Na década de 1950 Anísio Teixeira, intelectual e pesquisador da educação nacional, afirmava que educação não é privilégio e que a escola pública, comum a todos, deveria ser compreendida não como “instrumento de benevolência de uma classe dominante, por generosidade ou temor, mas como um direito do povo”.

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Passadas algumas décadas, avançamos no reconhecimento da educação como direito e na democratização do acesso ao ensino fundamental. No entanto, ainda temos muitos desafios para concretizar a efetivação de uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todos

Seguindo essa perspectiva, nesse artigo procuro discutir como poderíamos pensar no desenvolvimento de uma educação com qualidade, comprometida com as transformações sociais e com a consolidação de uma reflexão crítica, ou no dizer de Paulo Freire, no desenvolvimento de seres da práxis.

Muitas são as indicações e reflexões realizadas para a educação no Brasil na atualidade. Vários segmentos, de economistas a comentaristas esportivos, indicam o que “seria bom” para a educação, quais seriam as soluções para melhoria da qualidade educacional.

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No entanto, muitas dessas análises, por serem frágeis na sua leitura do real, na leitura da complexidade do processo educativo, acabam por difundir e socializar concepções de educação que afastam o projeto da escola de sua função primeira, qual seja, a socialização coletiva dos bens/conhecimentos da humanidade e o desenvolvimento de seres com capacidade de reflexão crítica.

Nesse sentido, é pertinente observarmos as discussões na contemporaneidade sobre o tempo escolar. Qual deveria ser o tempo de permanência na escola para a criança/jovem ampliar seu rendimento escolar? O aumento de dias letivos seria suficiente para a melhoria de rendimento? Ou o tempo de permanência ampliado é que seria o indicado? Essas questões, que em um primeiro momento parecem ser de ordem formal, isto é, uma simples reorganização de calendário e horário, na verdade se constituem em profundas transformações estruturais na educação.

Escola de tempo integral ou escola de educação integral? Qual seria a melhor alternativa? Novamente, a questão não pode ser reduzida a essa escolha. Antes é fundamental compreender a essência de cada uma das propostas.

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Desse modo, quando se discute em uma escola de tempo integral, a lógica que organiza essa escola é de um tempo de permanência maior no interior das instituições educativas, e aqui temos um primeiro desafio.

Pensar em um tempo de permanência maior nas escolas implica se ofertar à criança e ao jovem outros modos de aprenderem. Não é possível se pensar em uma escola de tempo integral apenas como uma alternativa para “ocupar o tempo” e/ou “manter as crianças e os jovens longe das ruas”. Escola não é semi-internato, escola não é reformatório!

Assim, se a rua não é um lugar seguro para nossas crianças e jovens, é necessário pensar políticas públicas alternativas para esse segmento populacional e não “deixá-lo” na escola. Além desse aspecto, é importante destacar que, de modo geral, as escolas nacionais não foram projetadas para esse tipo de educação. Muitos prédios escolares não possuem ambientes para atender seus alunos/as em tempo integral. Dito de outro modo, ao se falar em educação de tempo integral, é necessário discutir a própria estrutura física das escolas.

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No caso específico da rede municipal de Joinville, ainda que pese possuir prédios com boas condições físicas (salvo algumas exceções), os projetos arquitetônicos não foram pensados para a permanência dos alunos para além do período tradicional.

O resultado da inclusão das crianças em tempo integral em escolas que não têm estrutura física e pessoal para isso, como algumas experiências na cidade e no País têm demonstrado, repercutiu em poucas melhorias do rendimento escolar, resultando, por vezes, no surgimento de novos problemas educacionais.

Em relação à educação integral, muitas vezes abordada como sinônimo de escola de tempo integral, é imprescindível se discutir o projeto político da rede escolar e das escolas. Educação integral implica compreender que o desenvolvimento humano é múltiplo, ou seja, o desenvolvimento humano é composto pela dimensão cognitiva, emocional, motora e estética.

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Destarte, não é apenas a dimensão cognitiva que deve ser privilegiada no processo de ensino-aprendizagem. Esse tipo de educação requer discussões curriculares que extrapolem a definição de grade curricular. Antes, exige repensar os conteúdos e também o papel do professor. Numa proposta de educação integral, não há “matéria mais importante” ou “matéria que poderia ser dispensada”. Seguindo essa perspectiva, é fundamental destinar tempo para os estudos coletivos dos professores.

Outro aspecto que merece atenção especial é o tipo de profissional para atuar em uma escola de educação integral. Não é possível pensar em uma educação integral com voluntários. Antes os profissionais precisam ser formados, atuar em suas áreas de formação e ter condições objetivas de trabalho. Ter condições de trabalho significa, entre outras coisas, romper com a lógica mercadológica e competitiva que assombra nossas escolas.

O trabalho educativo é coletivo, não podemos falar em educação de qualidade com incentivos para os profissionais e escolas competirem entre si.

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Isto posto, acreditamos que para construir uma escola pública, gratuita, laica e de qualidade urge retomarmos o projeto coletivo da educação e o compromisso ético e político de profissionais da educação e autoridades.

E para aqueles que pensam que isso é utópico, socializo as palavras de Paulo Freire:

– Não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente tornando-se cada vez mais intolerante e o anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens. A utopia implica essa denúncia e esse anúncio.

Rosânia Campos, é doutora em educação. Professora do mestrado em educação e dos cursos de licenciatura e psicologia da Universidade da Região de Joinville (Univille). Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Políticas e Práticas Educativas (GPPPE) e do Grupo de Estudo em Políticas e Práticas para Educação e Infância (GEPPEI). Membro do Movimento do Fórum da Educação Infantil.

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