da pobreza e do saneamento básico, por exemplo, é também escolher alguém comprometido com a questão racial — afirma Jaqueline Conceição, diretora-executiva do Coletivo Di Jejê, instituto de pesquisa sobre raça e gênero.
Cientistas políticos, ativistas e antropólogos ouvidos pela reportagem acreditam que os episódios de violência policial contra negros e o abismo racial desnudado com a pandemia possam aparecer nas eleições municipais. O Tribunal Superior Eleitoral demonstrou que este ano já houve aumento da participação população negra na disputa pelos cargos.
— Com alguma cautela, entendo que a tendência é que esta indignação acompanhe cada eleitora e eleitor e exploda nas urnas. O voto é uma convocação à prática. Evidente que as mudanças efetivas para alterar isso não são resolvidas numa eleição. Mas é um bom começo — analisa Pamela íris Mello da Silva, doutoranda em Antropologia Social na Universidade Federal de Santa Catarina.
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Entenda como identificar candidatos antirracistas:
1) Escolha candidaturas negras
Dos 21.847 candidatos as eleições municipais em Santa Catarina, 772 deles se autodeclararam negros e 1.825 pardos. Ou seja, pouco mais de 11% do total dos candidatos. Grande parte são homens e disputam por uma cadeira da câmara de vereadores das cidades catarinenses.
— Não tem como ser mais antirracista do que votar em candidatos negros. Mas também é importante que estes candidatos tenham consciência racial para que também possam contribuir na luta antirracista. — afirma Mariana Félix, mestre em ciências políticas.
2) Cobre posicionamento público contra o racismo
Essa característica deve ficar explicita principalmente em candidatos brancos, segundo o advogado de militante José Ribeiro.
— Isso tem que estar expresso, tem que ser uma exposição de postura pública: Não admito, não permito e avanço contra quem tem práticas racistas. Isso é fundamental! — pontua.
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3) Analise as propostas
O candidato deve defender temas caros a população negra. Ele deve pensar em políticas públicas que reduzam as desigualdades e elaborar mecanismos para combater o racismo.
— O candidato deve ser capaz de pensar em políticas públicas interseccionais. Ele tem que pensar na população negra em questões que envolvem educação, saúde, segurança e assistência social. O debate sobre raça para candidatos brancos deve ser central. Isso é extremamente importante para a construção das cidades. É preciso ter esse olhar e entender que as pessoas negras são distintas uma das outras e as políticas públicas devem atender a essas diferenças — analisa Mariana Félix.
4) Pergunte a opinião dele sobre políticas públicas
O racismo é um tema socialmente mal visto, isso quer dizer que, nenhum candidato, mesmo que questionado, vai afirmar ser racista. Perguntar a opinião dele sobre políticas públicas voltadas para a defesa e aos interesses da população negra, como a política de cotas, por exemplo, pode ajudar.
5) Conheça a trajetória do candidato
Procure saber como o candidato se expressava em relação ao racismo antes de se tornar elegível. É importante saber também qual foi a atuação dele ou dela em prol da população negra até aqui.
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— Um bom referencial é saber se a pessoa atua na defesa de políticas de igualdade racial. Qual a postura que ela ou ele teve até aqui? Não basta dizer que não é racista. A pessoa tem que se expor como alguém que não tolera o racismo e luta contra ele — afirma José Ribeiro.

A frase da filósofa e ativista americana Angela Davis poderia ser o mantra nas eleições de 2020. Muito mais que discursos, telas pretas nas redes sociais e tapinhas nas costas no mês de novembro a sociedade catarinense precisa oferecer muito mais para nós. Precisa colaborar para que algo realmente novo possa sair de tudo isso. E o primeiro passo pode estar a uma tecla verde de distância.