O professor da UFSC Rubens Nodari tinha estado apenas em dois momentos com Marina Silva. Sem carreira administrativa e sem filiação política, doutor em Genética pela Universidade da Califórnia, nos EUA, é um especialista e pesquisador em transgênicos e biossegurança. Por isso, foi a escolha de Marina para ocupar a gerência de recursos genéticos da Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Ficou cinco anos no Ministério, praticamente o mesmo período que a ex-senadora passou à frente do Ministério do Meio Ambiente. E desde então nunca mais perdeu contato com a política, especialmente para discutir questões ambientais. Ele conversou com o DC sobre o período e sobre como era a atuação da política no comando da pasta. Sobre Marina, resume: “Ela continua uma estudante”.
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DC – Como era o dia a dia com a então ministra?
Rubens Nodari – Todo sábado ela convidava um de nós para a casa dela e ela queria saber detalhes daquela agenda, inclusive as questões técnicas. Porque quando ela foi ministra ela convidou alguns políticos, mas também muitos técnicos _ tinha vários professores universitários com ela. Cada vez ela convidava um ou dois, e dedicou praticamente todos os sábados do primeiro ano a isso. Nas reuniões do ministério não dava tempo de discutir cada minúcia. Ela dizia que, para tomar uma decisão, tinha que ter ciência do todo da questão, para uma decisão política.
DC – Qual o perfil dela como gestora?
Nodari – As características dela são as seguintes: ela jamais tomou uma decisão sem consultar seus assessores, levava muito em consideração uma visão holística – olhar o todo – porque qualquer decisão que ela tomasse ia afetar muitas pessoas, e ela fazia consultas bastante amplas, dificilmente tomou uma decisão que contrariava o próprio governo, sempre consultava os outros ministérios. Ela entrava em choque apenas no debate interno. Tanto é que saiu sem criticar o governo. Ela é bastante ética nesse sentido. Se ela assume um compromisso, ela vai cumprir.
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DC – Ela conseguiu deixar um legado em sua passagem pelo Ministério do Meio Ambiente?
Nodari – Ela defendia no governo que o mais importante no ministério, que a existência da própria instituição, era que as questões ambientais fossem levadas em consideração na hora de tomadas de decisões de qualquer ministério. Por exemplo, Minas e Energia ou ministério dos Transportes. Ela defendia que não deveria existir essa dicotomia na administração pública, que tinham questões centrais para o futuro do país, e que a ambiental era uma delas. Ela sempre tinha uma preocupação de largo prazo. Ela institui essa visão, mas que agora terminou: se a gente conseguir estruturar políticas públicas, as ações não vão mais depender de pessoas. Ela tinha uma preocupação de marcos estruturantes.
DC – O senhor trabalhou com ela na questão dos transgênicos. Foi a liberação do plantio de alimentos geneticamente modificados que levou à saída dela?
Nodari – São vários episódios. Um deles é a questão dos transgênicos. Ela achava que tínhamos que adotar o princípio da precaução. Não liberar enquanto não tivéssemos mais estudos. Segundo, a agenda do ministério de Minas e Energia não levava em conta nenhuma questão ambiental _ só queria abrir hidrelétricas, enquanto nós pedíamos também investimentos em energia solar e eólica _ e, por último, a questão do desmatamento na Amazônia (que foi prioridade nos primeiros anos do governo Lula e foi perdendo posições na lista das urgências). Os estudos dizem que se a gente perder a Amazônia, nó perdemos 70% do PIB da América Latina, porque pelos menos um terço da água que cai no Mato Grosso, no Paraguai e na Bolívia. Ela dizia o seguinte, só nós continuarmos nesse ritmo, nós vamos comprometer o futuro econômico do país, por exemplo com os prejuízos no plantio da soja. A gota d’água foi que o que ela apregoava ali não refletia mais como agenda de governo.
DC – Uma das críticas que se faz a ela é que a sua religião, por Marina ser evangélica, podem afetar suas decisões. O senhor acha que as crenças dela podem fazer com que barre eventuais leis como a liberação do aborto, por exemplo?
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Nodari – Eu acho que não. Bom, não sei. Vou contar pelo passado. Na lei de biossegurança (de 2005), incluíram até a liberação de células tronco embrionárias. Ela ia discutir no âmbito do governo, mas quando chegava nesse ponto ela dizia: “Eu não vou opinar”. Por exemplo, eu lembro que ela me mandava para vários debates para discutir esse assunto. Ela não era a favor que fossem usados embriões para isso, mas dizia que, se a sociedade aceitasse, ela não ia colocar a vontade dela acima da vontade do país. Tanto é que eu nunca vi ela criticar a lei por causa desse ponto.