Um dos personagens emblemáticos do movimento que culminou na derrubada do ditador Hosni Mubarak, do Egito, em fevereiro do ano passado, o diplomata Mohammed El-Baradei, Prêmio Nobel da Paz em 2005, afirmou nesta segunda-feira, em São Paulo, que não pretende concorrer à presidência de seu país e que, no futuro, cumprirá o papel de “padrinho” dos jovens que lutam pela instauração de um regime democrático no país. Ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), braço das Nações Unidas para controle da proliferação nuclear, El-Baradei, 70 anos, iniciou ontem uma agenda de compromissos no Brasil, que calcula já ter visitado “seis ou sete vezes”. Um encontro com a presidente Dilma Rousseff, no qual o egípcio se mostrou interessado, não será possível por razões de agenda, informou a assessoria do ciclo Fronteiras do Pensamento, responsável pela vinda de El-Baradei. Hoje, às 19h30min, ele profere conferência na Sala São Paulo, na capital paulista, e amanhã, no mesmo horário, sobe ao palco do Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre, para mais uma exposição.

Continua depois da publicidade

Trajando terno preto e gravata verde, cor associada ao Islã, El-Baradei conversou na tarde de ontem por cerca de 50 minutos com jornalistas num auditório da Livraria da Vila, no Shopping Higienópolis, no bairro paulistano homônimo. Falando inglês com tradução simultânea para o português, ele respondeu a perguntas sobre a Primavera Árabe, a agremiação política que acaba de fundar no Egito, batizada de Partido da Constituição, as perspectivas de estabilização e paz no Oriente Médio e o Irã. Sobre esse último tópico, mostrou-se surpreso com o interesse dos brasileiros. Depois da coletiva, concedeu uma breve entrevista a Zero Hora. Ao final, perguntou:

– Por que tanta preocupação com o Irã?

A seguir, uma síntese da entrevista:

Zero Hora – Manifestantes de janeiro e fevereiro na Praça Tahrir temiam um governo da Irmandade Muçulmana, como este, de Mohammed Morsi, pela visão religiosa conservadora. A Irmandade pode salvaguardar a esperança?

Continua depois da publicidade

Mohammed El-Baradei – A esperança expressa na Primavera Árabe tem de ser protegida por todos. A Irmandade tem sua visão, não necessariamente compartilhada por outros. Por isso, temos estes problemas com a Constituição (El-Baradei refere-se aos impasses surgidos na elaboração da nova Constituição, que cabe a um parlamento no qual a maioria pertence à Irmandade Muçulmana). Se 34% dos egípcios são analfabetos, se 40% vivem abaixo da linha de pobreza, não acredito que ninguém, seja da Irmandade, seja comunista, tenha a solução exclusiva para isso.

ZH – Como o senhor vê a relação entre o movimento pela democracia e as redes sociais?

El-Baradei – As pessoas continuam nas redes sociais, apresentando ideias, organizando manifestações. Todos os dias há pessoas na Praça Tahrir. O levante no Egito e em outras partes do mundo árabe não teria acontecido sem essa conectividade.

ZH – O Irã está desenvolvendo armas nucleares?

El-Baradei – Eu sei que o Irã está desenvolvendo tecnologia nuclear, mas isso é diferente de desenvolver armas nucleares. Tenho visto a preocupação de que o Irã possa estar desenvolvendo armas nucleares, mas não tenho visto nenhuma evidência concreta, nem ninguém chegou a nenhuma evidência concreta de que o Irã tenha tomado a decisão de desenvolver armas nucleares. Eles estão trabalhando com materiais que podem ser usados para desenvolver uma arma nuclear, mas isso é diferente de transformar esse material em armamento. Ninguém sugeriu que neste momento eles tenham uma arma nuclear. Estão muito longe de tê-la. Há preocupações, mas preocupações têm de ser gerenciadas. Todos concordam que, no caso do Irã, ter uma arma nuclear é uma questão de um ano ou dois. Nós deveríamos usar esse tempo de forma construtiva e nos engajarmos em um diálogo. Devemos expressar preocupação de que o Irã seja transparente em relação a seu programa nuclear. Mas tudo isso requer uma verdadeira negociação entre o Irã e os Estados Unidos, que deveriam negociar para construir confiança.

ZH – O governo israelense tem uma abordagem diferente da sua. O senhor acredita que seja provável um ataque de Israel ao Irã nos próximos meses?

Continua depois da publicidade

El-Baradei – Não acredito que seja provável. Isso nunca vai acontecer, porque seria um desastre total para todos no Oriente Médio, incluindo os israelenses. Usar a solução militar não é a melhor solução. A solução militar só aceleraria a busca do Irã pelo desenvolvimento de armas nucleares. Bombardear o Irã faria com que todo iraniano desejasse ter uma arma nuclear. Não se pode trabalhar com base em preocupações ou suspeitas. É preciso trabalhar por um Oriente Médio livre de armas nucleares. Israel é tido como possuidor de centenas de armas nucleares, e as pessoas no Oriente Médio não veem essa situação como segura.

ZH – O senhor pretende concorrer à presidência do Egito sob a nova Constituição?

El-Baradei – Não. Sou mais efetivo trabalhando por fora do sistema político. Isso me dá mais flexibilidade, como nesta visita ao Brasil.