Em uma entrevista coletiva que durou cerca de uma hora, na tarde desta sexta-feira, a promotora de Justiça, Márcia Arend, explicou os motivos que a levaram a pedir o arquivamento do inquérito do desvio das peças do pátio da Secretaria de Segurança Pública (SSP), em São José.

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A entrevista, no 12º andar do edifício Terra Firme, em São José, na sala da promotoria da Moralidade Administrativa, foi marcada por um clima tenso entre a promotora e os jornalistas a cada pergunta e resposta. Confira abaixo os principais trechos das declarações da promotora:

ENTREVISTA: Márcia Arend, promotora de Justiça

Quais os motivos para o arquivamento? As provas eram insuficientes?

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Márcia Arend – Os inquéritos policiais não são os acervos de provas dos atos criminais, são acervos de atos de investigação e que devem ser aptos a chancelar uma denúncia, para que não haja uma denúncia temerária e para que as pessoas não sejam injustamente acusadas. Esse processo ele não reúne, ao meu sentir, os atributos dessa certeza para que me permitissem atribuir a acusação de práticas delitivas aos indiciados. De modo que é comum que as pessoas entendam os atos de investigação como atos de provas. Se os atos de investigação fosse atos de provas nós não precisaríamos nenhum de nós, do Poder Judiciário, para julgar.

Foram forjados então?

Márcia – Não se trata de forja de documentos. Não poderia atribuir isso nunca à autoridade policial. Mas, na análise que fiz dos autos, não encontrei elementos que pudessem caracterizar os verbos nucleares dos tipos penais que o legislador estabelece. O processo licitatório, ao que percebi, foi correto. Havia a etapa da desmontagem do veículo, a previsão estava, e consta numa portaria. A investigação policial não me permitiu saber que peças e motores que foram objeto da apreensão em Joinville fossem ou não as integrantes do acervo arrematado pela Gerdau. É bem provável que sim. E sendo, a Gerdau era dono do material, razão pela qual os tipos penais contra a administração pública, que são de peculato e peculato culposo, eles não se perfectibilizaram. Porque você não tem como atribuir a alguém a prática de desvio de coisa que já não é mais do Estado. E o crime de quadrilha, há ausência de elementos normativos, que exige uma associação deliberada para a prática reiterada e permanente de crime. A atuação da autoridade policial no dia 27, com o acompanhamento de um caminhão, e lavra inquérito no dia 28, ela já fez a apreensão, os objetos não chegaram a ser comercializados. Não houve comercialização de nenhum produto. Temos que observar que a lei penal é um instrumento de garantia. O acusador para acusar tem que ver reunido todos os elementos possíveis.

E em relação aos dados de quebra de sigilo (dos indiciados)?

Márcia – Não temos nenhuma condição, não houve nenhum tipo de variação econômica na conta de qualquer das pessoas. Em relação aos levantamentos, as ligações telefônicas, também não foi apto a mostrar que tivesse havido. Até porque não tem áudio, há ligações recebidas e discadas. Não há possibilidade de atribuir como prova sequer indiciária de ajusta que pudesse qualificar com quadrilha.

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Há um julgamento de habeas-corpus do Tribunal de Justiça que viu crimes. A senhora teve análise disso?

Márcia – Para fins da atuação do Ministério Público, essa manifestação da lavra do desembargador Sérgio Heil, ela não tem nenhuma interferência na análise dos elementos constitutivos e atos a chancelar uma denúncia. O pedido que foi formulado naquele processo era em relação a questões processuais e o processo penal ainda não existe. Era em relação ao inquérito. De modo que essa etapa é completamente diferente e a titularidade da ação penal é do MP.

Delegados comentam que pelo fato de a senhora ter sido secretária-adjunta da Justiça e Cidadania (no atual governo) haveria a sua suspeição nesse caso…

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Márcia – Eu acredito que talvez seja uma manifestação própria de alguma inconformação muito particularizada, provavelmente por algumas específicas pessoas que eu nem sei quais são. Mas, é evidente que não há nenhuma relação minimamente distante ou próxima entre o fato de eu ter desempenhado as funções na Secretaria da Justiça com as minhas atribuições de 30 anos de promotora de Justiça. Eu acredito que seja mais fruto de talvez de uma incontenção.

Os motores são o alvo da grande polêmica. Os motores que estão dentro do pátio hoje podem então vir a parar em ferro-velho, já que são da Gerdau?

Márcia – O fato de ter dito isso não estou autorizando nada. Se tiver, havendo, de isso que a autoridade policial chamou de desvio, de modo que alguém venha a comercializar um bem inservível e isso seja do conhecimento da Gerdau, é outra questão.

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Os motores poderiam ser comercializados? Havia motores apreendidos…

Márcia – Você não tem comercialização no motor. Isso é uma dedução que vocês fazem. Tenho um acervo de 10 mil toneladas de sucata. A tendência das pessoas é achar que sucata é aquilo que não tem valor nenhum. O motor não pertencia mais e eu não sei se o motor que foi encontrado no ferro velho Nascimento, que foi encontrado pela autoridade policial, que seguiu aquele caminhão naquele dia 27, é o mesmo motor que estaria no pátio. Segundo, quem foi que botou o material ali dentro? A autoridade policial também não me disse. Ela não diz quem botou. Ela não ouviu ninguém.

Por essas razões não seria o caso de continuar a investigação?

Márcia – No meu modo de entender, como toda a investigação trabalha sobre a questão da desmontagem, e a desmontagem é lícita, e era de material arrematado pela Gerdau, a destinação do material ferroso ela poderia fazer. Tanto que há um pré contrato entre a Gerdau e a G-Truck, que não chegou a ser finalizado. Não havia a proibição de subcontratação.