Dos caminhos que Ahmed Farid Elessany, 33 anos, percorreu nos últimos anos, o desta segunda-feira foi um dos mais aguardados: o trajeto da área de embarque do aeroporto de Florianópolis até o avião que vai levá-lo novamente ao Egito, país onde nasceu e que deixou há cinco anos. Desde lá, a sua rota passou pelos Estados Unidos e diferentes locais do Brasil, até chegar a Florianópolis, enfrentar dificuldades e iniciar a luta para voltar pra casa. Só conseguiu graças à solidariedade de um desconhecido.
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Ahmed chegou ao Brasil com sua esposa brasileira e com o sonho de abrir o próprio empreendimento. Eles se conheceram durante um mergulho enquanto ela viajava pelo Egito. A mulher não falava inglês nem árabe, enquanto ele não sabia português. Mas isso não impediu que se aproximassem e se conhecessem melhor. Casaram-se e iniciaram uma família. Mas os planos de empreender no Brasil não deram certo. O casal se separou depois de 13 anos juntos. As duas filhas, uma de 13 e outra de três anos, retornaram ao Egito com a mãe. Ahmed ficou no Brasil, estabeleceu-se em Floripa e batalhou por um emprego fixo. Não foi fácil.
Após trabalhar num hotel em Jurerê Internacional e outro no bairro João Paulo, o egípcio foi demitido e não conseguiu outro trabalho. O idioma não era um problema: ele fala português e outras quatro línguas de forma fluente. Formação acadêmica também não era um empecilho, já que tem ensino superior completo. Mas, sem conseguir trabalhar, o caminho de Ahmed começou a ser o mesmo de dezenas de outras pessoas que atualmente vivem em Florianópolis: as ruas nos arredores do Terminal Rodoviário Rita Maria.
A presença de Ahmed, no entanto, foi marcada por dificuldades. Pessoas reclamavam do estrangeiro que pedia dinheiro e a queixa chegou a um segurança da rodoviária, que levou a situação em novembro de 2017 para o sargento da Polícia Militar Gilberto Soares, que trabalha no quartel anexo ao terminal. Ao verificar a ocorrência, Soares encontrou Ahmed pela primeira vez. Comprou comida para o egípcio e perguntou se ele queria voltar para casa. Era tudo que Ahmed queria.
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— Usei meu celular particular para ligar para a embaixada em Brasília e ninguém atendeu. Depois liguei também para o consulado, mas apenas com o setor comercial, então não me ajudou. Até eu conseguir o contato direto com alguém do consulado no Egito.

Contato com mãe e filho
Soares pensava em uma solução, mas perdeu o contato com o egípcio, que sumiu por semanas. Chegou 2018 e ele continuava desaparecido. A Polícia Federal e agentes de outros Estados foram questionados, mas também não tinham pistas sobre Ahmed.
Nesse período, Soares descobriu diversos detalhes da vida do egípcio, incluindo o contato com Howaida, a mãe de Ahmed. O contato inicial em inglês causou estranheza, mas as conversas se tornaram mais frequentes e abertas.
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O contato de Soares foi um alento para Howaida, que chegou a pensar que seu filho estivesse morto, já que não tinham contato desde que Ahmed foi morar nas ruas. Quando foi finalmente encontrado na rodoviária, Soares intermediou uma conversa entre mãe e filho.
— Foi criada uma corrente para tentar enviá-lo de volta. A mãe dele, todos os agentes do quartel e até a minha mulher tentaram ajudar de alguma forma para que isso pudesse ser realizado. Eu mesmo comecei a pensar nele como se fosse um filho meu, tentando fazer com que ele pudesse realizar o seu desejo e buscar um lugar onde pudesse se sentir bem novamente — resume Soares.
E graças a essa corrente, o tão sonhado dia de voltar pra casa finalmente chegou. Nesta segunda-feira pela manhã, o policial militar parecia um pai que vê o filho partir para um destino melhor. Numa despedida emocionante, os dois se abraçaram e Ahmed seguiu para o seu voo. Às 11h, ele deixou Florianópolis. A primeira escala foi no Rio de Janeiro, onde o egípcio foi recebido por representantes do consulado que o acompanham até seu voo para o país onde nasceu. A previsão é que, na manhã desta terça-feira, Ahmed desembarque o Egito.
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Depois de enfrentar dificuldades que nunca pensou que encontraria, ele pensa em recomeçar em um caminho onde possa ficar próximo da mãe e das filhas. Já o policial Soares aguarda o contato da mãe do agora amigo assim que Ahmed chegar em casa. E ainda espera poder atender o pedido de Howaida: visitá-los no Egito.
