*Por Jéssica Melo, especial para o AN

Repensar o centro e a periferia, diminuir lacunas para continuar o desenvolvimento econômico com redução da desigualdade e fomentar políticas de qualificação para profissionais que atendam às demandas das empresas locais estão entre os pontos elencados por representantes do poder público e da sociedade civil para uma Joinville do futuro.

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Há 100 anos acompanhando os desafios, sucessos e mudanças de Joinville, o A Notícia buscou especialistas para olhar o futuro e tentar responder a seguinte pergunta: qual é a Joinville que queremos mostrar no jornal nas próximas décadas? Nas falas, apontamentos de desafios do município e estratégias sugeridas para o enfrentamento desses problemas no curto e no médio prazo.

Reformular o centro é unanimidade

Todos os entrevistados destacaram a necessidade de reformular o Centro do município. O abandono da região com as obras do Rio Mathias e os seis anos sem estacionamento rotativo prejudicaram o comércio do Centro de Joinville, na visão da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). Em 2021, a entidade apresentou uma proposta de ressignificação do Centro, com agenda de aproximação dos lojistas, prestadores de serviços, proprietários de imóveis, agentes culturais e gestores públicos para criar um ambiente favorável aos negócios, comércio, cultura e lazer. Com esta união, haveria mais investimentos e negócios.

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– Já começamos a reunir os lojistas e começamos conversas com os proprietários de imóveis. Sabemos que o caminho é longo, mas precisamos estimular a implantação de restaurantes, bares, cafés e lojas no Centro – afirma o presidente da CDL Joinville, Marcos Bittencourt.

Outra bandeira levantada pela CDL é a melhoria na iluminação, que interfere diretamente na segurança.

– Sabemos que a Polícia Militar tem feito um bom trabalho, mas a segurança é fundamental para o bem-estar da população e dos negócios pois inibe furtos, assaltos e vandalismo – completa Bittencourt.

Melhorias na acessibilidade, com projeto para facilitar a execução e manutenção das calçadas, também foram apontadas no documento, que foi reportado ao poder público.

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Guilherme Cauduro, presidente do Conselho Cidade, acredita que uma das dores atuais dos moradores é a violência e insegurança, com uma “epidemia das drogas”, com pequenos furtos de usuários com problemas de dependência química no Centro.

– Como o Centro Histórico passou por um processo de desocupação, os próprios empresários e proprietários têm criado mecanismos para melhorar a ocupação desses espaços. Um exemplo interessante foi o incentivo à ocupação das praças no período de Natal. A cidade estava viva, os moradores foram passear pelas praças em diversos eventos – lembra o presidente do Conselho Cidade.

No longo prazo, o centro da cidade deveria ser totalmente remodelado, acredita o pesquisador Charles Henrique Voos, mestre em urbanismo e doutor em sociologia.

– Poderíamos seguir modelos de cidades que transformaram suas principais vias em torno de rios em parques lineares. O Rio Cachoeira pode ser um grande elo para essas políticas urbanas, com a criação de um grande parque linear, refazendo o terminal central, implantando uma praça. Precisamos repensar o papel do centro de Joinville. Está se tornando um não lugar, apenas um local de passagem – alerta Voos.

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(Foto: Salmo Duarte / Arquivo AN)

Cultura e lazer para todos ainda é desafio

Ainda que seja reconhecida como polo industrial e motor do desenvolvimento econômico, o município ainda tem espaço para avançar quando o assunto é redução de desigualdades, sejam elas de infraestrutura, culturais e econômicas.

Os grandes espaços de cultura lazer como o Centreventos Cau Hansen e a Cidadela Cultural — que atualmente busca projetos para iniciar uma nova fase após o incêndio de 2021 —, não estão presentes em áreas de menor poder aquisitivo, e o acesso à cultura é direito também das periferias, na visão de Voos. Por isso, uma das medidas possíveis no curto prazo é a descentralização e implantação de estruturas desse tipo em áreas mais distantes das concentrações de riqueza.

– O deslocamento até o Centro é necessário porque não há distribuição da infraestrutura cultural e de lazer – reforça o pesquisador.

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Distribuição de serviços e mobilidade

Os desafios que uma Joinville do futuro envolvem também o caminho rumo a uma distribuição mais igualitária do espaço. Áreas de lazer, bairros mais preparados para a população, descentralização e regramentos que ajudem a cidade a continuar se desenvolvendo, mas sem esquecer das pessoas e nem do meio ambiente.

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Esses pontos se tornam ainda mais relevantes com a recente aprovação do Plano Diretor municipal e o dado já confirmado pelo Censo 2022: já somos mais de 600 mil habitantes. A maior cidade de Santa Catarina cresce em ritmo acelerado, atrai moradores de outras cidades, estados e países, e aumenta também verticalmente — graças a um setor de construção civil aquecido e que vem alcançando bons resultados. A antiga “Cidade das bicicletas” onde os moradores transitavam tranquilamente de “zica” pelos bairros precisa, hoje e para o futuro, lidar com os desafios da mobilidade urbana.

Enquanto municípios como Paris voltam o olhar para cidades de “quinze minutos”, na busca da diminuição do tempo necessário para deslocamento para diversas atividades como lazer, educação e trabalho, Joinville segue “desorganizada” na visão de especialistas, levando a um tempo maior no trânsito. No entendimento do pesquisador Charles Henrique Voos, mestre em urbanismo e doutor em sociologia, outro problema é a precariedade da infraestrutura para que as viagens de bicicletas sejam seguras.

– Com a desorganização da cidade, os moradores enxergam o automóvel como uma facilidade, resultando na perda de passageiros do transporte coletivo. As políticas necessárias passam por uma organização do solo, com cidade mais adensada, infraestrutura mais perto das pessoas. Enquanto isso, poderiam ser feitas medidas de controle do uso de automóveis, uma nova licitação do transporte coletivo, repensando os modelos atuais. Aqui, não se fala em bondes elétricos, que são comuns em outros municípios mundo afora – aponta.

– Quanto mais o município ampliar o espaço urbano, mais a sociedade será dependente do automóvel, precarizando aos poucos o transporte coletivo e os não motorizados, como bicicleta e os trajetos a pé. Hoje, é impossível fazer grandes caminhadas para sair do seu bairro, porque as distâncias são enormes — finaliza Voos.

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Presidente do Conselho da Cidade, órgão criado para auxiliar no planejamento de desenvolvimento em Joinville, Guilherme Cauduro nota que os serviços públicos são mais concentrados, mas os bairros são descentralizados com micro centros comerciais, o que traz também custos maiores do que uma cidade mais adensada e problemas crônicos de deslocamento

O sistema viário foi fomentado para o modelo individualizado, carro motorizado. Estamos passando por discussão do plano viário. Uma das sugestões não é abandonar o transporte individual, mas torná-lo mais uma opção. É preciso desenvolver melhorias na cidade que atraiam as pessoas para caminhar e andar de bicicleta. Temos o maior número de ciclovias por habitante do Brasil, é um incentivo para que as pessoas passem a utilizar a bicicleta como meio de transporte. Apenas colocar faixas de ônibus não vai ser a solução – pondera.

Educação é chave para crescimento econômico e desenvolvimento humano

O crescimento econômico depende do aumento da produtividade, maior eficiência, ganhos de escala com a conquista de novos mercados, entre outros fatores. O ponto em comum para a conquista dessas métricas é uma maior qualificação dos colaboradores envolvidos, para buscar esses resultados. Em termos mais simples: educação.

O secretário de Desenvolvimento Econômico e Inovação de Joinville, Fernando Bade, destaca que foi criado um documento em conjunto com entidades do setor econômico, um plano com principais metas para a Joinville do futuro, entregue em outubro do ano passado. Entre os pontos ressaltados, está a necessidade de estratégias de qualificação, principalmente por meio do Senai e cursos técnicos, para que jovens possam adquirir conhecimento sobre tecnologia, uma necessidade da indústria local.

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A cidade só cresce se eu tiver gente capacitada para suportar esse crescimento. Além disso, alguns eixos do plano tratam de salário, pois esses empregos possuem valores agregados maiores e isso faz com que a renda média do nosso trabalhador também aumente. Joinville vem crescendo historicamente o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, o que mostra que o município é mais produtivo do que a média nacional, nossas empresas conseguem entregar mais.

Segundo o secretário, a melhora na capacitação e na renda está diretamente relacionada à otimização de outros indicadores, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que engloba a qualidade de vida como um todo, e o de Gini, que mede a desigualdade de renda.

Em relação à mão de obra qualificada, Joinville viu a escassez piorar ainda mais durante a pandemia. Isso motivou a união de empresas e entidades em busca de soluções, como o programa Joinville Emprega Mais. A ação partiu da união entre Acij (Associação Empresarial de Joinville), Senai/Fiesc e prefeitura de Joinville, e capacita cerca de 1,4 mil moradores da cidade desempregados, desalentados ou na informalidade. Ações parecidas ocorrem também em nichos específicos, como na construção civil, em que o Sinduscon (Sindicato Indústria Construção Civil de Joinville) atua para buscar profissionais capacitados para preencher as vagas em aberto atualmente.

Indústria em Joinville
Especialização dos trabalhadores é um dos desafios para o crescimento da indústria joinvilense (Foto: Salmo Duarte / Arquivo AN)

Pluralidade na educação

Além da questão do emprego, o avanço na educação superior joinvilense tem efeitos também na formação da sociedade. Para o pesquisador e sociólogo Charles Voos, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) deveria ser fortalecida no município, com maior diversidade de cursos, não somente relacionados a áreas mais ligadas à engenharia, por exemplo.

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Em busca de uma cidade mais plural, a desigualdade e as lacunas de infraestrutura urbana vão na contramão e pioram a qualidade de vida.

Nós temos uma demanda reprimida gigantesca nas outras áreas do conhecimento. Precisamos de cursos de humanas, sociais aplicadas, medicina pública em Joinville. Precisamos de uma Universidade Federal forte. Olhando para a infraestrutura da cidade, distribuição de vida mais justa e formação cultural sólida, principalmente um sistema de ensino superior sólido, podemos ter uma cidade muito diferente do que é hoje – completa.